O rosto de menina, a estatura elegante e os 22 anos de idade contribuíram para Filipa (nome fictício) ver o trabalho que desenvolve ser posto em causa. Apesar da formação superior em jornalismo e da experiência em estágios anteriores, a chegada a uma nova redação mostrou-lhe que nem sempre a jovialidade é um trunfo – embora a sociedade estimule o desejo pela aparência jovem.
“Não tive dificuldade em entrar no mercado de trabalho, mas na redação foram-me colocados alguns entraves”, começa por contar Filipa ao Delas.pt.
Dia após dia, a jovem sentia existir algum receio, por parte da equipa, relativamente ao trabalho que produzia: “Ao parecer mais nova, tive sempre a sensação que não confiavam no meu trabalho e que tinha de provar mais do que os meus colegas. Algumas reações dos superiores e até mesmo de jornalistas, como eu, davam a entender que nem sequer tinha idade para trabalhar”.
Situações como estas, segundo o psicólogo José Carlos Garrucho, “não têm tanto a ver com a idade do ponto de vista cronológico, mas sim com a ideia de associar a idade ao conceito de maturidade”.
Este pensamento – de que as pessoas mais velhas são mais maduras – acaba por ser contornado através da conquista de uns anos a mais na imagem: “Não é por acaso que muitas jovens senhoras, ao pretenderem afirmar-se no mundo dos homens, acabem por ter alguns comportamentos masculinizados. Muitas vezes, como são bonitas e cuidam do seu lado feminino, não precisam de acrescentar adereços de beleza, recorrendo sim a adereços andrógenos”, justifica o especialista.
“senti que era necessário, fazer algumas mudanças, nomeadamente quanto à maquilhagem e ao cabelo – no sentido de não parecer tão nova”, Filipa
Substituir a saia ou o vestido por umas calças ou um fato com traços masculinos, assim como usar gravata ou a um blazer escuro com uma camisa branca, são alguns dos exemplos. No geral, “uma jovem senhora que se queira afirmar no mercado de trabalho, tem que assumir uma identidade madura. Tem que se comportar e ter, na sua área profissional uma credibilidade à prova de bala e completamente inquestionável”, acrescenta Garrucho.
Foi o que aconteceu com Filipa. Poucos eram aqueles que a levavam a sério e a jovem acabou mesmo por adotar alterações em determinados momentos profissionais: “Não tive pressão das chefias para mudar algo no sentido de parecer mais velha. Mas senti que era necessário, em determinadas alturas, fazer algumas mudanças, nomeadamente quanto à maquilhagem e ao cabelo – no sentido de não parecer tão nova”.
No entanto, “a maturidade não é uma questão de idade”, afirma o psicólogo. Embora, as pessoas com mais idade possam ser, na maioria, mais maduras do que as com menos idade, não quer dizer que não possam existir pessoas jovens maduras e pessoas mais velhas imaturas, explica.
Confiante das capacidades que possui, Filipa garante que a situação nunca a incomodou. “Não levo a mal, porque gosto da minha imagem e lido bem com o facto de parecer mais nova do que realmente sou. Mas penso que não faz qualquer sentido caracterizar uma pessoa pela aparência”, conta.
O poder da imagem
Quer queiramos, quer não, a imagem transmite informações – por vezes certas, por vezes erradas. “A imagem tem um aspeto essencial no processo de afirmação, estando inevitavelmente associada à competência, à credibilidade e ao poder de comunicação“, refere José Carlos Garrucho. Não é à toa que existe uma primeira impressão, essa normalmente resulta da primeira vez que temos de alguém.
“Quando vemos uma jovem, se ela for determinada no andar, tiver um comportamento adulto, maduro e determinado, não se deixando perturbar por nenhum ‘bitaite’, evidentemente que aceitaremos como boas as qualidades de maturidade dela”, exemplifica o especialista.
No fundo, acaba por existir aqui uma contradição, “uma espécie de trama para as mulheres”, afirma Garrucho. “A sociedade espera que as meninas sejam eternas jovenzinhas, mas, por outro lado, essa simplificação da imagética feminina trama-as no sentido da credibilidade”.
É tudo uma questão de imagem, e esta está muito mais ligada ao sexo feminino do que ao masculino, refere ainda.
Vejamos, pede o especialista: “A maioria dos dirigentes nas empresas são homens. Será por eles serem todos competentes? Será que não há mulheres competentes o suficiente para tomar conta das empresas?”.
Logo de seguida surge a resposta: “Muitas vezes são os próprios trabalhadores mais velhos que não aceitam que uma jovem, considerada bonita – ou que supostamente devia ser só bonita –, vá apresentar decisões ou opiniões técnicas e científicas sobre algo. Isso é inaceitável para muitos. E não tem apenas origem no machismo masculino, muitas vezes é também resultado de um certo machismo feminino”.
Nota: O nome “Filipa” é fictício para salvaguardar a identidade da pessoa entrevistada
[Imagem de destaque: Shutterstock]
O que é mais importante para as pessoas no local de trabalho?