Grande parte da sociedade, ao longo da vida, desenvolve um quadro clínico psiquiátrico. Quem o diz é Pedro Carvalho, psiquiatra e psicoterapeuta no Hospital dos Lusíadas. Se o preconceito que jaz sobre os frequentam um psicólogo, considerando-os “malucos”, já existe, quando se fala de psiquiatria tal torna-se ainda mais forte. Afinal, “esta área médica está ligada aquilo que se vê muitas vezes nos filmes: os hospícios“, alega o médico.
Mas, na realidade, a psiquiatria é “a arte de curar”, tal como explica o especialista, acrescentando que esta “é uma das especialidades da medicina e é responsável pelo diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais”.
Como funcionam as consultas de psiquiatria
Por ser uma das especialidades de Medicina, a primeira consulta com um psiquiatra tem vários aspetos em comum com outras consultas médicas, sendo que o primeiro passo é recolher o histórico clínico do paciente.
Durante este processo, são analisados, entre outros aspetos, os relacionamentos pessoais e familiares, o ambiente de trabalho e as atividades do paciente.
Depois de diagnosticado o problema do paciente, a psiquiatria pode recorrer a dois tipos de tratamento: o psicoterapêutico ou o farmacológico.
Neste último, apenas os psiquiatras o podem fazer e é mais eficaz do que a psicoterapia, a curto prazo, de acordo com o psiquiatra. “Nós somos química, quer queiramos quer não e, portanto, isso tem implicações no tratamento. Cada vez mais vamos descobrir que temos um conjunto de patologias que nós, quimicamente, conseguimos resolver”, explicou o médico ao Delas.pt.
Pedro Carvalho conta que “a maior parte dos pacientes, quando chegam ao consultório, já vêm numa situação que tem de ser resolvida a curto-médio prazo. Portanto, a determinada altura, o fármaco é muito benéfico para o paciente”.
Mas, por vezes, a medicação não chega e é aí que a área da psicologia ganha terreno e é bem-vinda. Apesar de existirem psiquiatras que são psicoterapeutas, essa área está mais ligada à psicologia. Contudo, é necessária uma formação especifica de ambas as profissões para realizarem este tipo de tratamento.
Como funciona a psicoterapia
Segundo o que Catarina Portela, psicóloga clínica e psicoterapeuta na Clínica da Mente, disse ao Delas.pt, a psicoterapia “é um processo mais longo e dispendioso do que a consulta de psiquiatria porque, inicialmente, a pessoa tem de fazer o tratamento numa base mais intensiva, numa frequência semanal. Depois, passa a quinzenal ou mensal, que corresponde a uma fase de desmame da psicoterapia”.
Na consulta de psicologia, o objetivo principal é “ajudar a pessoa a recuperar o seu bem-estar e a recuperar dos seus desequilíbrios emocionais, e isto consegue fazer-se acedendo aos padrões de comportamento e de pensamento”, revela a especialista.
Apesar de o uso de fármacos estar apenas limitado aos psiquiatras, a psicóloga sublinha, recorrendo à metáfora, que estes “podem ser importantes para ajudar a pessoa a sair um bocadinho da zona de fronteira para respirar”.
O estigma
Apesar de ser algo mais aceite pela sociedade, o facto de alguém sentir a necessidade de consultar um psicólogo é – à semelhança da psiquiatria – algo que resiste como não sendo normal.
Catarina Portela concorda com o psiquiatra no que diz respeito a que o preconceito vem muitas vezes dos filmes que vemos, mas acrescenta que “o estigma da doença mental vem do desconhecido”. “É um assunto muito complexo e de muita importância na nossa sociedade porque estamos a falar de atitudes discriminatórias e podem ser muito danosas”.
Para o combater, a especialista afirma que é preciso informar as pessoas sobre o que é realmente a saúde mental: “Enquanto psicóloga, tenho dificuldade em dizer o que é uma pessoa ‘maluca’ porque todos os nossos comportamentos e pensamentos têm sempre uma raiz e, maior parte das vezes, tem a ver com a nossa mente inconsciente e, portanto, por estranho que pareça, a nossa mente quer sempre proteger-nos e não prejudicar-nos“.
Pedro Carvalho concorda e acrescenta que “as doenças mentais são como as outras doenças. A ansiedade e a depressão são quadros clínicos como os outros, e, muitas vezes, acontece ter de se tomar comprimidos para a vida toda, tal como a diabetes, por exemplo”.
Doenças mentais em altura de pandemia
Numa altura que o contacto físico deve ser evitado e se vive perante o desconhecido da pandemia provocada pelo novo Coronavírus, Catarina Portela diz que esta “veio reforçar a ideia de falar abertamente sobre saúde mental e o Serviço Nacional de Saúde deverá estar atento e sensibilizar para estas questões”.
No entanto, o psiquiatra acredita que “o processo depressivo” virá depois da pandemia, “quando andarmos mais descansados”. “Enquanto andamos na luta, é a adrenalina que está a funcionar”, mas “a prevenção é sempre a palavra-chave”, tal como afirma a psicóloga.
Por esta razão, é importante que a família e amigos de uma pessoa com um quadro clínico depressivo estejam atentos às mudanças de rotina repentinas que possam existir.
“A família pode pensar no círculo de amizades do familiar. Alguém que seja suficientemente próximo, mas também suficientemente afastado que possa ter um papel mais neutro porque, às vezes, são essas pessoas que podem ajudar“, conclui Catarina Portela.