Pré-publicação: “Em Queda Livre”, a história de uma mãe que podíamos ser nós

Em queda livre

Allison Weiss poderia ser a nossa mãe, uma amiga, uma mulher que conhecemos ou mesmo qualquer uma de nós. Ela é a protagonista do livro ‘Em Queda Livre’ (Bertrand), de Jennifer Weiner, autora bestseller do New York Times, e tal como muitas mulheres é a típica mãe trabalhadora que tenta conciliar a família com o trabalho.

Allison Weiss tem um marido bem-parecido, uma filha adorável, um trabalho que a apaixona e uma boa casa nos subúrbios. A sua vida tem tudo para ser perfeita, mas será que o é?

O livro está à venda a partir de 12 de abril (preço €17,70)

 

‘Em Queda Livre’ é um retrato atual e bem real do que é a vida de muitas mulheres nos dias de hoje, da pressão para conseguir conciliar tudo e da exigência de perfeição implícita em todos os domínios. Mais tarde ou mais cedo, o corpo e a mente acabam por sucumbir e o que em tempos poderia parecer uma poderosa ajuda torna-se num problema ainda maior: a dependência.

O livro chega esta sexta-feira, 12 de abril, às livrarias nacionais e o Delas.pt, em parceria com a editora Bertrand, que o publica em Portugal, disponibiliza um excerto em pré-publicação exclusiva. Leia o texto, em baixo, e fique a conhecer um pouco do livro ‘Em Queda Livre’.

‘Em Queda Livre’

