Raparigas preocupam-se mais com as questões sociais que os rapazes

jovens, adolescentes

Um inquérito feito com 2700 alunos portugueses, sobre saúde comportamental em idade escolar, revela que as raparigas se preocupam mais com as questões sociais do que os rapazes e que auto-estima, para ambos os géneros, vai diminuindo com a idade.

Intitulado ‘Be Positive’, este estudo nacional inclui-se na rede internacional do projeto Positive Youth Development (PYD), que envolve mais de 20 países de todo o mundo e que procura medir o desenvolvimento positivo dos jovens através de cinco características básicas (5 C’s): Confiança, Competência, Conexão, Cuidados e Caráter.

A análise portuguesa, apresentada na passada segunda-feira, na Faculdade de Motricidade Humana (FMH), em Lisboa, abrangeu jovens com idades compreendidas entre 16 e 29 anos e concluiu, com base nesses cinco fatores, que “de uma forma geral, não foram encontradas diferenças de género, à exceção das raparigas que parecem mais preocupadas com questões sociais, do que os rapazes”.

Na informação resumida do estudo nacional, os investigadores assumem que “estes resultados foram igualmente inesperados e podem indicar que, globalmente, entre os jovens existem menos diferenças de género no ‘processo’ (os 5 Cs), do que nos ‘produtos finais’, sociais e de saúde, considerando os comportamentos respetivos associados”. No entanto, prossegue o texto, “tais resultados salientam uma preocupação relevante acerca das desigualdades de género, com maior pressão social e falta de oportunidades para as raparigas”

A coordenadora portuguesa da investigação, Margarida Gaspar de Matos, explica que “nos estudos prévios, em matéria de saúde dos jovens, encontramos sempre diferenças de género que penalizam os rapazes nos comportamentos de externalização (consumos, violência, acidentes) e as raparigas em comportamentos de internalização (mal-estar físico e mental, falta de gosto por si e pelo seu corpo). Mas no estudo ‘Be Positive’ há duas coisas a salientar no que diz respeito as diferenças de género, uma é que nos 5 Cs em geral não há diferenças. A outra é que as há apenas nesta componente consciência social de um dos Cs – o Caráter”.

Quer isto dizer, precisa a psicóloga e docente da FMH que, nesta investigação,
“o género feminino aparece muito mais afetado pelas questões sociais, o que podemos chamar o ‘peso dos outros'”, que o masculino.

E se, à partida, esse resultado pode refletir um maior altruísmo por parte das raparigas, põe-se também a possibilidade de ele poder constituir um travão ao seu bem-estar e felicidade. “Por um lado podemos ver este facto como uma orientação geral para os outros e as suas contingências de vida; mas por outro lado podemos ver isto como uma maior preocupação sobre como os outros nos avaliam”, refere a responsável.

Estas são apenas hipóteses levantadas pela investigadora, uma vez que o estudo não tem como objetivo apontar “causas” mas estudar relações, como a própria esclarece. “Vamos tentar compreender em estudos posteriores, disponíveis dentro de um ano. Para já temos este facto e o que isto quer dizer”.

Ainda assim, questionamos até que ponto poderá o padrão cultural em que crescem as raparigas portuguesas, e que continua a reproduzir discriminações de género – atribuição de tarefas domésticas, cuidar de familiares, situações de violência no namoro – torná-las mais afetadas pelo ‘peso dos outros’ que os rapazes.

Margarida Gaspar de Matos admite que fatores culturais e educativos podem contribuir para essa diferença entre géneros no que se refere a essa questão social, ainda que não se possam inferir diretamente do estudo. “Sabemos do nosso dia-a-dia e da literatura que as iniquidades de género continuam presentes, às vezes de modo muito subtil (o que as torna menos visíveis mas não menos injustas e perturbantes). Sabemos que uma das ‘armas’ de controlo social é a ‘pressão social para a norma’, que a empatia ‘a mais’, longe de nos tornar mais fortes pode fragilizar-nos”, acrescenta.

Para a psicóloga, a vulnerabilidade aos outros é tanto maior quanto mais “abusadores, manipuladores, tóxicos” estes são. Daí que a empatia não seja necessariamente benéfica para as raparigas. “As mulheres aparecem como alvo favorito do controlo social e mais empáticas, logo mais acabam por ser mais afetadas pelo controlo social. Mas isto são dados da literatura geral e não especificamente deste estudo”, resume a especialista.

Por outro lado, o estudo mostra que, perante processos idênticos e face aos potenciais de rapazes e raparigas, os primeiros são mais atuantes e acabam por ser mais bem-sucedidos na concretização das coisas.

Quer isso dizer que apesar de estarem mais alertas para as questões sociais, as raparigas paralisam e não atuam? “Se juntarmos os dados deste estudo com estudos anteriores, uma possível hipótese compreensiva seria essa: há (ainda) desigualdades de género para as relações das pessoas com a vida, com a sua saúde e com o seu bem-estar”, começa por dizer a psicóloga. Mas, como explica Margarida Gaspar de Matos, o estudo não mostra diferenças significativas entre os géneros em termos de procedimentos, sugerindo antes que “as diferenças estão na concretização das capacidades”, o que remete para fatores externos e a questão do acesso às mesmas oportunidades.

Mais sucesso, menor solidariedade
Outra das relações que a análise do ‘Be Positive’ vem explicitar é que quanto mais sucesso e melhor nível socioeconómico os jovens têm, menos solidários se mostram.

“O que apareceu neste estudo foi uma relação inversa entre o estatuto socioeconómico e os valores pessoais e esta relação parece preocupante”, admite a psicóloga. E dado que as raparigas evidenciam mais empatia e preocupação com os outros, isso poderá refletir-se em menor sucesso, por comparação com os rapazes, que se revelam menos afetados pelo ‘peso’ de terceiros.

“Podemos por a hipótese de as meninas mais solidárias poderem ter mais dificuldade em colocar ‘palas de individualismo’ e serem mais solidárias e menos bem-sucedidas, mas esse resultado não está ainda neste relatório”, ressalva Margarida Matos de Gaspar.

O que sobressai para já no relatório não é animador. Além da diferença de géneros na questão da empatia, também a nível global, os jovens mais privilegiados e com melhor competência académica, têm melhor desempenho em tudo, exceto nos valores pessoais. Por outro lado, o estudo também conclui que à medida que se vão tornando mais velhos, também vão ficando mais pessimistas e menos saudáveis.

“Uma questão que não me larga desde que escrevi estas conclusões é: é esta a sociedade que queremos? Com coesão social, motivadora e geradora de oportunidades e de concretização de competências”? No lançamento aqui na faculdade do ‘Be Positive’, dizia um jovem Dreamteen (da nossa rede de jovens investigadores sociais): ‘Temos que acabar com a louca luta pelo 20, que nos tira energia para a vida’”, conta a investigadora.

O estudo tem estado a ser realizado mundialmente, e já foi realizado em mais de 20 países. Contudo, ainda não é possível traçar comparações internacionais e é cedo para dizer se as conclusões do presente relatório são transversais a jovens de outros pontos do globo, se são concretas da realidade portuguesa.

 

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