Que 8 de Março para as Mulheres Negras?

As mulheres negras representam bem, hoje em dia, o espírito que norteou a instituição do dia 8 de Março como Dia Internacional da Mulher, se tivermos em conta as suas histórias de vida, que são também histórias do seu lugar na sociedade portuguesa ao longo do tempo. A situação das mulheres negras, com toda a diversidade que caracteriza o grupo, é, na generalidade, marcada pela exploração capitalista, pela pobreza e exclusão social, pela restrição da sua cidadania e participação política e por condições de trabalho precárias e muitas vezes degradantes. Ora, foi exatamente pela reivindicação por melhores condições de vida e de trabalho e pelo direito ao voto, que mulheres ocidentais brancas lutaram desde o século XIX. Hoje, em pleno século XXI, a luta das mulheres negras, imigrantes e afrodescendentes, continua nesse plano de reivindicações.

São vidas que se destacam pela intensa batalha pela sobrevivência económica e financeira que lhes permita fazer face aos desafios quotidianos. Note-se que, devido aos baixos rendimentos, muitas mulheres são obrigadas a ter mais do que um trabalho e não são poucas as que trabalham em horários repartidos que as obriga a estar fora de casa das seis da manhã às dez ou meia-noite, para conseguirem auferir o que uma boa parte da população ganha em 8h de trabalho não braçal. A ativista afro-americana Ângela Davis afirma que “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, e muda-se a base do capitalismo”.

A dificuldade em conciliar o trabalho com o acompanhamento dos filhos e os seus relacionamentos, deixam à mulher negra pouco espaço para uma vida emocional saudável e fortalecedora. Uma pequena amostra de mulheres traz-nos de imediato o retrato da dor, do cansaço extremo e também de muita solidão, quer pela falta de suportes institucionais e familiares, como também de suporte emocional.

Contudo, a grande capacidade de resiliência das mulheres negras ao longo da História, que as permitiu sobreviver ao colonialismo, à Escravatura e ao tráfico de pessoas escravizadas, e agora ao racismo e outras formas de violência, fez com que em cada uma das diferentes gerações, as mais novas tivessem sempre à sua disposição instrumentos de combate e novas formas de resistência que as pudesse diferenciar.

Beneficiando da herança das suas mães, tias e avós, dos valores da força, resistência e sacrifício, as novas gerações de mulheres negras em Portugal conseguem aliar a esta herança uma maior qualificação, a vontade de ocupar o espaço público, a procura da quebra do ciclo da pobreza e da exclusão e a reivindicação não silenciosa dos seus direitos sociais e políticos (pela alteração da lei da nacionalidade vigente, pela recolha de dados étnico-raciais, pelo acesso ao emprego qualificado e pela justiça social). Luta-se também contra a invisibilização e o silenciamento através da formação de colectivos.

A FEMAFRO – Associação de Mulheres Negras, Africanas e Afrodescendentes em Portugal é uma associação feminista que tem discutido internamente e em eventos caracterizados por muito debate, sobre a importância do feminismo negro como arma ideológica de combate às diversas formas de discriminação de género, do racismo institucional, da segregação social e habitacional, assim como sobre as respostas a dar ao desafiante quotidiano das mulheres negras no país.


Joacine Katar Moreira é membro da FEMAFRO e Investigadora do CEI-IUL/ISCTE