Qandeel Baloch: feminista, sensual e agora vítima de crime de honra

Qandeel

Foi o irmão de Qandeel Baloch que a matou. A modelo e atriz de 26 anos, foi estrangulada até à morte pelo irmão, por ter desafiado as regras de conduta femininas do Paquistão. A paquistanesa era conhecida por colocar fotografias de rosto descoberto, com roupa ocidental, maquilhada para, diziam os críticos, granjear popularidade no Instagram. A última fotografia que colocou na rede social foi do próprio decote. No Facebook, Qandeel colocou vários vídeos com striptease, twerks e participações em programas de televisão.

Mas Qandeel não era apenas uma estrela fútil ou uma celebridade da era das redes sociais. Era também uma voz incómoda para o statuos quo masculino paquistanês, uma mulher que com a sua extrema sexualização e com os seus textos punha em causa o papel destinado às mulheres e a preponderância dos homens naquela sociedade. Os seus posts valeram-lhe a censura de milhares mas também o elogio.

A Radio BBC International prestou-lhe atenção há cerca de duas semanas e falou dela como uma heroína feminista, ainda que muitas das defensoras dos direitos das mulheres não a vissem assim, sobretudo pela imagem sexualizada que apresentava. A paquistanesa defendia publicamente o direito da autodeterminação da mulher tanto na escolha do marido, como na forma como se veste, como nas práticas sexuais. Foi este o autorretrato que fez à rádio britânica:

“Creio que sou uma feminista moderna. Eu acredito na igualdade. Não preciso de escolher que tipo de mulher devo ser. Não acredito que haja alguma necessidade de nos colocarmos uma etiqueta só para o bem-estar da sociedade. Sou uma mulher de pensamento livre e adoro o que sou!”

Das palavras Qandeel passou aos atos. Este ano a celebridade colocou uma fotografia e um vídeo de um clérigo eminente do Paquistão, feitos num encontro entre os dois num quarto de hotel. O teor do encontro não foi revelado mas a hierarquia muçulmana daquele país acabou por banir o homem do cargo que detinha.


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São precisamente os efeitos de este encontro que estão a tornar mais estranhos os contornos deste caso, sobretudo depois da mãe de Fauzia Azeem, o verdadeiro nome da atriz, ter vindo a público dizer que Qandeel sempre apoiou a família, incluindo o irmão autor confesso do assassinato. À polícia, a mãe terá acrescentado que o motivo do crime terá sido a inveja pelo que a irmã tinha conseguido e não o comportamento público da atriz.

De acordo com a polícia Multan, cidade onde se desenrolaram os eventos, o irmão entretanto detido terá confessado ter morto a irmã para limpar a honra da família:

“Não podemos tolerar [o comportamento de Qandeel] enquanto membros da comunidade Baloch. Não estou arrependido.”

A morte de Qandeel mostra um país dividido?

Natural da cidade de Multan, na província do Punjab, Fauzia Azeem afirmou várias vezes ter usado bem a liberdade que os pais lhe deram. À dos pais juntou-se a liberdade do contexto – Qandeel nasceu numa das províncias mais liberais do Paquistão, o Punjab onde foi aprovado em março o Ato de Proteção das Mulheres Contra a Violência Doméstica, que rapidamente recebeu críticas do poder religioso no país.

Com os crimes de honra a aumentarem e com 70% das paquistanesas sujeitas a violência conjugal, teme-se que esta discussão ainda tenha muito caminho pela frente num país que é oficialmente laico mas cujo domínio da religião nos vários setores da vida pública e privada tem vindo a crescer visivelmente desde os anos 80.