Pré-publicação: Cirurgiã de Angelina Jolie e Sheryl Crow faz roteiro sobre o cancro da mama

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A atriz e ativista Angelina Jolie e a cantora Sheryl Crow são duas das mais emblemáticas mulheres que passaram pelo consultório da cirurgiã norte-americana, Kristi Funk.

No mês em que se assinala o dia Mundial da Saúde da Mama, a 15 de outubro, e o Dia Nacional da Luta Contra o Cancro da Mama, a 30, o Delas.pt em parceria com a editora Lua de Papel pré-publica um excerto do livro Mama – Manual de Instruções, que chega às livrarias na quinta-feira, 10 de outubro.

Numa realidade em que todos os dados indicam que uma em cada oito mulheres virá a sofrer da doença, a cirurgiã Kristi Funk, publica um livro no qual pretende deixar claro como lidar com “uma doença que pode ser prevenida, controlada e vencida”.

Editora Lua de Papel, €17,90

A obra aborda os cuidados a ter com os seios, procura dissolver mitos associados a este tipo de tumores e deixa sugestões do que deve e não deve ser comido. Funk fala ainda sobre o rastreio e o diagnóstico e perspetiva a sobrevivência num capítulo dedicado a essa fase posterior à luta contra a doença.

Leia um excerto deste Manual de Instruções e que aponta os múltiplos fatores de risco e de propensão para a doença. Causas tão inesperadas como a altura, a raça ou a classe socioeconómica, por exemplo, mas outras já conhecidas como as questões hormonais e histórias clínicas pessoais e familiares.

A IDADE

Quanto mais velha se torna, mais elevado é o risco. Vejo todas as semanas mulheres abaixo dos 50 anos, antes da menopausa, com cancro, por isso, não vou minimizar o quão real e devas­tador esse risco é. No entanto, as estatísticas não mentem e aquilo que estou prestes a partilhar deve ajudá-la a relaxar um pouco. De certeza que já ouviu dizer que o risco de uma mulher norte-americana ter cancro da mama é de 1 em 8, mas o seu risco atual, hoje, neste minuto, não é de 1 em 8. Esse é o número do azar para toda uma vida. O risco aumenta ao longo dos anos que passa na Terra, por isso, já escapou a algum e há mais à sua frente. Vamos colocar o risco da idade em perspetiva.

Vamos supor que a sua idade é 40 anos. Durante todo o período de tempo entre os 40 e os 50 anos, 1 em cada 68 mulhe­res (1,5 por cento) vai ter cancro da mama. Mas em qualquer ano, digamos que aos 42, o risco de diagnóstico aos 42 é na realidade um décimo do risco do período inteiro, por isso, as probabilidades são de 1 em 680 (0,15 por cento). Está muito longe dos 1 para 8, não está? E, por alguma razão, todos os nos­sos dados parecem ter as mulheres todas mortas aos 78 anos. A esperança média de vida nos Estados Unidos é de 81,2 (quero a acima da média), o Japão vence a corrida da longevidade, com 86,8 anos e a Serra Leoa tem a esperança média de vida mais curta, com 50,8 anos

A PRIMEIRA VEZ QUE O MÊS TEM “AQUELA ALTURA”

Menarca é o nome dado à primeira menstruação, que assinala, sem cerimónias, o início dos pelos nas axilas, das dores mensais e das alterações maníacas de humor durante os anos seguintes.

Pelo lado positivo, foi altura de arranjar um sutiã com tama­nho de copa. A idade média da menarca nos Estados Unidos é de 12,5 anos, com as idades a variarem entre os 9 e os 16. Não foi sempre assim. A idade da puberdade nas raparigas, entre as populações ocidentais, tem vindo a cair durante os últimos 150 anos. Em 1997, um marcante estudo norte-americano atirou a puberdade precoce (amadurecer a uma idade inferior à espe­rada) para a ribalta quando analisou mais de 17 mil raparigas e descobriu que 27,2 por cento das negras e 6,7 por cento das brancas tinham começado a desenvolver seios ou pelos púbicos aos 7 anos. Apenas um ano depois, aos 8 anos, estes números subiam para 48,3 por cento e 14,7 por cento de raparigas negras e brancas, respetivamente.

“Eis um facto preocupante: a puber­dade mais cedo aumenta o cancro da mama”

Eis um facto preocupante: a puber­dade mais cedo aumenta o cancro da mama. As raparigas cujos seios começam a crescer antes dos 10 anos têm um aumento de 23 por cento de cancro da mama em relação às que só desenvol­veram os seios aos 10 anos ou depois. Por outro lado, as rapa­rigas que iniciam o período aos 16 ou depois têm 50 por cento menos cancro da mama do que aquelas com menarca antes dos 12, o que destaca o efeito protetor da puberdade tardia. Para além do cancro da mama, quando a puberdade chega mais cedo nas raparigas tem sido também registado um risco aumentado de cancro dos ovários, obesidade, diabetes, perturbações psi­cossociais e triglicéridos elevados (pense em ataque cardíaco) mais tarde na vida.

