Rosa Monteiro: “A diferença salarial de género encurtou-se”

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Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro [Fotografia: Leonardo Negrão/Global Imagens]

Em outubro de 2017, quando assumiu a pasta da secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, natural de Coimbra e com percurso político na autarquia de Viseu, já estava no ministério adjunto de Eduardo Cabrita. Em 2016, a socióloga tinha passado a integrar a estrutura como técnica especialista para a área da igualdade de género e cidadania.

Rosa Monteiro sucedeu a Catarina Marcelino, uma saída vista com bastante surpresa por parte dos operadores e intervenientes nas áreas sociais da Igualdade e da Cidadania. Agora, a dois meses do fim da legislatura, e na véspera de se assinalar o Dia Internacional da Igualdade Feminina, a responsável política faz um balanço ao Delas.pt, numa conversa telefónica, sobre o que foi feito, o que deveria continuar a ser realizado e o que, tendo em conta os dados do país, parece não estar a dar os devidos frutos.

Da conciliação à violência doméstica e contra as mulheres, da formação, da educação à impunidade, Rosa Monteiro diz que este ciclo se fecha com mais igualdade entre géneros e com uma diferença salarial entre homens e mulheres encurtada. Valores, contudo e como tem sido público, estão longe da igualdade.

Uma conversa, que teve lugar no início de agosto, na qual Rosa Monteiro se mostra disponível para continuar a trabalhar nestas matérias. Consoante a futura configuração da Assembleia da República, fruto dos resultados das legislativas de 6 de outubro, deixa no ar a eventual vontade de continuar a trabalhar nesta pasta.

A cerca de dois meses do fim da legislatura, o que ficou por fazer na pasta da Igualdade e Cidadania?

Gostava de aprofundar programas específicos para evitar a segregação sexual no trabalho. Criei o projeto ‘Engenheiras por um dia’ e vejo que cada vez mais empresas e estruturas estão mais conscientes desta necessidade e lhe dão a importância. Temos de continuar a trabalhar muito, sobretudo no que diz respeito à desigualdade das mulheres no local de trabalho e de programas específicos que têm de ser identificados para isso. Nesta legislatura, procuramos trabalhar a representação equilibrada das mulheres, na capacitação de raparigas e mulheres na participação da vida publica, política e cívica. Criámos uma linha [de financiamento] EE Grants para projetos a nível local.

Mas, em concreto e ao nível do género, o que gosta de ter feito?

Tenho-me apercebido, até pelas minhas origens, das assimetrias no país, de como as mulheres, vítimas de desigualdades e segregação, têm depois necessidades que não são iguais entre si. É um trabalho que tem de ter em conta esta diversidade. Há ainda a questão das interseccionalidades, em que as mulheres surgem como um coletivo, mas diverso. Por exemplo, o trabalho que temos feito com as mulheres ciganas, com o Alto Comissariado para as Migrações para tratar estas matérias. Há aqui um olhar para a diversidade e para aquilo que são as necessidades específicas, uma linha de trabalho a aprofundar na área da igualdade.

Esperava ter ido mais longe conciliação entre a vida familiar e profissional e na área da concertação social?

A questão da concertação social estava muito ligada à igualdade e a questão da transparência.

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Nos planos iniciais ainda definidos pela antecessora na pasta, Catarina Marcelino, essa matéria era abordada.

Em setembro, haverá reunião de concertação sobre conciliação familiar. Nesta área, temos o programa 3 em Linha, que é aberto e multisetorial e reúne medidas que vão desde os cuidados, o plano laboral, as ações com as entidades da administração publica central, que muitas não tinham programas de conciliação e passaram a incluir nos seus objetivos anuais medidas nestas áreas. Temos financiamento que apoia entidades e ter mais criação de medidas. Houve ainda medidas no domínio da mobilidade.

E o que pode ser feito na conciliação?

Sabemos que o tempo do trabalho ocupa cada vez mais tempo às nossas vidas, invade inclusivamente o espaço das famílias e com assimetrias de género significativas. O primeiro ministro António Costa sempre alertou para o facto de as questões da conciliação ser um problema de mulheres e de homens, de todos, e que também têm de lutar para ter melhores condições.

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A igualdade salarial entre géneros ficou àquem do que esperava?

