Prazer, literacia, violência e mais três prioridades nacionais em nome da saúde sexual

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[Fotografia: Cottonbro/Pexels]

A saúde sexual vai muito para lá da listagem das patologias que afetam as mulheres e as doenças sexualmente transmissíveis. É um vasto território que, ainda pouco abordado, afeta, inibe e trava, até, milhares de raparigas e mulheres no caminho da sua plenitude, autoestima e bem-estar.

No dia Nacional da Saúde Sexual, que se assinala este domingo, 4 de setembro, o Delas.pt foi procurar perceber quais as batalhas mais emergentes que devem ser travadas. Temas que, aliás, vão estar em debate ao longo do dia em encontros organizados por entidades que acompanham esta área, entre eles no recém-inaugurado MuSEX, Museu Pedagógico do Sexo. A saúde sexual vai ser o mote para uma sequência de encontros que vai juntar entidades e responsáveis na área até às 18.00 horas, no Palácio Anjos, em Algés, Lisboa, num evento que se associa às celebrações mundiais da WAS – Associação Mundial de Saúde Sexual, que decorrem sob o mote Vamos falar de Prazer?.

Mas de volta a Portugal e às prioridades nacionais, a coordenadora científica da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica (SPSC), Patrícia Pascoal, elenca seis eixos prioritários de intervenção nesta matéria. Conheça-os.

O prazer, sexualização e a violência

Para a responsável, a primeira matéria que terá de estar em cima a mesa prende-se com o combate a todas as formas de violência sexual. “O espectro do que é a violência sexual é vasto e vai desde as formas mais óbvias de agressão física até à manipulação, chantagem e coação. É importante credibilizar as vítimas, mas é também fundamental que a glamorização das relações abusivas, tantas vezes apresentadas como intensas e mais autênticas, acabe”, detalha. “Temos, muitas vezes, por trás de queixas sexuais, tais como por exemplo a falta de interesse sexual, pessoas que são continuamente coagidas e envolver-se em relações que não são prazerosas ou que são continuamente expostas a formas de assédio que fomentam uma má relação com a sexualidade e com o próprio corpo”.

Num segundo eixo, a também ex-presidente, psicoterapeuta e professora associada na Universidade Lusófona, aponta os holofotes para a pressão sobre a imagem. “Tomar consciência acerca do fenómeno de sexualização das raparigas e mulheres que contribui para a ideia que muitas mulheres têm ao longo da vida que o seu valor pessoal depende do seu valor enquanto objetos de desejo sexual, hiperinvestindo nesta área (a aparência erotizada) desde muito cedo e afastando-se algumas vezes de outros interesses. Isto é diferente da apropriação da própria imagem, falamos aqui da pressão para a adequação a um ideal homogéneo e muito restrito de imagem, limitando-se quase sempre à hipersexualização do corpo e não à visibilidade e espaço para que uma mulher tenha uma voz, mesmo que tenha uma imagem forte”, vinca.

O acesso e a vivência do prazer têm também muito caminho pela frente. Para Pascoal, é prioritário “compreender o hiato orgásmico que se encontra nas populações heterossexuais e que maioritariamente cria uma grande desigualdade na experiência do orgasmo, sendo as mulheres as que apresentam menos frequência e intensidade orgásmica.” A coordenadora científica desfia perguntas que devem ser urgentemente feitas para interromper este ‘gap’, este intervalo. “Porque é que isto acontece? E de que forma este fenómeno se associa ao conhecido e bem documentado “orgasmo fingido”? As mulheres fingem mais porque têm menos orgasmos e querem despachar o sexo sem magoar os parceiros (só isto é toda uma realidade sobre relações de poder dentro das relações…), ou têm menos orgasmos porque muitas vezes fingem ter, limitando as possibilidades de procurar o seu próprio prazer? Os homens percebem que existe esta disparidade? Preocupam-se? Será o reflexo de algumas dificuldades em estimular devidamente as suas parceiras cisgénero?” Questões que começam a ser trazidas para a mesa e que começam agora a ter espaço para serem abordadas mais claramente.

Conhecimento, informação e literacia

Como saber é poder, e mudar. A professora e coordenadora científica da SPSC convoca mais e melhor conhecimento de todos – das populações à comunidade científica – e maior amplitude de debate. Para Patrícia Pascoal, é prioritário “atualizar o conhecimento das populações acerca de diferentes Infecções Sexualmente Transmissíveis e formas de proteção eficazes”.

Mas é preciso mais: “É necessário formar profissionais de saúde na área da sexologia, e ao nível da educação da sociedade civil, combater o opinismo e o populismo inerente à visibilidade que figuras apelativas do ponto de vista mediático, mas pouco informadas do ponto de vista científico.”

Num claro combate aos perigos de coachs e profissionais cuja formação científica não é clara, a responsável lembra: “a maioria dos cursos do ensino superior que forma profissionais de saúde não contempla conteúdos ligados à sexualidade, nem sequer ao desenvolvimento psicossexual.” Há, prossegue a professora, “um conjunto vasto de profissionais que procura formação credível nacional e internacional de forma autónoma, atualizando a sua formação, mas infelizmente é apenas uma parcela”. “Esta situação é lamentável, pois implica uma desvalorização de uma área importante na vida da maioria das pessoas, excluindo-a da avaliação global, ou mesmo específica em contexto clínico e inibindo ainda mais as pessoas de trazer para os contextos as suas preocupações, sinais e sintomas, muitos dos quais beneficiarão de intervenção especializada”, alerta.

Por fim, Pascoal pede “promoção da literacia e a educação em saúde sexual em todas as idades e todos os públicos-alvo de forma a combater o estigma a intolerância e a discriminação, aumentando o conhecimento”.

Se por um lado é preciso combater, refere a coordenadora científica, “o predomínio de discursos agressivos e preconceituosos vindos de vários grupos que em nada permitem e viabilizam a construção de um mundo onde se respeitem os direitos humanos”, por outro é urgente promover “o contacto com a diversidade sexual, a sensibilização para as dificuldades e problemas de grupos distintos, (por exemplo pessoas com diversidade funcional ou perturbações neurodesenvolvimentais). Tal aumenta a compaixão, e pode ajudar a criar laços comunitários mais compassivos”. “. É importante acabar com os discursos e o pensamento dicotómico e bélico em que se colocam pessoas contra pessoas, pois a maioria, se conseguisse colocar-se no lugar dos outros ou conhecesse a realidade dos outros, teria uma atitude mais empática e agiria mais prontamente para o bem comum”, sublinha a especialista.