Uma vez que o estrogénio alimenta a maioria dos cancros da mama, faz sentido que quanto mais cedo surja a puberdade, mais cedo comece a exposição ao estrogénio, o que expande a vulne­rabilidade para o desenvolvimento de cancro da mama entre a primeira menstruação e a primeira gravidez. A evidência cientí­fica recente implica um aumento da obesidade e dos disruptores endócrinos na puberdade precoce. Nós, mães de jovens, temos de as encorajar a manter um peso normal e a evitar os disrupto­res endócrinos dos alimentos e das casas. Tal como aprendemos no capítulo anterior, a gordura periférica eleva os níveis de estrogénio, portanto, não há nada de formosura na gordura. E os imitadores do estrogénio que se encontram na carne, nos laticínios, nos pesticidas, nos produtos cosméticos e para o cabelo, nos detergentes da roupa, nos produtos de limpeza e nos plásticos (bifenilos policlorados, bisfenol A e ftalatos) preci­sam de ser minimizados no ambiente doméstico. Embora esta situação eleve, prematuramente, o estrogénio e promova cres­cimento precoce dos seios em raparigas pré-adolescentes, não se esqueça de que este é um momento crítico para evitar fumar e para se abastecer de vegetais e de soja.

A BELA DA MENOPAUSA

A menopausa diz respeito à cessação da menstruação – para ser mais específica, a doze meses consecutivos de sossego (o que, claro, só se sabe em retrospetiva). A idade média nos Estados Unidos é de 51 anos, mas um estudo recente colocou a idade mediana na Europa nos 54 anos.

A menopausa pode ocorrer antes da altura natural, a seguir à quimioterapia ou à terapia antiestrogénio (ambas desligam o funcionamento dos ovários, pondo um fim aos períodos), à remoção cirúrgica dos ovários ou a outras doenças. Geralmente, vários anos de “mudança antes da mudança”, a chamada perimenopausa, precedem a meno­pausa natural. Talvez note que toda a gente à sua volta tem um problema de atitude, o seu cônjuge de repente concorda com tudo o que diz e a sua criança interior parece ter encontrado um monte de fósforos.

A perimenopausa geralmente envolve uma combinação indesejada de períodos irregulares, altera­ções de humor, afrontamentos, suores noturnos, insónia, perda de memória, aumento de peso (incluindo gordura no rabo, a sério?), dores nos seios, dores nas articulações, secura vagi­nal, dores nas relações sexuais, diminuição da líbido, pele seca e/ou cabelo mais fino. O lado bom é que os meses deixam de ter “aquela altura”.

Agora, um teste rápido. O que aumenta o seu risco de cancro da mama: a menopausa mais cedo (numa idade mais jovem) ou mais tarde (mais velha)? Resposta: mais tarde. Pela mesma razão postulada com a menarca, quanto mais tempo as suas células mamárias estiverem sujeitas a picos mensais de estrogénio, mais alta é a sua incidência de cancro da mama. As mulheres que, por alguma razão, atravessam a menopausa antes dos 44 anos têm 34 por cento menos cancro da mama do que aquelas cuja maldição mensal espera até aos 54 anos, ou mais, para parar. Este efeito protetor, de ter a menopausa mais cedo, é na reali­dade de 44 por cento nas mulheres com um IMC igual ou infe­rior a 27, mas baixa para 24 por cento nas mulheres com um IMC superior a 27, portanto, ser magra confere lhe mais prote­ção.

“Começar os períodos mais tarde e deixar de os ter mais cedo protege-lhe os seios”

Na realidade, os investigadores descobriram que, quando comparadas idade com idade, entre os 45 e os 54 anos (digamos, duas mulheres com 48 anos), a mulher sem períodos durante um ano (ou seja, na menopausa) tinha 43 por cento menos can­cro da mama do que a que ainda tinha menstruação. Se tiver feito uma histerectomia, mas tiver mantido os ovários, não está na menopausa até os seus ovários dizerem (simplesmente não tem o lembrete mensal). Portanto, começar os períodos mais tarde e deixar de os ter mais cedo protege-lhe os seios.

A RAÇA

As mulheres brancas têm mais cancro da mama do que quais­quer outras, incluindo as Afroamericanas, as Nativo americanas e as nativas do Alasca, as Asiáticas e das ilhas do Pacífico ou as Hispânicas. O gráfico que se segue mostra a incidência de can­cro da mama e as taxas de mortalidade nos Estados Unidos de acordo com a raça (números por 100 mil mulheres).

