#Prostituição: Suécia e Holanda, duas referências distintas para a mesma realidade

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Karin Werkman e Kajsa Ekis Ekman estiveram, em outubro passado, em Lisboa para participar numa conferência sobre a prostituição, organizada pelos eurodeputados do PCP. São ativistas pela abolição da prostituição, mas provêm de países com modelos jurídicos opostos nesta matéria.

Karin Werkman é da Holanda, o primeiro país europeu a legalizar a prostituição, numa fase inicial em 1988 – com o reconhecimento da prostituição como profissão legal – e de forma mais efetiva em 2000 – com a criação de legislação e controlo municipais a estenderem-se à organização do negócio. Os bordeis passaram então a ser legais e a pagar impostos e as prostitutas também.

Kajsa Ekis Ekman, jornalista, investigadora e escritora, é sueca. O seu país foi pioneiro a aplicar o regime abolicionista com criminalização do cliente, em 1999. Na Suécia, o modelo que enquadra a prostituição não pune quem se prostitui, mas criminaliza quem explora e quem compra serviços sexuais. É o que colhe o apoio do Parlamento Europeu.

Enquanto Kajsa Ekis Ekman defende totalmente o enquadramento sueco, Karin Werkman não poupa críticas ao holandês, começando por alguns aspetos apontados como vantagens pelos defensores da regulamentação da atividade.

Um deles é a possibilidade de as prostitutas, ao serem reconhecidas como trabalhadores normais, beneficiarem dos mesmos direitos e deveres sociais e fiscais que qualquer outro profissional.

Segundo a ativista, na Holanda, os vínculos laborais entre quem se prostitui e quem intermedeia a atividade são inexistentes e é difícil perceber exatamente quantas pessoas exercem a atividade.

“Há disputas legais sobre se é inclusivamente legal as prostitutas registarem-se como tal”, começa por referir. “Não sabemos quantas estão registadas, mas em termos de Segurança Social as mulheres que se prostituem não têm contratos de trabalho. Não encontrei uma única que o tivesse, todas elas estão registadas como trabalhadoras independentes, o que significa que são elas que pagam todos os impostos”, explica ao Delas.pt Karin Werkman.

Na prática, refere a investigadora, os donos dos bordéis pagam taxas imobiliárias ou semelhantes, mas não são oficialmente os empregadores das prostitutas, com os deveres laborais associados. “É apenas alguém que lhes aluga o quarto”.

Karin Werkman afirma que o modelo fiscal holandês para quem se prostitui prevê que as prostitutas declarem quanto ganharam no último mês e paguem os impostos como se fossem trabalhadoras independentes ou empresárias em nome individual, mesmo que exerçam atividade num bordel. Todos os descontos para a Segurança Social, pagamentos de seguros, incluindo o de saúde, ficam a seu cargo. Não têm direito a subsídios de desemprego ou baixa médica.

Apesar de a prostituição estar regulamentada, é também difícil dizer ao certo quantas prostitutas existem na Holanda, “há apenas estimativas”.

“O estudo mais recente, feito pelo Ministério da Justiça, em 2014, concluiu que existiam 840 bordeis legais no país. Mas esse não é o número de pessoas que se prostituem e refere-se apenas a um setor da prostituição, o legal”.

A ativista recorda que em 1999, antes de a lei ser introduzida, foi feito um estudo de base “e nessa altura estimaram que havia 20 mil pessoas na prostituição. Se se olhar para as estimativas atuais costumam ser 25 mil as pessoas ativas na indústria, e não é um número nem dos que são pró nem dos que são contra a regulamentação.”

Sobre os casos de pessoas em situação de prostituição forçada, a estatística oficial mais recente, da Nationaal Rapporteur – figura que reporta ao governo holandês a evolução do que é feito no âmbito do combate ao tráfico humano – é de 18 de outubro deste ano, e aponta para que anualmente 6000 pessoas sejam vítimas de tráfico humano na Holanda. Mas Karin Werkman acredita que esse número sub-representa a realidade. “Se se ouvir, por exemplo, a Polícia Nacional, ela refere 4000 pessoas só em Amesterdão”. Dizer com certeza quantas pessoas são exploradas para fins sexuais ou forçadas a prostituir-se no país é, por isso, “impossível”, afirma a ativista, acrescentando que de fora ficam sempre os casos que provém da atividade ilegal e criminosa que atua no setor.

Karin Werkman contesta aqueles que afirmam que nos bordeis legais há mais fiscalização e que, por isso, é mais fácil apurar casos de prostituição forçada, sustentando que se aqueles que lá estão contra a sua vontade, estão de alguma forma “prisioneiros”. “E se se está prisioneiro, não se pode dizer abertamente que se está prisioneiro”

Na Holanda, a idade mínima para uma pessoa se poder prostituir legalmente passou dos 18 para os 21 anos e os clientes podem ser penalizados se forem apanhados com menores. A ativista aponta que algumas mudanças a nível parlamentar podem ocorrer em breve no sentido de reintroduzir uma lei para controlar o proxenetismo. Um caso de tráfico humano num bordel legal, que foi levado a tribunal entre 2007 e 2008, esteve na origem de uma discussão acesa na sociedade holandesa e foi uma das principais razões para essa proposta de lei.

