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Titica: “Por preconceito, não consigo cantar em programas de muita audiência em Portugal”

[Fotografia: Divulgação]

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Cantora, compositora, ativista, Titica é um dos nomes que vai estar no Rock In Rio. A presença da angolana com ascendência congolesa, de 34 anos, está marcada para 26 de junho no palco Rock Your Street, mas as suas lutas na diferença, na transexualidade e na conquista do êxito ganham som já a partir desta terça-feira, 17 de maio.

A intérprete e ícone do kuduro, com temas consagrados como Waya e Come e Baza, irá falar de pluralidade no âmbito das Humanorama Talks, antecipando os temas que vão estar naquele festival de música que vai decorrer em Lisboa.

O que nos diferencia faz-nos mais fortes é o mote para a conversa que vai decorrer na Casa da Pedra, no Parque da Bela Vista, esta terça, às 17 horas. O evento é grátis, aberto ao público mediante inscrição por email disponível nas redes sociais do evento.

Com Titica estarão nomes consagrados da música e ativistas como Johny Hooker, Mafalda Ribeiro, a palestrante e storyteller Margarida Mateus da Associação Portuguesa para a Diversidade e Inclusão (APPDI) e o BNP Paribas.

Ao Delas.pt, a angolana fala dos objetivos, do preconceito que sente na pele em Portugal, da rejeição das televisões nacionais em deixá-la entrar nos programas de grande auditório e dos duetos que quer fazer no futuro. Portugal é apenas a base de onde opera agora, os olhos estão postos na internacionalização.

Nesta terça-feira, 17 de maio, vai estar a debater o tema da pluralidade nas Humanorama Talks. Que temas quer levar e porquê?

Quero levar mais empatia, mais respeito e mais igualdade porque, ultimamente, as pessoas julgam muito sem conhecer. Temos que ser mais empáticos.

Que circunstâncias a empurraram recentemente para essa realidade?

Já houve várias situações em que houve preconceitos no sentido de que eu não poderia cantar em algum sítio, não poderia, estava proibida, e isto é uma forma de me posicionar.

Em Portugal?

Sim, já aconteceu, mas não vou dizer a cadeia televisiva nacional.

A TV portuguesa não lhe dá espaço porquê?

Já pedi há uns anos, a uma amiga. Falei à Luciana Abreu se me poderia ajudar a fazer cantar. Disse que as coisas mudaram um pouquinho, devido ao preconceito mas…(pausa)… estamos aqui para trabalhar, nunca bati de frente com ninguém. Já cantei em várias. Mas penso que, por motivos de preconceito, não consigo cantar em programas de muita audiência em Portugal.

Se me fala da Luciana Abreu, está a falar-me da SIC?

(Pausa, risos) Se calhar, estou enganada. E consigo entrar em programas, mas não nos de maior audiência. Mas, graças a Deus, as redes sociais têm mais força e conseguimos promover o nosso trabalho.

Alguma vez lhe foi dita a razão pela qual não pode ir a um programa de grande audiência na televisão nacional?

Não, nunca foram diretos. Quando é a questão da inclusão, dão sempre muito a volta, mas como conheço e já estou habituada, já lido com isso. Só fui à RTP África. Também nunca fui à TVI. À SIC fui duas ou três vezes, mas nunca fiz programas de grande audiência.

Quais são as suas prioridades em termos de mensagem que quer passar em Angola e Portugal?

Que ser diferente é apenas… ser diferente. Somos todos iguais independentemente das nossas escolhas. A minha mensagem é a de que as pessoas esqueçam a minha sexualidade e oiçam a minha arte e o meu trabalho.

Porque tal sucede?

É homofobia mesmo. Sinto que a minha carreira poderia ter avançado mais, tenho tido muitos impasses e tenho a certeza em relação à minha sexualidade. Digo até mais em Angola. Se houver um evento mais formal, a Titica não vai poder cantar por ser uma mulher trans, apesar de ter boa música. Apelo sempre às pessoas que oiçam o meu trabalho e que esqueçam a minha sexualidade. Dancem só. Agora já não travam tanto como antes porque me soube posicionar.

Está a ser refém por ser o rosto de uma luta?