“As mulheres brancas têm mais cancro da mama do que quais­quer outras”

Como pode ver, embora as mulheres brancas tenham maior incidência de cancro da mama, as Afro americanas têm 30 por cento mais probabilidade de morrer por causa da doença. Todos os outros grupos raciais e étnicos têm, pelo menos, 22 por cento menos cancro do que as mulheres brancas e 52 por cento menos mortes do que as mulheres negras. No entanto, as notícias aqui visíveis, e que são encorajadoras, é que as taxas de incidência são muito maiores do que as de mortalidade, o que significa que há muito mais mulheres a viver do que a morrer em todas as raças. De facto, quando comparamos com 1975, a deteção atempada e o tratamento melhorado dos cancros da mama baixaram as taxas de mortalidade em todas as raças. De todas as raças, as mulhe­res chinesas e japonesas são as que têm as taxas mais elevadas de sobrevivência do cancro da mama.

Vários fatores explicam o aumento da taxa de mortalidade das mulheres não brancas.19 Nas bases de dados de cancro SEER (Surveillance, Epidemiology and End Results) descobrimos que, em comparação com as Brancas, as Afro americanas são diagnosticadas com frequência em estádios mais avançados da doença (44 por cento contra 33 por cento), a uma idade mediana mais baixa (58 contra 62 anos) e com subtipos de cancro triplo negativo mais agressivos (22 por cento contra 12 por cento).

Ao investigarem para além dos subtipos, os cientistas identi­ficaram diferenças biológicas inerentes nos cancros da mama invasivos das pacientes com ascendência africana, em com­paração com as de ascendência europeia, que podem afetar adversamente a forma como os genes e as proteínas e as muta­ções celulares interagem.

Muitos outros fatores, incluindo a menarca precoce, menor uso de mamografias, maior densidade mamária, pior acesso a cuidados de saúde, variações regionais da qualidade dos cuidados, falta de seguros de saúde, menor uso de tratamentos para o cancro, obesidade (50 por cento mais comum), diabetes (60 por cento mais comum), algumas crenças culturais e barreiras à comunicação, sobretudo em imigrantes e refugiadas, tudo contribui para as diferenças na incidência e na mortalidade entre as negras não hispânicas e as raças brancas.

É óbvio que terão de ser os líderes, ao nível dos pacientes, dos prestadores de cuidados de saúde, das seguradoras, da comu­nidade e do país, a promover a mudança do sistema, se preten­demos acabar com o fosso racial da mortalidade nos Estados Unidos.

CLASSE SOCIOECONÓMICA

Uma classe socioeconómica mais elevada está relacionada com taxas mais altas de cancro da mama. Mas não é o que talvez esteja a pensar. A classe socioeconómica e o risco não estão diretamente relacionados com o dinheiro ou a instru­ção, com casas finas ou licenciaturas de faculdades de topo, mas as mulheres com estatuto socioeconómico mais elevado (maior rendimento, instrução e profissão qualificada) tendem a possuir comportamentos que se sabe que elevam o risco: raça branca, sem ou com menos filhos, mais idade aquando a pri­meira gravidez levada a termo, menos meses a amamentar, uso de hormonas, ingestão de álcool, mais alimentação na infân­cia, com mais altura e mais peso e vida nas comunidades urbanas.

“Uma classe socioeconómica mais elevada está relacionada com taxas mais altas de cancro da mama”

Para além disso, as mulheres com classe socioeco­nómica mais elevada tendem a fazer a sua mamografia anual e, por isso, têm os seus cancros diagnosticados. Mulheres que possuem um rendimento superior a 50 mil dólares e mulhe­res licenciadas, casadas ou que têm seguros de saúde, todas elas têm maior probabilidade de ter feito uma mamografia nos dois últimos anos do que uma mulher que ganha menos de 35 mil dólares, não se licenciou, nunca casou ou não tem seguro de saúde.

Por outro lado, as mulheres de classe socioeconómica mais alta tendem a ser diagnosticadas numa fase mais inicial e curá­vel do cancro do que as da classe inferior. Tendo um melhor acesso a cuidados de saúde e a opções melhores de tratamento, as mulheres de elevado estatuto socioeconómico morrem menos de cancro da mama.

“As que não têm seguro de saúde (…) morrem 36 por cento mais do que as mulhe­res com seguros privados”

As que não têm seguro de saúde ou têm Medicaid* apresentam-se com mais frequência em estádios III e IV de cancro e morrem 36 por cento mais do que as mulhe­res com seguros privados

Mesmo dentro da mesma raça, sabemos que as mulheres afro-americanas de classe socioeco­nómica alta têm uma taxa de sobrevivência melhor do que as afro-americanas de baixo estatuto socioeconómico.

