#Prostituição: O socialista João Torres quer dar dignidade aos trabalhadores do sexo

joao torres

Em junho de 2016, a Juventude Socialista (JS) levou ao XXI Congresso Nacional do Partido Socialista um tema que ainda é fraturante, em Portugal, e que põe a nu divisões entre organizações sociais e organizações feministas: a regulamentação da prostituição. Ocasionalmente alvo de debate alargado na sociedade, mas sem grandes resultados práticos, o assunto acaba, com o tempo, por ser arredado dos holofotes mediáticos. Mas a JS não quis que a discussão fosse enterrada e incluiu-a novamente na agenda, arriscando pôr a votação, no partido, um tema que também não é consensual entre os socialistas, através da apresentação de uma moção pela mudança do enquadramento legal da prostituição.

“Sempre foi pertinente avançar com a regulamentação. A Juventude Socialista tem defendido esta causa desde há muitos anos e aprofundou essa posição durante os quatro anos em que tive a oportunidade de liderar a estrutura”, explicava ao Delas.pt João Torres, primeiro subscritor da moção e secretário-geral da JS na altura.

“Uma questão de dignidade” é como se intitula o documento apresentado e são cinco os princípios gerais em que se fundamenta para justificar a afirmação. Da liberdade individual de quem se prostitui e do reconhecimento do trabalho sexual à prevenção da criminalidade, como o tráfico de pessoas para exploração sexual, e à proteção social dos que exercem a atividade, passando pela saúde pública, os argumentos parecem ter tanto de lógico como de refutável, conforme as organizações que comentam esta proposta de alteração.

O deputado socialista defende o caminho que propôs com uma certeza: “as mulheres e os homens que se dedicam à prostituição não podem estar numa zona cinzenta ou marginal do nosso ordenamento jurídico, é fundamental reconhecer e enquadrar esta atividade”.


“Qualquer modelo de regulamentação deve, em todo o caso, respeitar três conjuntos de princípios fundamentais: a defesa da liberdade individual; a proteção social e jurídica de quem se prostitui; e, ainda, a promoção de uma estratégia de educação sexual e saúde pública, assim como o combate eficaz a todos os crimes tantas vezes associados à prostituição.”


João Torres justifica que o propósito da moção foi “colocar a temática da prostituição no mapa das discussões que temos de promover enquanto sociedade. Esse era o grande objetivo que nos propúnhamos atingir e alcançámo-lo com sucesso”. A moção da JS foi aprovada na Comissão Nacional do PS em março deste ano, por maioria, com os votos contra da liderança do partido – António Costa, Carlos César e Ana Catarina Mendes.

Apesar das divisões que este assunto suscita nos próprios socialistas, o deputado descarta a possibilidade de isso vir a refrear a discussão. “A aprovação da moção setorial foi um contributo decisivo para o debate”, que se tem multiplicado “em todo o país”, regista, acrescentando “que a sociedade está cada vez mais esclarecida no sentido da regulamentação”.

“É fácil compreender que, atualmente, estamos a ‘tapar o sol com a peneira’. O debate não está, por isso, estagnado”. Mais difícil é elaborar uma proposta de modelo de regulamentação, sobretudo quando são apontados erros e contradições aos países que adotaram este tipo de enquadramento legal para a prostituição.

A moção que a JS levou ao Congresso ainda não aponta nenhum modelo específico e para João Torres ainda será preciso esperar algum tempo até se conseguir produzir uma proposta, até porque, defende “legislar precipitadamente é o pior contributo” que se poderia dar para um modelo cujo objetivo é regulamentar.

“É esse o debate que temos de promover agora. Há estatísticas muito diversas, consoante analisemos os modelos da Holanda, da Alemanha ou da Nova Zelândia, por exemplo, que é apontado como um dos mais bem-sucedidos. Qualquer modelo de regulamentação deve, em todo o caso, respeitar três conjuntos de princípios fundamentais: a defesa da liberdade individual; a proteção social e jurídica de quem se prostitui; e, ainda, a promoção de uma estratégia de educação sexual e saúde pública, assim como o combate eficaz a todos os crimes tantas vezes associados à prostituição.”

Além de considerar que a perspetiva abolicionista do atual ordenamento jurídico português coloca numa zona de indefinição quem se prostitui, João Torres acusa-a de se basear “num preconceito sobre liberdade individual e muito distante da necessidade de conferir direitos sociais e melhores condições de vida às mulheres e aos homens que se dedicam a esta atividade”.

Para elaborar a moção, o socialista ouviu diferentes associações que trabalham com esta população, como a Associação Positivo, que promove o projecto «Red Light», a Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES) e a Associação Existências. O contacto foi sobretudo feito com os técnicos das equipas multidisciplinares que intervêm no terreno e não diretamente com os designados trabalhadores do sexo. “Tivemos também a oportunidade de interagir diretamente com um trabalhador do sexo, apesar de esse não ter sido o nosso propósito fundamental”, afirma João Torres.