Punir médicos por IVG de utentes? “Não está em causa a opção da mulher”, diz ministra

AudiÁ„o da ministra da Sa˙de Marta Temido
A ministra da Saúde, Marta Temido [Fotografia: JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA]

Marta Temido, ministra da Saúde, falava no parlamento, na discussão da proposta de Orçamento do Estado para 2022, esta terça-feira, 10 de maio, onde foi questionada pelos diversos partidos sobre a proposta técnica de novos critérios de avaliação de profissionais de saúde das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B.

Segundo noticiou hoje o jornal Publico, estes critérios de avaliação, nas chamadas atividades específicas, preveem que as equipas possam receber, de acordo com o cumprimento de metas, um valor adicional ao ordenado base, o que faz com que os médicos de família possam ser penalizados se tiverem utentes que acabam por interromper voluntariamente a gravidez.

“Estamos a falar de que o desempenho dos profissionais de saúde seja aferido pela melhor saúde dos utentes (…) e de avaliar o recurso a uma IVG como um ato indesejado, sob o ponto de vista do impacto que tem na saúde da mulher”, afirmou a ministra, acrescentando que “não está obviamente em causa a opção da mulher”.

“Quero reforçar a inexistência de qualquer juízo relativamente à IVG ou qualquer outro tema relacionado com escolhas pessoais”, insistiu Marta Temido.

A deputada do Bloco de Esquerda Catarina Martins questionou Marta Temido sobre estes critérios de avaliação, considerando que trazer a interrupção voluntária da gravidez para esta avaliação não é um mero indicador de saúde. “Quem o vê assim está a fazer mais o policiamento do corpo das mulheres”, considerou a deputada.

Na resposta, a ministra explicou que o grupo técnico recomendou que o tema do critério da realização IVG “fosse considerado como falha do acompanhamento em planeamento familiar realizado pelos profissionais de saúde. Todos entendem que a IVG para as mulheres que a fizeram é profundamente penalizadora para a saúde física e mental”. “Podemos discordar, ou concordar. (…), mas não considerar que isto é hipócrita”, acrescentou.

Propostas técnicas “são patriarcais”, diz BE

Marta Temido explicou que há seis áreas de atividades especificas que influenciam a avaliação dos profissionais das USF modelo B, entre elas a vigilância em planeamento familiar de uma mulher em idade fértil por ano; a vigilância de uma gravidez; de uma criança no primeiro ano de vida, por ano; de uma criança no segundo ano de vida, por ano; de uma pessoa diabética por ano e de uma pessoa hipertensa por ano.

“Podemos achar que o indicador não deve ser considerado (…) mas estamos a falar da responsabilidade de acompanhamento no planeamento familiar, no que poderá ser uma fragilidade neste acompanhamento que colocou esta mulher numa situação em que teve de recorrer à IVG”, explicou, insistindo que “não está em causa a opção”.

Sobre esta explicação, a deputada Catarina Martins insistiu que “a simples consideração de que a IVG é uma falha de planeamento familiar e já um julgamento moral inaceitável”. “Mesmo com todos os cuidados de planeamento familiar, podem ter um acidente e ter de recorrer à IVG e não cabe a nenhum de nós julgar as razões”, sublinhou a deputada, considerando ainda que as propostas técnicas “são patriarcais”.

MDM pede reunião a Temido

O Movimento Democrático de Mulheres (MDM) anuncia que pediu reunião com equipa de Marta Temido, ministra da Saúde, para “esclarecer eventual decisão do Ministério da Saúde em criar penalização remuneratória aos médicos de família, caso as utentes tenham realizado Interrupção Voluntária da Gravidez”.

No comunicado enviado às redações, o organismo fala de uma “proposta inaceitável não só porque colide com a lei da IVG e o direito de escolha de cada mulher de decidir quando e quantos filhos deseja ter, como o contributo que uma medida desta natureza poderá dar ao aumento de médicos objetores de consciência (para que não percam prémios financeiros e atinjam os critérios de avaliação) e empurrando as mulheres para IVG fora do SNS ou até mesmo da sua realização”.

com Lusa