Princesa Diana: “Um fascínio irresistível e eletrizante”

Professora de História Social da Moda em várias instituições, Maria João Martins, 49 anos, relata ao Delas.pt a importância social e de estilo deixada por Diana de Gales.

No mês em que se assinalam os 20 anos da morte daquela que ficou para sempre eternizada como a Princesa do Povo, a jornalista e escritora recorda momentos e episódios únicos de uma das mais emblemáticas personalidades do século XX.

A princesa Diana morreu aos 36 anos num acidente de viação em Paris, a 31 de agosto de 1997.

Leia o ensaio:

“Numa manhã gelada do inverno de 2010, a autora deste artigo foi ao palácio de Kensington, em Londres, onde era apresentada uma exposição sobre os seus reais habitantes nos últimos dois séculos.

Tinham passado 13 anos desde a morte de Diana de Gales, mas qualquer vestígio da sua presença continuava a ser frenética e quase macabramente perseguido pelos visitantes. Este tipo de fascínio, irresistível e eletrizante como uma tempestade magnética, nasceu na própria manhã de 29 de julho de 1981, quando Diana Frances Spencer se tornou Princesa de Gales por graça do seu casamento com o herdeiro da Coroa britânica, Carlos, de 33 anos.

Pelo braço do pai, a lourinha, de 20 anos, com o vestido de noiva que viria a ser o mais copiado e imitado da História de tão rentável setor, fez crer ao mundo que as princesas dos filmes de Walt Disney podem, em ocasiões raras, sob condições muito especiais, adquirir espessura humana. Dezassete anos depois, esta Branca de Neve de Althorp derreteu, mas o fascínio aumentou ainda mais, dando lugar à lenda.

Na galeria acima recorde as polémicas que envolvem Diana de Gales, no vigésimo aniversário da sua morte. Uma evocação que tem lugar a 31 de agosto.

Aos primeiros sinais de desproporcionada atenção mediática (logo que o noivado foi anunciado ao mundo), Diana não fugiu, pôs-se em pose e procurou aconselhamento na escolha do guarda-roupa para a nova situação. Acompanhada pela mãe, fez o que os Windsor esperavam dela – procurou a integração e entrou no salão de moda de Belville Sassoon, um local discreto, mas muito upper class, à saída de King’s Road, em Chelsea. Já à época, Sassoon era muito provavelmente o homem que vestira mais princesas e titulares em toda a História da Grã-Bretanha contemporânea.

Maria João Martins [Fotografia: Facebook]

A lista de criadores eleitos por Diana incluía ainda Alistair Blair, Jasper Conran, Donald Campbell, Victor Edelstein, mas foi a francesa de nascimento, radicada em Londres, Catherine Walker (1945-2010) quem mais trabalhou para a Princesa, ao longo dos seus intensíssimos 17 anos de vida pública, com todas as mudanças de rumo que esta conheceu.

 

Em Washington, num jantar na Casa Branca oferecido pelo casal Reagan, Diana, vestida de preto, dançou com John Travolta. Em desportivo chique, entregava taças e troféus a galantes jogadores de pólo.

Usava vestidos vaporosos para assistir a espetáculos de dança (que amará durante toda a vida) e optou pelo look Dinastia. Inspirada pela famosa série da TV norte-americana dos anos 80, usava então vestidos muito estruturados, ombros largos e cabelo muito armado à Alexis Carrington (a poderosa vilã interpretada por Joan Collins) em cerimónias de Estado.


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Era a época áurea do “dress to sucess” dos yuppies, adotado por outras grandes figuras da cena internacional como Nancy Reagan ou Margaret Thatcher. Silhueta um pouco agressiva: saia justa, casaco de ombros largos. Foi a época do blazer quase masculino, com a feminilidade afirmada pelo cabelo tão estruturado como os ombros de casacos e vestidos, maquilhagem e pernas valorizadas por saias justas. Marcas como a Calvin Klein e Ralph Lauren em Nova Iorque, Giorgio Armani e Hugo Boss, na Europa, trabalhavam este mercado yuppie.

Diana: a moda como diplomacia

As opções de Diana neste período não se esgotavam, porém, na “farda” de chic go-getter. Nas funções que exercia, a Princesa era chamada a exercer aquilo a que Jackie Onassis chamou a diplomacia do guarda-roupa.

Na visita à mesquita Al-Azhar do Cairo, a Princesa Diana usou um vestido verde-pálido e branco de Catherine Walker, fechado até ao pescoço, com manga a três quartos e saia pelo meio da perna. Além disso, já ia preparada com uma écharpe de chiffon que usou na cabeça, ao jeito de Grace Kelly.