O grupo com estatuto socioeconómico mais alto pode reduzir o seu risco ao aderir a alterações alimentares e de estilo de vida, e as senho­ras de classe socioeconómica mais baixa beneficiariam de um melhor acesso a um serviço de saúde atempado e a preço razoá­vel e a exames aos seios.

A ALTURA

Acredite, ou não, quanto mais alta for, mais alto é o seu risco de cancro da mama. Num estudo de 108 829 mulheres, acompanha­das durante 12 anos, em que surgiram 1041 cancros, as mulheres com 1,75 metros de altura ou mais possuíam 57 por cento mais probabilidade de ter cancro do que as mulheres com menos de 1,60 metros.

“Quanto mais alta for, mais alto é o seu risco de cancro da mama”

Cada 5 centímetros adiciona 11 por cento de risco. A mortalidade do cancro da mama também aumenta com um acréscimo de altura. Após 14 anos a seguir 424 168 mulheres pós menopáusicas, foram observadas 2852 mortes por cancro da mama. As mulheres com 1,68 metros ou mais possuíam um aumento de 64 por cento de morte por cancro da mama, quando comparadas com as que tinham menos de 1,52 metros. De repente, ser meia leca já não soa assim tão mal, pois não?

Isto não tem nada a ver com o universo favorecer as mulheres pequenas. É o funcionamento do estrogénio, da progesterona, dos androgénios, da hormona do crescimento, da insulina e do fator de crescimento 1 (IGF 1), e os fatores alimentares durante a infância, a puberdade e a adolescência, tudo junto, que deter­mina a altura do adulto.

Estes mensageiros hormonais inte­ragem com os fatores genéticos, o desenvolvimento biológico, as exposições ambientais e os fatores de estilo de vida, como a alimentação e o exercício, de formas complicadas e pouco com­preendidas. O que pode fazer para conseguir escapar de todo ao cancro da mama? Bem, lembra se da síndrome de Laron, de que falámos no capítulo 4? Nanismo devido a níveis muito dimi­nuídos de IGF 1 e insensibilidade dos recetores à hormona do crescimento não resulta apenas numa estatura pequena.

Quem tem síndrome de Laron nunca tem cancro da mama. Leu bem. Porquê? O IGF 1 promove a carcinogénese e inibe a morte das células de cancro (apoptose). Uma análise de 17 estudos pros­petivos confirmou níveis mais altos de IGF 1 entre as mulheres mais altas, em comparação com as mais baixas, com um aumento de 38 por cento no cancro da mama positivo para recetores de estrogénio, sugerindo uma vez mais que o IGF 1 e os estrogé­nios têm o seu papel. Portanto, amigas baixinhas, na próxima vez que uma rapariga de 8 anos lhes disser: “Ei, estou quase tão alta como tu!”, façam apenas um sorriso amável e conhecedor.

DENSIDADE ÓSSEA

Por esta altura já deve estar a pensar: “Se não é uma coisa é outra.” Bem, aqui fica mais uma coisa. Ossos fortes estão relacio­nados com mais cancro da mama. Os ossos contêm recetores de estrogénio e o estrogénio mantém os seus ossos fortes ao inibir as citoquinas, que atuam para destruir os ossos.

“Ossos fortes estão relacio­nados com mais cancro da mama”

Embora fique­mos contentes por o estrogénio fazer bem ao corpo no departa­mento do esqueleto ao aumentar a densidade mineral óssea, ele fá-lo aumentando a produção de IGF 1 e da hormona do cresci­mento, que constroem e protegem os seus ossos enquanto, ao mesmo tempo, alimentam as alterações carcinogénicas nos seios.

Na realidade, dois estudos extensos, que compararam mulhe­res pós menopáusicas com maior e menor densidade mineral óssea, mostram riscos de cancro da mama 3,5 a 6 vezes mais altos para o grupo que está entre o quarto das mulheres com a densidade mineral óssea mais elevada. Não quer isto dizer que uma densidade mineral óssea saudável cause cancro da mama, mas é um sinal de que outros fatores de risco bem conhecidos andam por ali, nomeadamente, mais estrogénio, mais IGF 1 e mais hormonas de crescimento.

Quanto à Senhorita Ossos Fracotes, que tem uma densidade mineral óssea baixa, pelo facto de ter menos estrogénio devido a razões como uma menopausa precoce ou peso corporal baixo após a menopausa, estas coisas protegem na mesma do cancro da mama.

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