Reino Unido também retira livros por discriminação de género

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Manuais escolares, livros de fichas e problemas de género e discriminação. O problema parece ser, afinal, mais global do que local.

Depois de, em Portugal, a Porto Editora ter sido aconselhada a retirar a venda das fichas com blocos de atividades para rapazes e para raparigas por conterem exercícios que, no entender da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), pudessem “ser considerados discriminatórios ou desadequados”, também o Reino Unido se debate com uma questão ligeiramente similar.

A editora Usborne veio a terreiro pedir formalmente desculpa por incluir uma passagem num livro educativo na qual afirmava que as maminhas das mulheres tinham por objetivo “tornar as meninas mais crescidas e atrativas” para os rapazes, explicou o jornal The New York Times.

Imagem retirada do livro ‘Growing up for Boys’, de Alex Frith [Fotografia: DR]

O manual em causa – inicialmente publicado em 2013 e intitulado Growing Up for Boys, de Alex Frith (Crescer para Rapazes, em tradução literal) – tinha por objetivo educar os rapazes sobre a puberdade, contextualizando as diferenças experienciadas pelas raparigas na mesma fase da vida. Porém, acabou por estar sob os holofotes por promover uma sexualização das adolescentes, considerada desnecessária.

O livro está traduzido em português com o título A Vida Incrível da Adolescência: Para Rapazes, pela 20/20 Editora, em agosto de 2015.

A empresa britânica declarou que iria rever este guia da adolescência que teve por propósito inicial, garantia a editora, “explicar aos rapazes o que poderiam esperar da puberdade e como se poderiam sentir felizes e confiantes à medida que atravessavam mudanças a nível fisiológico, psicológico e emocional“.

A Usborne referia ainda que o livro “cobria um conjunto de tópicos que passava pelas emoções, pelo que acontece com as raparigas, pelas dietas, pelo exercício, pela imagem corporal, pelo sexo, pelas relações, pela autoconfiança, pelo álcool e pelas drogas”, escreve o jornal britânico The Guardian.

A polémica estalou num blog

A denúncia inicial foi feita por um pai, Simon Ragoonanan. Escritor, blogger de Man vs Pink, assume-se como progenitor de uma menina, que adora, mas que odeia a transformação cor-de-rosa do mundo e pede para que nunca ninguém a trate por princesa. Esta é, aliás, a forma sintética com que se apresenta na sua página de Twitter (e que pode ler aqui).

[Fotografia: Twitter/man vs pink]

“Para que servem as mamas?”, inquiria, ironicamente, Ragoonanan, usando a resposta veiculada no livro de Frith. “As raparigas têm mamas por duas razões. Uma é para amamentar os bebés. A outra é para a fazer parecer mais crescida e atrativa. Virtualmente todas as mamas, independentemente do tamanho ou forma que acabem por tomar quando a rapariga termina a fase da adolescência, cumprem essas duas funções”.

A polémica em torno desta matéria começou nas redes sociais e acabou, horas depois, na empresa de retalho online Amazon, onde a publicação em causa foi alvo de um ataque de comentários e avaliações com apenas uma estrela, fazendo baixar a cotação do livro Growing Up for Boys.

Ambas chamadas de atenção surgem anos depois das obras quer portuguesas e britânicas estarem disponíveis no mercado.

Não é mesmo só em Portugal!

Há cerca de três anos, a Usborne anunciou que iria deixar de publicar livros baseados na exploração do género e que tinham por título – curiosamente tal como em Portugal – Livros de Atividades para Raparigas e Livros de Atividades para Rapazes.

Na base desta decisão editorial esteve uma campanha liderada por um grupo de pais Let The Books be Books.


Recorde a polémica portuguesa aqui e aqui


E se esta plataforma de pais tomou o pulso à polémica há três anos, desde aí que tem mantido a vigilância em torno de questões de género patentes nas publicações destinadas aos mais novos.

Chamados a comentar esta nova questão do Growing Up for Boys, Trisha Lowther, elemento do grupo, sublinhou que “é perturbador ver este tipo de sexismo num livro que tem como público-alvo os rapazes adolescentes. Sugere que o corpo das raparigas é para os rapazes olharem, e este é um tipo de mensagem que não esperávamos que as editoras de livros infantis devessem promover”, cita o The Guardian.

Livreiros lembram que a liberdade de expressão está em perigo

A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) defendeu que “a liberdade de edição faz parte integrante da liberdade de expressão, que a Constituição da República consagra, e não pode conhecer outros limites que não sejam os estabelecidos pela lei, interpretada e aplicada pelos tribunais”.

Para a entidade que representa os editores e livreiros, “condicionar ou restringir doutra forma essa liberdade constitui uma séria ameaça ao Estado de Direito democrático, que por isso não pode deixar de ser denunciada e combatida”.


Leia a reação da APEL, na íntegra, aqui.

Imagem de destaque: Shutterstock