Precisamos mesmo de usar soutien?

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“Chego a casa e a primeira coisa que faço é tirar os sapatos e o soutien”. “Só o usei durante os anos em que trabalhei numa empresa muito formal”. “Se ficar o dia todo em casa, sozinha ou com o meu namorado, nem o visto”. Estas são declarações de mulheres com peitos de tamanhos diferentes, grande incluído, e associam o estar “à vontade”, confortável, ao facto de não usar soutien. Nestes casos, bem mais comuns do que se possa pensar, o soutien quase parece funcionar como um espartilho – que aliás tem estado na moda –, como uma espécie de prisão. A grande maioria das mulheres, no entanto, não vive sem ele, quanto mais não seja devido a um mero hábito adquirido na adolescência. Mas será mesmo necessário?

O que dizem os médicos

Se for a uma consulta com a sua médica de família ou ginecologista e perguntar se deve usar soutien é natural que obtenha um sorriso enigmático como resposta. Várias especialistas contactadas pelo Delas.pt disseram não ter conhecimento de estudos sobre o tema e preferiram não fazer comentários.

Fernanda Águas, presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia aceitou responder, esclarecendo previamente que as suas declarações “têm por base os conhecimentos de anatomia e fisiologia da mama e são também fruto da experiência clínica” pois “não existem publicações científicas sobre esses assuntos”.

Na opinião da médica, “o soutien pode contribuir para a saúde se for adequado à mama e proporcionar conforto e bem-estar”. Além disso, as “mamas volumosas podem necessitar sustentação, caso contrário poderão levar a posições viciosas que originem alterações da postura da coluna vertebral e que geram dores a nível dorsal”.

Mas também é possível que o soutien cause problemas: “Se não for adequado ao tamanho da mama, por exemplo um soutien pequeno e apertado, poderá causar demasiada pressão e tornar-se desconfortável. Os materiais utilizados na sua confeção também são importantes porque podem ser responsáveis por alergias ou lesões da pele, aumentar a sudorese local e, eventualmente, proporcionar um ambiente favorável ao desenvolvimento de microrganismos suscetíveis de causar infeções”.

Não definitivamente comprovada a sua necessidade – exceto nos casos de seios generosos – o soutien servirá ao menos para evitar que o peito descaia? Nem por isso, explica Fernanda Águas: “O problema da flacidez mamária não tem tanto a ver com o soutien mas sim com o envelhecimento que faz com que os músculos e ligamentos se tornem mais flácidos, o tecido conjuntivo perde o colagénio que lhe dá estrutura e a própria mama vê o seu tecido adiposo aumentar e substituir a própria glândula. Todos estes parâmetros variam de mulher para mulher e a componente genética e ambiental têm aqui grande influência”.

O exercício físico poderá ajudar a manter os seios no devido sítio uma vez que “é sempre importante para o fortalecimento muscular [e a mama assenta nos músculos peitorais], flexibilidade e postura correta”, conclui a médica.

 

Um tema polémico

Em 2013, Jean-Denis Rouillon, professor da Universidade de Franche-Comté, em Bensançon, França, gerou enorme controvérsia ao garantir que o soutien era “uma falsa necessidade”, não servindo para atenuar as dores das costas e, ao suportar o peito, acabar por contribuir para a sua flacidez. Estas conclusões baseavam-se num estudo que realizou ao longo de 15 anos e no qual colaboraram cerca de 300 mulheres. Uma delas chegou a afirmar numa entrevista que, desde que não o usava, respirava melhor e tinha uma melhor postura.

Embora fosse um professor desconhecido, as suas afirmações correram mundo, sendo publicadas em famosos órgãos de comunicação internacionais. Rouillon afirmou estar estupefacto com o burburinho criado, esclareceu tratar-se de dados preliminares e que era necessário continuar a investigar. E, aparentemente, até à data, esta história ficou por aqui.

Outra história, mais concretamente um rumor, persiste desde os anos 90 sugerindo que o soutien pode estar relacionado com o cancro da mama. Nos tempos recentes a ganhar maior dimensão através da propagação na Internet, o tema levou a que a American Cancer Society publicasse no seu site um esclarecimento: “Não há razões clínicas ou científicas” para tal suspeita. “Um estudo recente envolvendo mais de 1.500 mulheres não encontrou relação entre o uso do soutien e o risco de cancro da mama”. Outro estudo divulgado há um par de anos pela American Association for Cancer Research conclui o mesmo, sendo que este se centrou em mulheres na pós-menopausa.

Dos espartilhos aos soutiens infantis

Reza a História que as mulheres já usavam uma peça específica para cobrir os seios no Império Romano. O primeiro soutien propriamente dito remontará à Idade Média: em 2012, arqueólogos da Universidade de Innsbruck encontraram exemplares com 600 anos num castelo austríaco, uma descoberta que surpreendeu pois considerava-se que só teria surgido há pouco mais de um século.

No entretanto imperaram os espartilhos, criados para dar suporte aos seios, manter a postura e afinar a cintura e com sérias consequências para as mulheres que os envergavam. Na interessante exposição Undressed: A Brief History of Underwear, que o londrino Victoria & Albert Museum apresenta até 12 de março, consta, por exemplo, um modelo da década de 1890 lado a lado com raios X e ilustrações revelando o seu “dramático impacto no corpo”.

O soutien moderno seria inventado e patenteado em 1914 pela americana Mary Phelps Jacob e a partir daí já se sabe o que aconteceu: passou a ser usado por mulheres de todo o mundo, servindo para aconchegar os seios, evidenciá-los, disfarçá-los, subi-los… moldá-los de acordo com os padrões de beleza de cada época.

Em 2010, a Primark lançou inclusivamente modelos destinados a meninas a partir dos sete anos. Acusada de contribuir para a sexualização das crianças, acabaria por retirar o produto do mercado e doar os lucros obtidos a instituições de caridade. No entanto, outras empresas continuam a produzi-los e é muito fácil encontrar “soutiens” infantis à venda, por exemplo em lojas virtuais como a Amazon.

A indústria tenta aumentar as suas vendas à custa das consumidoras de palmo e meio, não satisfeita com um mercado que começa na adolescência e se estende por toda vida das mulheres sem que, todavia, a sua necessidade esteja devidamente comprovada.