Regressar de férias sem entrar em parafuso

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Voltar ao trabalho após as férias nem sempre é fácil. Embora seja pouco comum, há mesmo quem desenvolva sintomas depressivos. E, não, não se trata de manha ou preguiça. Os sintomas são reais e se se prolongarem por mais do que uma semana devem ser tomados em consideração. Os mais comuns consistem em dores musculares e de cabeça, sono, tristeza, cansaço, angústia, sentimento de culpa e problemas de concentração. A dificuldade do diagnóstico está em distinguir se se trata de uma fase de “ressaca” passageira ou de um estado depressivo real.

O psicólogo e coach Miguel Gonçalves explica: “Quando estamos de férias temos mais tempo e disponibilidade para parar e estarmos connosco próprios. Muitas vezes há um reencontro com algo que estava esquecido ou escamoteado pelo automatismo da vida de trabalho, que são os nossos sonhos, os nossos desejos e os nossos gostos. É um período em que nos permitimos apaixonar novamente pela vida, aproveitar ao máximo os dias e em que podemos ser nós próprios, desligando-nos de ansiedades, rotinas e padrões que o emprego nos impõe”.

O regresso à realidade – com a qual por vezes podemos não nos identificar – pode, por isso, ser doloroso. É também a opinião da coach Lígia Neves, que a par do psicólogo nos deixa algumas dicas para ajudar a enfrentar o quotidiano e a resgatar a produtividade e bem-estar.

Prepare a rotina com antecedência

Um dos principais problemas de quem recomeça a trabalhar depois das férias é o facto de ter as horas de sono completamente desreguladas. Isso faz com que nos primeiros dias se sinta cansada logo pela manhã. Uma das formas de o combater é alterar a rotina dois dias antes de voltar. Comece a simular um dia normal, acordando, almoçando e dormindo às horas habituais.

Prepare igualmente as crianças e providencie com quem devem ficar e como será feito o transporte.

Não regresse na véspera de madrugada

“Apesar de um regresso atempado permitir uma passagem mais tranquila ao ritmo de trabalho, o tempo de antecedência tem também a ver com o perfil de cada um; se naturalmente se organiza com rapidez, precisa de menos dias”, diz a coach. Miguel Gonçalves acrescenta: “Regra geral é saudável regressar com um ou dois dias de antecedência para poder organizar a casa e ter um dia de descanso. Assim sentirá que está a começar uma nova etapa de vida com entusiasmo, interesse e curiosidade”.

Não entre a matar

Sim, vai voltar ao escritório e ter que readaptar o guarda-roupa, mas não precisa adotar de rompante indumentárias muito formais. Por outro lado, “manter um “gostinho” de férias durante as primeiras semanas de trabalho – já para não dizer o ano inteiro – também ajuda a readaptação”, diz Lígia Neves. Sugere que se combinem almoços com os amigos, mesmo que sejam menos demorados, marcar uma bebida ao final do dia ou um passeio para o fim de semana seguinte. A ideia consiste em programar uma transição suave para sentir que continua a ter momentos de prazer, mesmo estando a trabalhar.

Comece por organizar as tarefas

Nos primeiros dias o mais certo é sentir-se perdida, sem saber por onde começar. Não tenha medo de perguntar aos seus colaboradores e colegas indicações sobre o que se passou e avançou na sua ausência. Se for possível marque uma reunião para a colocarem a par de eventuais novos projetos.

É natural que veja à sua frente mil e uma tarefas, mas antes de tudo concentre-se numa apenas. Se puder, comece pelas mais fáceis para ganhar motivação. Ao realizar as primeiras, vê o número de coisas a fazer diminuir drasticamente. O importante é que ganhe uma linha orientadora; o resto virá com o tempo.

Outro truque sugerido pelo psicólogo: “Antes de ver os seus e-mails, ou espreitar as redes sociais, pare um pouco e escreva num papel as três coisas mais importantes que quer concretizar nesse dia. Este exercício dar-lhe-á a sensação ao final do dia de missão cumprida, o que funciona como um reforço positivo”.

“Essencial é, também, prever os imprevistos, isto é, deixar algum tempo livre na agenda para alocar pedidos urgentes que surjam, sem que isso origine stress desnecessário”, alerta a coach.

Mais: se deixou assuntos delicados por resolver, dê indicação aos envolvidos que está de volta e a tratar da situação, definindo um prazo razoável para si, para dar respostas. Ganhe tempo e usufrua da nova perspetiva que ganhou durante as férias para observar os acontecimentos e resolver velhas questões de novas formas.

Seja a sua melhor amiga

Não seja muito exigente com a sua produtividade nos primeiros dias. Todo o seu sistema físico, emocional e mental vai precisar de tempo para se ajustar e readaptar às novas rotinas, pessoas e espaços fisicos. “Lide consigo como lida como o seu melhor amigo e seja tolerante consigo própria, mantendo a confiança de que está tudo certo e de que é uma questão de tempo até o trabalho correr da melhor forma”, garante Miguel Gonçalves.

Aconselha, ainda, a ir mais fundo na análise do seu estado emocional. “É importante perceber e dar nome às emoções e procurar pelo que está grata”, diz, “isto porque olhar para a vida com uma expectativa positiva faz com que o seu cérebro produza mais dopamina e serotonina, o que fará com que se sinta melhor e com que tire mais prazer das relações com os outros”.

Tire mini-férias ao longo do ano

É bom regressar e saber que daí a algumas semanas poderá descansar mais alguns dias, por exemplo, durante um fim de semana prolongado. “Permite-nos ter a noção de que existem mais bons momentos para desfrutar e que eles não se esgotam unicamente num mês, o que relegaria o resto do ano para trabalhos forçados”, acrescenta Lígia Neves. Como diz Miguel Gonçalves: “Por vezes temos que “parar de cortar a árvore, para afiar o machado”.

Adapte-se ao meio com sabedoria

“Mesmo que tenha que conviver com pessoas que não estão em sintonia consigo ou regressar a um emprego que não gosta, encare o processo como o início do período em que vai reservar um tempo para planear e para implementar ações concretas que lhe permitam ter uma ocupação mais em consonância com a sua identidade”, diz a coach. Ou seja: enquanto não é possível mudar o conteúdo, altere a forma, ou seja, o seu modo de fazer as coisas. E exemplifica: “Se é uma pessoa descontraída, mesmo que trabalhe num ambiente mais formal, comece a adotar interações mais descontraídas com os seus colegas. Se é uma pessoa formal e dispensa brincadeiras, brinque o razoável, mas concentre-se nas tarefas que são mais importantes para si”.

Em suma: o ideal é conseguirmos aproximar-nos à pessoa que “representamos” no trabalho daquela que realmente somos.

Entre definitivamente em “modo de trabalho”

Pensamentos como “quem me dera voltar para a praia” ou “naquele hotel é que eu estava bem” são normais depois do período de férias. Durante vários dias pouco fez, relaxou e conheceu novos locais. No fundo, tudo o que nós queremos para o nosso dia-a-dia. Mas chegou o momento de voltar ao mundo real. Portanto, entre em modo de trabalho e evite as frases anteriores. Pouco ajudam a que volte aos níveis de produtividade que deseja. Diga e pense antes o que quer e onde quer chegar a curto, médio e longo prazo.