A diferença salarial de género para as mesmas funções e para funções de igual valor encurtou-se.

Não porque tivessem existido medidas extraordinárias, mas porque o salário mínimo nacional aumentou. E as mulheres são quem mais o recebe.

Salário mínimo nacional e não só. Houve um aumento de rendimento que ajudou a encurtar a distância. Creio que o barómetro vai trazer muito conhecimento e detalhado, vai desagregar setores, trazer informação para melhor intervir. O recurso à Comissão para Igualdade no Trabalho e no Emprego são passos importantes que podem ajudar a erradicar esta vergonha que são as discriminações de mulheres por trabalho e valor igual ao dos homens. Por isso, com todo o pacote de igualdade que foi desenhado nestas áreas, lançámos ferramentas importantes legislativas e de natureza técnica e que hoje permitem maior precisão e informação.

E na violência doméstica. Apesar de todas as iniciativas, os números continuam dramáticos. O que está a correr mal?

A violência contra as mulheres torna visível a forma como as desigualdades persistem. Na sua expressão mais dramática, deve indignar, mobilizar e exige um trabalho permanente. Nunca tivemos a capacidade de resposta que temos hoje, com rede de apoio nacional às vítimas, que funciona de forma mais integrada, com o sistema de informação e gestão de uma rede que inclui mais 200 estruturas, com mais coordenação, com a equipa da análise e retrospetiva, que vai permitir uma maior compreensão deste fenómeno, com mais formação e capacitação.

Persiste a ideia de impunidade.

Continua a existir, penso que menor. Há uma maior noticiabilidade e escrutínio sobre o desempenho das entidades envolvidas e em tornar públicos os casos de violência contra as mulheres, a detenção dos agressores. Temos de reforçar que há hoje mais respostas, que funcionam em rede, assinámos, por exemplo, um protocolo com todos os concelhos do Algarve para ter estruturas de atendimento especializado com duas Organizações Não Governamentais. Também o fizemos em Portalegre e em outras áreas.

Falou-se na alteração da lei para as questões da violência doméstica. O programa eleitoral do Partido Socialista [governo de que Rosa Monteiro faz parte] pondera mexer na Constituição à luz da violência doméstica, António Costa foi até mais taxativo. Há margem para isto?

Há aperfeiçoamentos a fazer, mas a realidade é que esta não é uma altura, vamos entrar em processo eleitoral. Mas temos as recomendações da Comissão Técnica que nos indicam áreas de trabalho muito concretas.

E quais são as prioritárias para si?

A criação de sistema de informação com dados fidedignos e que permitam a monitorização permanente e a perceção do fenómeno na sua globalidade. A questão da formação em modelos, em análise de casos e com equipas, a grupos mistos e que atuam no território. Já temos este modelo de formação em rede, de intervenção integrada, de trabalho a nível da prevenção.

Vem aí eleições legislativas [6 de outubro]. Se a composição da Assembleia da República se mantiver, gostava de continuar na pasta?

Sempre trabalhei nestas áreas e em trabalhos académicos como professora e investigadora. Gosto de analisar, de criar soluções e de as ver acontecer. Estou sempre disponível para este trabalho.

Está a dizer que sim?

[Riso] Temos de ter sempre disponibilidade para o país.

Mas é possível que tal suceda?

Aquilo que me concentra é fazer o meu trabalho até ao fim, é chegar a outubro com tudo devidamente organizado e deixar esta legislatura com este conjunto de ganhos.

Ficou com o ‘bichinho’ da política?

Acho que esse é um ganho que temos. A minha tese de doutoramento foi sobre Políticas Públicas de Igualdade desde os anos 1970 e foi um tema apaixonante perceber como somos um país ímpar no contexto europeu, com um conjunto de inovações e de abordagem à política e que nos torna especiais e quem passa por estas pastas percebe.

No âmbito académico. E político?

Trabalhei em muitos dossiês e nas políticas de igualdade, trabalho no Ministério há bastante tempo.

Mas a realidade é sempre diferente da investigação.

É bastante mais difícil do que se imagina quando não se conhece. E eu já conheço, mas é sempre muito diferente.

Imagem de destaque: Leonardo Negrão/Global Imagens

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