Sim. E verdade, Mas é sempre uma luta. Graças a Deus, trabalho, dou boa música e não deixo que isso me afete. Os ‘nãos’ sempre foram ‘sins’ na minha vida.

Quais são os seus agora?

Os nãos de sempre, mas dão-me muita força. A Titica não é capaz de cantar no Rock In Rio, a Titica não vai, a Titica… Isso dá-me uma força que só Deus sabe explicar e consigo posicionar-me bem. Antigamente, cantava por cantar, descobri depois que sou o rosto de representatividade involuntária e sem bater de frente com ninguém. Já houve pessoas que me disseram que escaparam à morte por me acompanharem: por eu vir da dança, do ghetto, por me conseguir posicionar. “Tu és o meu espelho”, dizem-me. E aí começo a olhar com mais responsabilidade. Já houve um fã, e não da comunidade LGBT, que me disse “eras homem, hoje és uma mulher bonita que se soube posicionar na sociedade”. Recebo muitas mensagens de pessoas que têm histórias, pensaram sair de casa porque os pais não aceitam a sexualidade delas. E eu digo sempre: “não penses só em ti, pensa neles, conquista os teus familiares. Não penses apenas na tua felicidade, pensa também nos outros.”

Como se faz isso?

Não bati de frente com os meus familiares, simplesmente recuei, dei-lhes espaço, fui trabalhando, fiz-lhes perceber que a minha orientação sexual não ia ter a ver com o meu modo de vida. Vou ser uma pessoa responsável, exemplar e aí eles foram entendendo melhor. É comunicação, é preciso paciência. Os nossos pais quando nos têm, idealizam uma coisa, isto é praticamente uma deceção sem querer. É preciso saber abraçar e não saber apenas da felicidade individual.

Quantos anos precisou para cumprir esse passo? E o que aconselha a quem está na mesma situação e o que lhes diz?

Saí de casa dos meus pais aos 16, 17 anos – coisa que não aconselho – e vivia em casas de amigas, tipo nómada. A minha mãe morreu quando eu tinha cinco anos, fui criada pela minha tia que dizia que havia tensão. Então, para não me sentir culpada de alguma desgraça, saí. Fui menina de comprar tomate, cebolas, lavar casas de banho, e fiquei amiga de cantoras. Fui bailarina, foi tudo construído com paciência e sem bater de frente com ninguém, com humildade, por isso estou aqui.

A sua família aceitou-a quando? Já com êxito?

Digamos que não. Foi a meio, era já bailarina. O meu irmão, que vive na Inglaterra e é bem mais esclarecido na matéria, conversou com a família, e fomo-nos aproximando. Graças a Deus, a minha família pode ser contra, mas eles respeitam porque acolhem. Aos meus 23, 24 anos comprei a minha casa. Tornei-me investidora do meu trabalho, e o que ganho, planto na minha carreira há 12 anos.

E agora, para onde investe?

Já tenho um trabalho com Pablo Vittar, e quem sabe um dia canto com a Nikki Minaj, Cardi B, Doja Cat. Há muitos cantores internacionais que eu vejo e com os quais gostava de trabalhar. Gosto de agarrar oportunidades, vou atrás e vou fazer acontecer.

Qual o objetivo?

Cantar boa música. Não gosto de largar oportunidades, tento agarrar todas. Portugal é o país a partir do qual pretendo internacionalizar a minha carreira para a Europa, tenho muito trabalho a mostrar.

Como está a correr o processo?

Demorado, claro. Tenho de me adaptar aqui, a fazer músicas que tocam cá e no mundo. Então, estamos aqui a trabalhar devagar e bem. Sou uma pessoa paciente e sempre soube esperar. Quero poder fazer músicas que tenham a ver com Portugal. Muitas vezes as que fazemos em Angola não têm nada a ver com as que tocam cá. São sonoridades diferentes, mas nunca sem perder a minha essência. É preciso estudar o mercado, a linguagem, a gíria, é muito diferente.

E os temas também diferem? Em quê?

Os temas são os mesmos, música de imposição, alegre, de empoderamento. Música de amor, eu interpreto tudo, depende.