O antigo deputado social-democrata António Pinheiro Torres considerou, num discurso pouco aplaudido no congresso do PSD, que está a decorrer em Braga, neste sábado, 19 de outubro, que a legalização do aborto criou em Portugal um problema de saúde pública e constitui um obstáculo à constituição de famílias, num discurso que fez em nome da “justiça social”.
Militante antiaborto e contra a eutanásia, Pinheiro Torres, que foi deputado sob a liderança de Durão Barroso, atacou as propostas “fraturantes” da esquerda e disse que as mulheres “são vítimas da maior violência que consiste em pôr fim à sua gravidez por imposição de terceiros, por desespero por falta de alternativas, ou por pressão de um atmosfera cultural que as procura enganar”. Disse, depois, que números da Direção-Geral de Saúde entre julho de 2007 e dezembro de 2022 houve 256 mil abortos em Portugal, “46 por dia e dois por hora”.
Vinque-se que, durante a campanha eleitoral, em fevereiro, o então candidato Luís Montenegro garantia que não iria haver retrocessos nessa matéria. Tudo começou, então, num debate promovido pela Federação Portuguesa pela Vida, no qual o vice-presidente do CDS-PP Paulo Núncio – e quarto na lista eleitoral da coligação -, ter defendido a realização de um novo referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). “Devemos ter a capacidade de tomar iniciativas no sentido de limitar o acesso ao aborto e logo que seja possível procurar convocar um novo referendo no sentido de inverter esta lei que é uma lei profundamente iníqua”, afirmou o candidato do CDS-PP pela AD às legislativas.
Interrogado se a posição assumida por Paulo Núncio podia prejudicar a campanha da AD, Luís Montenegro defendeu que não, mas admitiu que “cria aqui um pequeno momento polémico” e que “era melhor que não houvesse nenhum ruído” na transmissão da mensagem da coligação PSD/CDS-PP/PPM. “Esse é um assunto que está absolutamente arrumado. Nós não vamos ter nenhuma intervenção nesse domínio na próxima legislatura”, declarou o então candidato.
Da juíza anti-aborto ao congresso
Para um prometido não tema – que nem sequer consta do programa do governo, como a Delas.pt analisou e revelou -, o PSD parece empenado em trazer a Interrupção Voluntária da Gravidez para a praça pública e no sentido de procurar restringi-lo. Na mesma semana que acaba com o antigo deputado do PSD a falar do direito ao aborto como criado de um “problema de saúde pública”, o partido social-democrata propôs a nomeação de uma juíza anti-aborto ao Tribunal Constitucional (TC). A magistrada Maria João Vaz Tomé não foi eleita, tendo ficado longe dos dois terços de votos necessários para ser eleita, obtendo 74 votos a favor, 86 brancos e 42 nulos.
A então candidata ao TC, ouvida na quinta-feira, 17 de outubro, na Assembleia da República, referiu-se a um eventual alargamento os prazos da IVG como, tal como na questão da eutanásia, se está perante um tema que continua a não ser pacífico na sociedade portuguesa. “Na minha perspetiva, há um conflito entre a vida intrauterina e o direito da mulher, desde logo, a dispor do seu corpo. Portanto, reconheço a vida intrauterina e acho que há um conflito com essa vida. Acredito que se for para a frente essa extensão do período em que se não seja punida a interrupção voluntária da gravidez, isto regresse ao TC“, declarou. Recorde-se que o PS quer regulamentar a objeção de consciência e alargar o prazo para a IVG a pedido da mulher para as 12 semanas e o Bloco de Esquerda para as 14 semanas.