Desde essa altura tem também havido uma atenção moderada em relação à possibilidade de criminalizar o cliente, que ganhou força com um caso passado em 2016, quando uma jovem foi encontrada num hotel com o seu proxeneta. “Ela tinha desaparecido de casa e os pais andavam à procura dela e não a conseguiam encontrar. Concluiu-se que ela tinha sido traficada e levada para a prostituição. A polícia encontrou uma bacia cheia de preservativos, levou para o laboratório e encontrou vestígios de diferentes ADN”, conta.

Segundo o relatório da Nationaal Rapporteu, das 6000 pessoas traficadas anualmente na Holanda, as raparigas holandesas formam o maior grupo, correspondendo a 1320 casos.

O escândalo da jovem encontrada no hotel levou a que um artigo antigo do Código Penal, que “não era usado há 15 anos” e que prevê a prisão de clientes que recorram a prostitutas menores de idade fosse aplicado.

“Pela primeira vez a Holanda condenou clientes da prostituição”, frisa Karin, que recorda que foram acusados 80 homens, só no âmbito do caso daquela menor. “No final, penso que pelo menos 20 foram condenados, mas isso causou muito debate na opinião pública sobre se há responsabilidade da parte do homem que compra serviços de prostituição e que responsabilidade é essa”.

Para a sueca Kajsa Ekis Ekman essa é uma questão que nem sequer se põe. Fervorosa apoiante do modelo abolicionista do seu país, a investigadora sublinha as mudanças que houve na mentalidade dos suecos em relação ao sexo e à forma como o corpo da mulher é visto.

Por outro lado, rejeita as criticas dos que acusam a Suécia de não ter estudos sólidos que permitam comparar o antes e depois da aplicação da criminalização na redução da prostituição.

“Não há falta de estudos, temos um inquérito oficial do governo que saiu dez anos depois de a lei entrar em vigor que mostra que a prostituição diminuiu substancialmente. Se for à Suécia, e depois for à Alemanha, constata isso nas ruas.”

E por constatar nas ruas, entende-se não o facto de haver mulheres a prostituírem-se fora de portas, mas por zonas onde se concentram vários tipos de estabelecimentos associados à prostituição: bordeis, clubes de striptease ou clubes de sexo, como exemplifica ao Delas.pt a ativista.

“Na Suécia, não encontra isso em lado nenhum”, remata, negando que a atividade continue a desenvolver-se mas agora de forma invisível. “Não, não é assim, porque se a indústria [do sexo] não se consegue mostrar em lado nenhum, vai ter dificuldades. Se se quer que as pessoas comprem algo, tem de se fazer publicidade a isso. Se esta não existir em lado nenhum, é claro que vai diminuir.”

O mesmo se aplica aos clientes, que ao não encontrarem a prostituição na rua ou em bordeis, vão procurar noutro lado. “Talvez encontrem, mas como se ela não aparece publicitada em lado nenhum? E se estiver, a polícia também vai encontrar esse anúncio e vai lá ter”, defende.

Já sobre o argumento de que a criminalização do cliente faz com quem esteja disposto a pagar por sexo sejam pessoas, à partida mais dispostas a transgredir e, por isso, possivelmente mais violentas, Kajsa Ekis Ekman desafia os que o afirmam a comprovarem-no. “Não há nenhum estudo que mostre isso. Eu conheço todos os estudos que foram feitos na Suécia, nenhum mostra isso. Isso são rumores de internet. Gostava que quem diz isso me apresentasse um estudo que o evidenciasse.”

Segundo a ativista e investigadora, desde 1986 que nenhuma prostituta é morta na Suécia, enquanto na Holanda, todos os anos há prostitutas assassinadas.

Kajsa Ekis Ekman admite que mesmo antes da lei da criminalização do cliente ser aplicada não havia uma grande industria do sexo na Suécia, como havia na Alemanha ou na Dinamarca, “onde havia grandes bordeis.” Por isso, a mentalidade em relação ao enquadramento da prostituição começou a mudar na Suécia, ainda antes de 1999.

“Antes disso, houve um grande movimento de mulheres, a criação de um bom Estado social. Ou seja, a lei não surgiu a partir do nada, foi uma mudança que foi acontecendo ao longo de gerações”.

Mesmo depois da entrada da lei, os resultados não foram imediatos. O primeiro obstáculo veio das forças de segurança.

“A polícia no início não estava preparada para fazer isto, pensava que era algo do foro privado e não tão sério como realmente é. Agora temos a polícia formada e instruída sobre o que é a prostituição e acho que tem corrido muito bem”. O que em números significa 1006 clientes detidos por tentarem pagar para ter sexo. O objetivo com essa punição, que passa muitas vezes pela aplicação de uma multa e o registo do potencial cliente, é diminuir a procura da prostituição e com isso ir mudando a mentalidade das pessoas sobre essa realidade, sobre as mulheres que se prostituem. “Queremos uma sociedade em que os homens não olhem para as mulheres e pensem que as podem comprar e levar.”

Por todas estas razões é-lhe difícil enquadrar os argumentos de quem defende a regulamentação da prostituição como feministas.

“O feminismo consiste em fazer avançar os direitos das mulheres, é sobre conseguir que as mulheres ocupem posições mais elevadas na sociedade”, começa por dizer. E por isso, no final, deixa a questão: “Como é que a prostituição faz isso? Se a prostituição é liberdade, é autonomia, é empoderamento porque é que não são as pessoas empoderadas a exercê-la? Por que é que são as mulheres mais pobres, as que têm menos escolhas a prostituir-se?”