Uma equipa internacional de cientistas liderada pelo português Cláudio Gomes descobriu que uma proteína abundante no cérebro atrasa a formação de depósitos tóxicos de uma outra proteína que estão associados à doença de Alzheimer.
A descoberta, publicada esta segunda-feira, 1 de novembro, na revista científica Nature Communications, revela que a proteína ‘S100B’ atua sobre a proteína ‘tau’, “cuja deposição tóxica no cérebro está associada a várias demências e à fase de agravamento da doença de Alzheimer”, refere em comunicado a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), onde leciona Cláudio Gomes, coordenador do trabalho feito com culturas de células de bactérias que foram modificadas geneticamente para expressar ambas as proteínas humanas produzidas em laboratório.
“Investigámos a formação de agregados da proteína ‘tau’ ao longo do tempo e observámos que a mesma é atrasada na presença da proteína ‘S100B'”, acrescenta na mesma nota o primeiro autor do estudo, Guilherme Moreira, estudante de doutoramento em Bioquímica na FCUL, sob orientação de Cláudio Gomes.
Para os autores do estudo, a descoberta tem implicações na doença de Alzheimer, uma vez que “o aparecimento de sintomas cognitivos e demência estão associados aos danos causados pelos agregados da proteína ‘tau’ e à disseminação da patologia para múltiplas regiões do cérebro”.
“Este estudo desvenda um novo mecanismo biológico de proteção, relevante nas fases iniciais da doença, que se torna ineficiente ao longo do tempo com o crescente acumular de agregados tóxicos no cérebro”, assinala Cláudio Gomes.
À Lusa, o investigador do Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas da FCUL adiantou que “a hipótese” em que a sua equipa tem “vindo a trabalhar” é de que a proteína ‘S100B’ terá funções protetoras contra a agregação de proteínas na fase que antecede o aparecimento de sintomas da doença, mas na qual “ocorrem já alterações nas células” cerebrais (neurónios) e “acumulação de depósitos” de proteínas “como parte da resposta inflamatória precoce”.
A função protetora da ‘S100B’ será inativada “na fase sintomática, tardia” da doença, quando aumenta a acumulação tóxica de proteínas, passando a função da ‘S100B’ como “mediador pró-inflamatório” a ser preponderante.
“A ‘S100B’ é uma proteína multifuncional, que se sabe desempenhar funções protetoras e agravantes, sobretudo na resposta neuroinflamatória”, sublinhou Cláudio Gomes.
Os autores do trabalho esperam que a compreensão do funcionamento, e do efeito protetor, de proteínas como a ‘S100B’ possa servir de base ao desenvolvimento de medicamentos com “potencial terapêutico”, que atuem de forma semelhante.
A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência que causa danos progressivos e irreversíveis em diversas funções cognitivas, como memória, atenção, concentração, linguagem e pensamento.
Segundo Cláudio Gomes, nesta doença há “alterações bioquímicas” que “promovem a libertação da proteína ‘tau’ nos microtúbulos, estruturas que mantêm a arquitetura dos neurónios”, desencadeando a sua agregação.
“Estes depósitos de proteína ‘tau’ são tóxicos e matam os neurónios, sendo também libertados para o exterior das células, disseminando a patologia às células vizinhas”, frisou o investigador, citado no comunicado da FCUL.
Na investigação estiveram ainda envolvidos cientistas do I3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, da Universidade de Lille, em França, da Universidade de Hohenheim, na Alemanha, e da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
Numa etapa futura, a equipa irá estudar os efeitos da proteína ‘S100B’ em cérebros de modelos animais da doença de Alzheimer, em diferentes fases patológicas, e de outras patologias neurodegenerativas.