Relações: acabar por mensagens é moda, mas Covid não explica tudo

iStock-1167582845(1)

Não há como negar: a Covid-19 alterou, e muito, a grande maioria dos nossos hábitos diários. Quer seja a nível da nossa rotina de emprego, relações pessoais e familiares, passando ainda pela forma como ocupamos o nosso tempo livre – nada se mantém como até então estávamos habituados. Há relações amorosas que não sobreviveram, e a maioria terminou por mensagens. Mas será tudo culpa da pandemia?

Catarina Lucas, psicóloga clínica, sexóloga e terapeuta de casal, que lançou esta semana o seu livro Vida a dois, escrito em plena pandemia onde juntou vários relatos de casais em tempo de quarentena e várias variáveis da vida conjugal, falou com o Delas.pt e elucidou-nos sobre como o terminar o namoro por mensagens é “uma realidade que veio para ficar”.

Tal como o psicólogo José Carlos Garrucho já nos tinha afirmado em entrevista, vários foram os casais que sucumbiram ao divórcio neste tempo de pandemia mas, também, existiram outros que se voltaram a apaixonar. Mas, e para os apaixonados que ainda não coabitam?

A culpa é do Covid, ou a pandemia apenas acelerou o final?

Hoje em dia, tal como defende a especialista, as relações são “muito imediatas”. Estamos, de uma forma geral e todos nós, a viver um bocado assim, “com a ideia de querer hoje e ter amanhã”, esperamos sempre uma “gratificação imediata” com as nossas ações, reitera Catarina Lucas.

“Penso que isto é um dos grandes problemas. Tenho casais que, com esta fase da convivência diária, voltaram a aproximar-se. Mas depois também tenho os outros casos, dos casais que não vivem juntos e que o critério da distância e de a pandemia ter ditado o afastamento das pessoas, não manteve a sua relação”, explica Catarina Lucas, acrescentando ainda que “isto também evidencia, muitas vezes, alguns problemas que já existiam de base”.

Então, será que podemos culpar apenas a pandemia pelo fim das várias relações amorosas pelo mundo fora? Talvez não. “Penso que a Covid acelerou este final. Não quer dizer que, muitas vezes, não possa ser só isso, mas é difícil. Esta situação deixou a descoberto outras fragilidades. O facto de se pensar que a relação não é suficientemente sólida, por exemplo, para continuar nestes moldes, ou que não se gosta da pessoa o suficiente para se prosseguir com qualquer coisa, são sentimentos que esta distância e este afastamento acabou por deixar a descoberto”.

Compromissos mais recentes e em que a relação não está muito solidificada podem sentir mais isto, até muito pela tal questão da gratificação imediata. As pessoas pensam que estão nesta situação há quatro meses, sem saberem muito bem se voltam ou não a estar com a pessoa ou quando voltam, então pensam logo que não vale a pena e terminam, diz a psicóloga.

Em forma quase de comparação, a terapeuta afirma até que, em contexto de consulta, acredita que o número de relações recentes que terminaram pode ser superior àqueles que já viviam juntos e tinham uma relação mais sólida.

“Tenho casos onde as pessoas voltaram às suas terras para passar a quarentena e, entretanto, acabaram por mensagens as suas relações. Nas relações mais recentes, penso que também tem a ver com a questão do imediatismo, o pensar que não conseguimos agora realizar algo e que então não vale a pena continuar a tentar. Porque se as pessoas não conseguem concretizar e não conseguem prever quando vão estar ou quando vão voltar a ter uma relação dita normal, então pensam que não vale a pena ‘estar aqui à espera’. As pessoas, muitas vezes, ainda se estavam a conhecer e veem-se ali impedidas de desenvolver a relação e de se poderem conhecer e consolidar a mesma”, explica a terapeuta familiar.

E ainda que a Internet nos dê uma mão cheia de ferramentas capazes de colmatar e preencher algumas lacunas, a verdade é que há sempre uma parte que acaba por ficar em falta, acabando por não haver uma “concretização da relação”.

Acabar por mensagens: a nova realidade de todos

Em relação aos términos por mensagem, a terapeuta não acredita que esta realidade esteja inteiramente ligada à Covid-19, mas sim que “está a aumentar e está a acontecer cada vezes mais e mais. Aliás, nos dias que correm, nós começamos e acabamos relações por mensagens”, explica Catarina Lucas.

Se, antigamente, as pessoas tinham de ir a festas ou a eventos sociais para conhecer novas pessoas, hoje conhecemo-las “enquanto estamos sentados no sofá”. Com apenas uns meros cliques, conhecemos novas pessoas, começamos a namorá-las e, não raramente, acabamos com elas também deste modo.

“Hoje tudo funciona assim. Nós namoramos por mensagens, com as várias Apps disponíveis, e existe toda uma dinâmica atual de relação que é totalmente diferente da de antigamente. E essa tendência veio para ficar. Aliás, muitas pessoas – e cada vez mais – falam sobre a dificuldade de falar cara a cara. E isto não tem bem que ver com a idade, porque mesmo pessoas mais velhas dizem isto, que não conseguem falar cara a cara e depois por menagens dizem uma catrefada de coisas”, explica.

Agora, como seria de esperar, a pandemia trouxe uma nova variável à equação: o distanciamento entre as pessoas. Na impossibilidade do encontro físico, as mensagens acabaram por se tornar o escape mais fácil e prático.

“A pandemia colocou-nos, a todos, muito mais no hábito da tecnologia, e quem não o fazia passou a fazer. Para os jovens isto já é uma dinâmica muito comum – as Apps, o sexting – mas agora até as gerações mais velhas foram trazidas também para esta realidade. E acredito que isto poderá mudar mesmo a forma como nos relacionamos, porque se isso era algo que já estava em mudança, agora ainda mais. Mesmo quem não estava habituado, agora passou a estar”, sintetiza a sexóloga, antevendo uma alteração (ainda maior) na forma como nos relacionamos uns com os outros.

Ainda assim, a especialista acaba este raciocínio ao frisar a ideia de que “o término por mensagens tem muito que ver com a dinâmica que já vinha de trás. A comunicação do casal já estava diferente”. Tal como hoje ainda existem muitas pessoas a olhar de lado para o facto de uma relação ter começado via uma plataforma digital, a verdade é que “isto é uma realidade que veio para ficar. As aplicações estão nas nossas vidas, os chats estão nas nossas vidas, e vamos ter de nos habituar a esta nova forma de relacionamento”, termina por dizer.

O Novo Coronavírus trouxe-nos algo com o qual não sabemos lidar

A Covid trouxe-nos uma coisa com a qual nós não sabemos lidar, que é a imprevisibilidade. “O ser humano tem muita dificuldade em lidar com isto, nós precisamos de saber com o que podemos contar e saber que podemos controlar a situação. E a pandemia tirou-nos isto tudo. E surge a questão ‘como é que fazemos esta gestão de conflitos e ideias?’.

Estas questões acontecem nas relações amorosas e pessoais mas também em quase tudo o resto, como nos negócios. Ficamos sem respostas e sem saber muito bem para onde nos devemos virar e acabamos por optar por situações um bocadinho mais drásticas ou menos pensadas até”, elucida Catarina Lucas.