Quotas de Género: Quebrar o “teto de vidro” em Portugal

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O ano começou com novidades para a igualdade de género, com a aprovação em Conselho de Ministros, a 5 de janeiro, da proposta legislativa que estabelece o regime de representação menos desequilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e fiscalização das empresas do setor público e nas empresas cotadas em Bolsa. A representação feminina entre os quadros dirigentes das empresas ronda hoje os 10%. A ideia é que passe para 33%.

A proposta ainda terá de passar pelo debate no Parlamento, mas caso seja aprovada, o setor empresarial do Estado será o primeiro a adotá-la, estabelecendo-se um mínimo de participação de 33% já a partir de janeiro de 2018. Já no setor privado os objetivos para as quotas de género são uma representação mínima de 20% em janeiro de 2018 e de 33%, em 2020.

“As empresas cotadas em Bolsa são identificadas aqui pela relevância que têm, por escolherem este mecanismo de grande visibilidade pública como forma de financiamento e de promoção da sua atividade”, explicou o Ministro-Adjunto, Eduardo Cabrita. Por um lado são empresas que têm condições para acompanhar este movimento; por outro, funcionarão como exemplo para empresas de menor dimensão.”

Também há penalizações previstas, caso a norma não seja cumprida: invalidar nomeações em empresas do Estado e aplicar coimas a empresas cotadas em Bolsa, que serão notificadas pela Comissão do Mercado e Valores Imobiliários (CMVM). “Não sendo corrigida a falta de representação de género, a sanção correspondente à totalidade de remunerações do órgão social em que a disposição é violada, num primeiro semestre. Se o incumprimento continuar a verificar-se, a coima corresponderá a dois meses de remuneração, no semestre seguinte”, revelou ainda Eduardo Cabrita.


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Os exemplos da Europa

Esta medida segue o mote dado pelo Parlamento Europeu em novembro de 2012 e que indicava como meta 40% dos cargos não executivos nos conselhos de administração das empresas, até 2020. O estudo ‘Realizing Europe’s Potencial: Progress and Chalenges’, publicado em abril de 2016 pela organização European Women on Boards, dava conta de como, nos cinco anos anteriores, a presença de mulheres como membros não-executivos dos conselhos de administração das 600 maiores empresas europeias cotadas em Bolsa (STOXX 600), em 17 países membros, aumentou de 13,9% para 25%. O relatório mostra ainda os países escandinavos na liderança do ranking europeu, com a Suécia em primeiro lugar, seguida da Noruega, Bélgica, Finlândia e França, países onde elas representam 30% ou mais destes conselhos, com especial destaque para os setores de serviços de telecomunicações, financeiros, de utilidade pública, bens de primeira necessidade e bens de luxo.

“Ainda é preciso que se definam quotas”

Para Maria das Dores Guerreiro, investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-IUL, especialista em sociologia de género, políticas públicas, trabalho e família, “ainda é preciso que se definam quotas por haver pouca massa crítica feminina em lugares de topo. Mas muitas vezes são as próprias mulheres a fazerem o discurso de que não se querem ser promovidas só porque são mulheres, mas sim pelo que valem. Nós, homens e mulheres, não fomos socializados para o reconhecimento da igualdade de oportunidades e de participação nas várias esperas sociais, por parte de ambos os sexos. Isto reflete-se numa menor predisposição feminina para assumir estes cargos, até porque elas ainda têm a dupla jornada e ainda recaem sobre si maiores expectativas de responsabilidade familiar. O Inquérito ao Emprego do INE ainda nos mostra “setores de atividade que continuam altamente segregados”, lembra a investigadora.

Se há mais mulheres com ensino superior concluído em quase todos os cursos, em áreas como as tecnologias da informação ou engenharias elas ainda estão em franca minoria. “Mesmo nos setores em que elas predominam, como o ensino, a função pública ou o jornalismo, quem lidera são homens. As empresas já perceberam que têm vantagem no recrutamento feminino para boards para valorizar a sua imagem. Também beneficiam com a diversidade, uma vez que as mulheres podem trazer soluções diferentes com as suas experiências de vida diferentes. As empresas não se têm descurado disso, por isso não gosto de ser muito maniqueísta. Mas, durante muitos anos, a pergunta que ouvi de muitos empresários era “e o que é que eu ganho com isso?”

“A decisão cabe apenas às empresas”

João Lopes Vieira, presidente da Confederação de Comércio e Serviços de Portugal (CCP), lembra que este organismo “representa setores que tradicionalmente empregam um número significativo de mulheres e é, por isso, sensível à importância de um maior equilíbrio entre sexos nos órgãos de administração das empresas. No entanto, não deverá existir qualquer obrigação de aplicação de quotas, devendo ser uma decisão que caberá unicamente às empresas. Será mais eficiente dar-lhes a possibilidade de colocar recomendações que visem a redução das disparidades nos conselhos de administração, não fazendo sentido a nomeação de pessoas para esses cargos apenas com o propósito de fazer cumprir uma percentagem mínima de quotas. Esta obrigatoriedade poderá colocar em causa, à partida, o princípio fundamental de escolha da pessoa que melhor preencha os requisitos necessários ao lugar.“

Opinião semelhante tem Adelino Costa Matos, presidente recém-eleito da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE). “Por regra, sou contra a imposição de quotas de género. Creio que este tipo de medida acaba por ter um efeito perverso, que é menorizar as mulheres, desqualificar os seus méritos profissionais. Ainda assim, considero que o Estado deve dar o exemplo em matéria de paridade de género para cargos executivos em empresas públicas. Quanto à imposição de quotas às empresas privadas cotadas em Bolsa, preferia que, ao invés, fossem criados verdadeiros incentivos à promoção e contratação de mulheres para cargos executivos.”

Nos últimos anos, a ANJE tem organizado programas de incentivo ao empreendedorismo feminino. “Assumem, sobretudo, uma natureza formativa e tutorial, servindo para reforçar competências orientadas para a criação de negócios e para a gestão de empresas, mas também preparam as mulheres para a progressão na carreira dentro das empresas.“

O presidente da CCP acredita que há outros bons exemplos de práticas, alternativas a esta medida: “A Confederação Empresarial da Noruega (NHO) lançou o programa ‘Female Future‘, que consiste na formação e no trabalho em rede, com a duração de 18 meses, visando identificar mulheres talentosas e assim acelerar o seu acesso a cargos de liderança. As empresas membros da NHO nomearam três candidatas a formação complementar e apoio, tendo em vista o acesso aos conselhos de administração da rede. Das 600 mulheres que concluíram o programa, 60% foram convidadas a integrar conselhos de administração noruegueses.”

Maria das Dores Guerreiro lembra ainda a Rede de Empresas para a Igualdade, criada pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE). “Reúne um grupo de empresas convidadas a assinar um convénio em que se comprometiam a promover a igualdade de género no mercado de trabalho, ajudando-se mutuamente nas suas boas práticas para valorizar as suas colaboradoras e dar-lhes oportunidade de ascender a lugares de topo. E existiram linhas de financiamento para que as organizações pudessem desenvolverem esses planos.”