Dezenas de milhares de pessoas desfilaram na baixa de Los Angeles em protesto contra a eventual abolição do direito federal ao aborto, depois de um rascunho do Supremo Tribunal ter sido conhecido antes da decisão final.
“Não voltaremos para trás”, “o meu corpo, a minha escolha” e “resistam” foram algumas das palavras de ordem gritadas por um rol de celebridades e políticos progressistas e repetidas pela multidão, que poderá ter chegado às 50 mil pessoas, segundo a organização da Women’s March Foundation.
“As mulheres sempre encontraram formas de fazerem abortos. Tornar este procedimento ilegal não vai acabar com os abortos, só vai impedir as mulheres de o fazerem de forma segura“, disse a atriz Milla Jovovich, conhecida por filmes como O 5.º Elemento e Resident Evil, no palco montado junto à câmara de Los Angeles.
E acrescentou: “Uma vez que esta porta esteja aberta, o tribunal empilhado por [Donald] Trump vai ter o poder de mudar o curso da História, desfazendo todas as vitórias de direitos humanos conquistadas com esforço durante os últimos cinquenta anos”.
“Isto é abuso. Isto é tortura do estado”, acusou Milla Jovovich
Se o precedente legal estabelecido em 1973 no caso Roe v. Wade for desmontado, como indicado no rascunho que foi divulgado anonimamente, o aborto deixa de ser um direito constitucional e será ilegalizado em mais de metade dos Estados Unidos. Há 26 estados com legislação preparada para abolir parcial ou totalmente o acesso a abortos, mesmo no caso de violação, incesto, ou grave perigo para a vida da mulher.
“Isto é abuso. Isto é tortura do estado”, acusou Milla Jovovich. “Este é um país que está a ser governado por fundamentalistas religiosos e isso tem de acabar”.
O protesto integrou-se num dia nacional de luta, Bans Off Our Bodies, com marchas em centenas de cidades, incluindo Chicago, Nova Iorque e Washington, D.C.
Em Los Angeles, o senador Alex Padilla avisou os manifestantes de que o movimento conservador “não vai parar por aqui”, referindo declarações feitas por políticos republicanos, entre os quais o líder minoritário do Senado Mitch McConnell, sobre potenciais restrições a contracetivos, fertilização ‘in vitro’, dispositivos intrauterinos e até uma proibição nacional do aborto.
A atriz Christine Lahti (Lei & Ordem, Chicago Hope), sublinhou que as meninas e jovens mulheres terão menos direitos que as gerações anteriores e que isto se trata de opressão feminina.
“A nossa raiva coletiva é o nosso superpoder”, declarou. “Por muito que isto nos assuste, a verdade é que nós os assustamos a eles. Somos uma ameaça perigosa para o seu poder patriarcal”, continuou. “Isto não é sobre a santidade da vida, é controlo sobre às mulheres”.
“Abolir Roe v. Wade é racista”
Ao lado do palco principal, um grupo de homens que empunhavam sinais religiosos contra o aborto acabou por ser levado a dispersar por manifestantes pró-escolha.
“Abolir Roe v Wade é racista”, disse Nury Martinez, presidente do conselho da cidade de Los Angeles. “Isto vai afetar as mulheres pobres e de cor, porque as mulheres ricas e bem conectadas terão recursos para viajar para outro estado e fazer abortos”, apontou.
Martinez disse também que o partido republicano, que lidera os esforços para banir o aborto, se recusa a aprovar acesso universal a cuidados de saúde, a creches e a licença de maternidade ou paternidade.
Esta questão foi sublinhada em várias intervenções e refletia-se nos muitos cartazes empunhados pelos manifestantes, com a ideia de que os conservadores antiaborto são “pró-feto” mas recusam auxílio às crianças e às famílias depois do nascimento.
Sindicato dos atores anuncia cláusula para proteger mulheres
A ‘chair’ do Sindicato dos Atores, Lisa Ann Walter, revelou que os contratos passarão a incluir uma cláusula em que se uma mulher precisar de cuidados reprodutivos de emergência, por exemplo no caso de uma gravidez ectópica, os produtores têm de a levar para um estado onde esses cuidados sejam legais.
“Estamos a enviar uma mensagem ao mundo de que não vamos desistir e não vamos dar o controlo dos nossos corpos ao Supremo”, afirmou a congressista Maxine Waters, que representa o 43.º distrito da Califórnia.
120 milhões de gravidezes indesejadas no mundo, todos os anos
Na edição de 14 de maio da revista científica de medicina britânica The Lancet, o editorial defende que a ilegalização do aborto colocará em risco a vida de muitas mulheres e contabilizou em 120 milhões o número de gravidezes indesejadas que ocorrem anualmente em todo o mundo.
Joely Fisher, meia-irmã da atriz Carrie Fisher, e Frances Fisher, mãe da “Princesa Leia”, da saga “Star Wars”, também subiram ao palco para falarem em defesa do direito das mulheres tomarem as suas próprias decisões reprodutivas.
“O facto de as probabilidades estarem contra nós não significa que não venceremos”, disse Frances Fisher, citando a seguir Martin Luther King Jr. “O arco moral do universo é longo, mas tende a curvar-se em direção à justiça, e nós vamos curvá-lo agora”.
Numa manhã de muito calor na primavera angelina, os manifestantes ouviram ainda palavras do mayor Eric Garcetti, da congressista Karen Bass, da advogada Gloria Allred, da senadora estadual Sydney Kamlager e da CEO da Planned Parenthood Alexis McGill Johnson.
LUSA