Na viagem ao Japão, e em homenagem à moda local, a Princesa vestiu uma criação de Yuki, um estilista nipónico radicado em Londres. Ao ser-lhe oferecido um kimono, a Princesa não se limitou a aceitá-lo, vestiu-o imediatamente, naquele jeito espontâneo que fez dela “a Princesa do Povo”.

Divórcio: o regresso à simplicidade

O divórcio viria a alterar profundamente esse estado de coisas. Na sua nova situação, Diana limitou o número de obras e instituições que apoiava, de forma a poder dedicar-lhes mais tempo e atenção efetiva. Consequentemente, o guarda-roupa passou a incluir menos vestidos de noite e de cocktail, e mais calças de ganga ou caqui e camisas de algodão.

Menos de um ano depois de proclamado o divórcio, a 26 de junho de 1997, a venda de 79 vestidos da coleção da Princesa rendeu cerca de dois milhões de libras a somar ao milhão e meio obtido com as vendas de catálogo, na Christie’s.

Para Diana, o ato espetacular e muito mediático assumia também um simbolismo pessoal. Era uma purga que ela partilhava dramaticamente com o seu público.

Passara a odiar todos os froufrous e relíquias usados como Esposa Windsor e “Dynasty Di”. Nunca tal acontecera entre os membros da família real: a Rainha, como a mãe e a irmã, entregavam as roupas que já não queriam a uma loja do West End para que as vendesse. Mas com uma discrição digna de segredo de Estado.

Tal como Diana esperava, neste caso, o resultado foi espetacular: só o vestido preto com que dançou, na Casa Branca, rendeu 222.500 dólares (quase 190 mil euros) pagos por um licitador anónimo da Califórnia. Há quem diga que foi o próprio Travolta, saudoso dessa noite de irrepetível glória.

Separada e com guarda-roupa mais ousado

Para o seu novo “eu”, Diana adotou um novo guarda-roupa, mais moderno e ousado, com que queria expressar a sua nova condição de mulher sem amarras, comprometida com o mundo.

Os seus novos vestidos de noite eram minimalistas e sexy, o que até aí lhe estava completamente vedado pela casa real. “Ela sabia que tinha boas pernas, e depois do divórcio queria mostrá-las”, afirmou o designer Jacques Azagury. Fê-lo por várias vezes, nomeadamente com vestidos de cocktail desenhados pelo italiano Gianni Versace (1946-1997), um dos criadores mais celebrados dos loucos anos 80.

Por Diana, Versace fez o que já fizera por outras clientes: conferiu-lhe sex appeal e um estilo vincadamente moderno. Ele próprio evoluíra de um estilo muito berrante na década anterior, de que resultara aquilo a que, maldosamente, muitos chamaram o “hooker chic look”, e ela deixara para trás a fase da jovem princesa de conto de fadas para se mostrar uma mulher ocupada, segura e senhora da sua vida.

Nos seus últimos anos, a Princesa escolheu muitas vezes Versace para ocasiões publicas: em setembro de 1995 assistira a um concerto de Pavarotti com um fabuloso vestido de crepe de seda branca profundamente decotado, com fivelas de pedrarias nas alças. Na semana anterior ao recital, Diana comparecera na estreia de um filme com um vestido semelhante em preto. Sem chegar ao exagero minimalista de um vestido usado pela atriz e modelo Elizabeth Hurley – um pedaço de tecido precariamente seguro com alfinetes de dama – os vestidos de noite de Gianni Versace, bem como os de cocktail ou os tailleurs, tinham o condão de exaltar a excelente figura de Diana.

Alvo preferencial e a “menina bonita” da imprensa

De presa fácil dos tablóides, Diana passara a “menina bonita” de revistas de moda como a Vogue ou a Harper’s Bazaar, lado a lado com outras divas do setor como Cindy Crawford ou Naomi Campbell.

Capa da revista ‘Vanity Fair’, de 1997 [Fotografia: DR]

Para assinalar, de algum modo, o primeiro aniversário deste divórcio redentor, a edição norte-americana da revista Vanity Fair pediu à estrela de fotografia, Mario Testino, que fizesse uma grande produção com esta nova Diana: uma mulher moderna, vivida, enérgica e fascinante, como a definiu Meredith Etherington-Smith, à época editora de moda da revista.

O resultado, brilhante, foi visto na edição de julho de 1997 da Vanity Fair. Foi “the last sitting” de Diana. As semelhanças com a última sessão de fotografias de Marilyn (assim designada pelo fotógrafo Bert Stern), também morta aos 36 anos, pouco depois dessas fotografias, são, no mínimo, arrepiantes.

Fotografia de destaque: Reuters