“Parei num sinal vermelho e as minhas pálpebras pareciam pesar como se alguém as tivesse coberto de areia. Mantive o pé no travão e deixei os meus olhos fecharem-se, sentindo o calor dos comprimidos a percorrer-me as veias, aquela sensação intoxicante de que tudo estava bem no universo. A minha cabeça caiu para a frente. Senti o cabelo nas minhas bochechas…
Atrás de mim, alguém estava a buzinar. Endireitei-me rapidamente e abri os olhos.
— Credo, calma nisso!
Acelerei a fundo e fui projetada para trás, à medida que o meu carro voava pelo cruzamento. Porque é que toda a gente estava com tanta pressa? O que tinha acontecido às boas maneiras? Olhei para o espelho retrovisor de sobrolho franzido, a tentar ver a cara que se encontrava atrás do volante do carro que me tinha buzinado, interrogando-me se seria alguém que eu conhecia… e, de repente, o letreiro de Stonefield apareceu à minha direita. Carreguei a fundo nos travões, virei no sinal e ouvi a borracha a chiar na estrada quando guinei e fintei o carro
que seguia na faixa à minha direita. Quando carreguei no travão, o meu coração saltou. Tinha dois carros à minha frente e já estava a ver os gémeos de Janet à espera — com os bonés de basebol e mochilas iguais — e a Eloise, com o vestido de verão Lilly Pullitzer que ela mesma tinha escolhido. Estacionei o carro no parque, peguei na chave e saltei do meu lugar. O tacão do meu sapato deve ter ficado preso no tapete do carro, porque, em vez da saída graciosa que eu planeara, tropecei e bati com força no passeio, aterrando em cima das mãos.
— Au! — gritei. Tinha as palmas a picar e salpicadas com pontos de sangue e as calças rasgadas nos joelhos. Interroguei-me se alguém me teria visto. Olhei à volta e engoli em seco quando vi a senhora Dale, uma das professoras da sala de Ellie, em pé na esquina, com uma prancheta na mão. Que sorte a minha. A menina Reckord, a outra professora, era uma mulher de vinte e cinco anos, de expressão dócil, corpo redondinho, com umas faces rosadas e uma voz sussurrada. Os rapazinhos tinham todos um fraquinho por ela e as meninas lutavam para se
sentarem no seu colo na hora do conto, quando podiam mexer nos seus brincos pendentes. A senhora Dale era outra conversa. De lábios finos, ombros largos e peito chato, o cabelo da cor e consistência de um esfregão da loiça e a pele pálida como um iogurte, a senhora Dale — cujo nome próprio, tanto quanto eu soubesse, não era usado por ninguém no interior da comunidade de Stonefield — punha crianças de cinco anos na linha há mais de trinta anos. A senhora Dale não se deixava impressionar pelos nossos «floquinhos de neve». Ela não acreditava em afirmações nem em elogios não merecidos que estimulavam a autoestima da criança, nem tão-pouco na filosofia implícita de Stonefield de que todas as crianças eram vencedoras. Ela defendia que as crianças tinham de ter as mãos sossegadas, não podiam correr nos corredores e tinham de pintar dentro dos contornos. Não ia em conversas de ninguém e nunca, mas nunca, sorria.
Acenei-lhe e enfiei sub-repticiamente as palmas ensanguentadas
nos bolsos.
— Peço desculpa pelo atraso! Vamos lá, criançada!
Abri a porta de trás do carro, peguei na Eloise pelas axilas e icei-a para a sua cadeirinha.
A senhora Dale estava a observar-me.
— Recebeu as minhas mensagens a propósito da reunião da direção?
Puff. Ao longo dos últimos dias — ou talvez até das últimas semanas —, eu tinha recebido várias chamadas da escola, mas tinha sempre carregado em «Ignorar» e deixara-as ir diretamente para a caixa de mensagens. Andava ocupada. Andava cansada. Tinha um emprego, ao contrário de metade das mães dos colegas de sala de Ellie. Porque é que a escola nunca lhes ligava a elas?
— Desculpe. Tenho andado numa correria louca. Um projeto novo…
— MAMÃ! Eu tenho SANGUE! — gritou Eloise. Olhei para ela e era verdade que a minha palma ensanguentada tinha deixado um rasto desangue no seu vestido rosa e verde.
A senhora Dale aproximou-se.
— Senhora Weiss? A senhora está bem?
— O quê? Ah, sim. Só rasguei as calças, não é nada de especial. Sou tão desastrada. Nunca fique ao pé de mim numa aula de zumba.
Segui o olhar dela na direção das minhas palmas ensanguentadas. Corei, peguei numa toalhita de bebé da caixa que tinha no banco de trás e limpei as mãos. A seguir, remexi na fivela do cinto de segurança e prendi-o com força contra o peito de Ellie.
— Ai, mamã, isso MAGOA!
— Desculpa, desculpa — disse eu. Agora sentia-os, os comprimidos e o vinho a percorrerem-me a cada batimento cardíaco, cantando o seu imperativo: vai dormir. Já. Fechei finalmente o encaixe do cinto. — Daqui a dez minutos estamos na casa da Janet. Eu ponho-te um penso do Gru Maldisposto.
— eu odeio o Gru Maldisposto!
— Claro que odeias — murmurei eu. Ainda na semana passada o adorava. — Dylan? Conor? Está tudo bem com vocês? — Os rapazes anuíram. Um deles tinha uma consola de jogos portátil. O outro tinha um iPod e os auscultadores enfiados nos ouvidos. Fechei a porta de trás, virei-me e senti a mão da senhora Dale fechar-se sobre a minha. À volta da chave do meu carro.
— Porque não entra e bebe um café?
— Ah, é muito simpática, mas na verdade… eu tenho de… a Janet tem o jantar servido e a Ellie vai-se passar se eu não a limpar.
— Podemos lavar o vestido dela no gabinete de enfermagem. Temos lá pensos rápidos e temos comida no caso de os rapazes estarem
com fome.
— É muito amável — Eu sentia o coração a pulsar dentro dos meus ouvidos. — Mas eu tenho mesmo de pôr esta criançada a andar.
A mão da senhora Dale não se mexeu.
— Esteve a beber? — perguntou-me, aproximando-se, com os olhos semicerrados e as narinas dilatadas, como se estivesse a tentar cheirar o meu hálito.
Fiquei hirta e senti arrepios na espinha, como se estivesse a desfalecer de pavor. Apanhada. Tinha sido apanhada. Ia ser presa. Ia ficar sem a carta de condução. Dave ia descobrir. Toda a gente ia ficar a saber.
Endireitei-me e tentei parecer e soar o mais sóbria que conseguia.
— Eu e a Janet bebemos um copo de vinho, mas isso já foi há mais de uma hora. Eu estou bem. A sério. Juro — disse eu com firmeza, tentando soar e parecer respeitável e sóbria, na esperança de que a senhora Dale estivesse consciente de que, para todos os efeitos, eu era a patroa dela. Alisei o cabelo e tentei ignorar as minhas calças rasgadas e as mãos ensanguentadas e projetar uma imagem de serenidade e competência.
A senhora Dale parecia inamovível.
— Senhora Weiss, acho que vai ter de entrar.
— Eu estou ótima. — Agarrei a chave e tentei arrancar-lha da mão com tal força que cambaleei para trás e quase caí no passeio.
— Oiça o que eu lhe estou a dizer. — A voz dela era aquela voz de comando, imperiosa, que eu já tinha ouvido no pátio da escola, um tom capaz de captar a atenção de umas dezenas de crianças irrequietas do jardim infantil. — Como professora, estou investida de autoridade. Se eu acreditar que há crianças em perigo, tenho de ligar para os serviços…
— Do que é que está a falar? — Eu estava quase a gritar. Arregalei os olhos, para lhe mostrar que ela estava a ser completamente ridícula. — Acha que as crianças estão em perigo? — O conforto suave dos comprimidos tinha desaparecido, tinha-se desvanecido, evaporado, como se nunca lá tivesse estado. O meu corpo estava em alerta máximo, o coração aos pulos, a adrenalina a correr-me nas veias e eu ouvia a minha voz cada vez mais alta. — Eu bebi um copo de vinho. Os comprimidos que tomei antes disso não importam. Um. Copo. Estou ótima.
— Eu não sei o que a senhora tomou, mas não posso deixá-la levar crianças no carro. — Pousou uma mão, uma mão paternalista, no meio dos meus ombros. — Entre. Sente-se. Beba café.
Agora eu tinha três carros atrás de mim. Reconheci Tracy Kelly, Quinn Gamer e havia um homem que eu não conhecia, e estavam todos a olhar para mim. Quinn tinha o telemóvel na mão e escrevia uma mensagem apressada, devia estar a contar a alguém — ao marido, a uma amiga — exatamente aquilo que se estava a passar. Allison Weiss, a senhora vibrador em todas as malas, tinha aparecido em Stonefield bêbeda.
— Mamã? — Olhei para dentro do carro, onde Ellie estava presa à sua cadeira, com o dedo enfiado na boca. Ellie não chuchava no dedo desde os três anos. — Porque é que está toda a gente a gritar?
— Muito bem — disse eu e abri a mão. A chave escorregou-me dos dedos suados e caiu no passeio com um som metálico. — Muito bem”.

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