Sahar, a iraniana em Portugal que pede apoio para as mulheres do seu país

Sahar
À esquerda na imagem, Sahar fala pelas mulheres iranianas e luta contra a repressão que elas viovem no seu país [Fotografia: DR]

Sahar, de 37 anos, é iraniana e está há dez anos em Portugal, fugida do Irão depois de ter sido violentada inúmeras vezes pelo seu companheiro. Este, contou a iraniana, não só a ameaçava a ela mas também o pai, de quem chegou a partir vários objetos de valor. Determinada a oferecer algo mais ao seu filho, com quem mora agora em Casal de Cambra, Sintra, escolheu Portugal para seu refúgio e aqui tem estado, como afirma, “feliz”.

No fim da tarde da segunda-feira, 26 de setembro, foi a primeira mulher a pegar no microfone e a dar o seu testemunho diante de mais de cem pessoas que se reuniram na Praça Camões, em Lisboa, para homenagear Mahsa Amini. A cara desta jovem de 22 anos detida pela Polícia da Moralidade do Irão por alegadamente usar de forma indevida o véu islâmico e morta sob custódia das autoridades é – e tem sido nos múltiplos protestos pelo mundo – a principal figura em cartazes de apoio às mulheres iranianas.

A história trágica de Sahar é uma no seio de uma sociedade onde o estatuto feminino viu uma regressão ímpar nos nossos tempos. A Revolução Iraniana de 1979 tornou o país “irreconhecível”, entende Sahar. Visivelmente emocionada, recorda que nem sempre o país foi assim e que a sua própria mãe experienciou um Irão livre e aberto a uma cultura mais ocidentalizada, onde as mulheres podiam ir à universidade e usar vestidos tão regulares e discretos como aquele que Sahar usava na tarde de segunda-feira. “Os portugueses não têm noção da violência que existe contra as mulheres no meu país”, disse.

Apesar de encarar Portugal como um local seguro e acolhedor de novos povos, a iraniana, que trabalha agora como chefe de inventários, confessa que “não foi fácil” mudar as opiniões a seu favor quando chegou ao país. Diz ter sentido algum estigma por ser muçulmana, embora não use véu. Agora afirma que está feliz pelas colegas com quem trabalha diariamente e contente por ter mudado a perspetiva das pessoas de quem se rodeia, sejam amigos, colegas ou vizinhos.

Sahar conta que, ao início, os vizinhos pediam-lhe que tivesse atenção para que o cheiro dos seus cozinhados não se espalhasse pelo prédio inteiro, mas que agora já querem as suas receitas, e já lhe pediram mesmo para comprar casa na zona onde está atualmente a arrendar.

A sua experiência tem sido transversalmente positiva, mas, ainda assim, Sahar lamenta que “o povo português não conheça melhor a cultura iraniana” dado que, entende, “em alguns aspetos, não é assim tão diferente da portuguesa”. “Nós gostamos muito de conviver com outras culturas e de falar com outras pessoas, temos várias comunidades para além da comunidade muçulmana, mas o nosso Estado não deixa que essa imagem passe”, explica.

A viver em Casal de Cambra, em Sintra, sublinha o sentimento de segurança que tem ao viver em Portugal e tem “muito a agradecer ao chefe da polícia de Casal de Cambra por tanto a ter apoiado e aceite a sua cultura quando chegou”.”Aqui posso dar ao meu filho aquilo que eu não tive no país onde nasci”, conclui.

Mais entidades, maior divulgação

As mais de 100 pessoas que marcaram presença na homenagem a Mahsa Amini, na Praça de Camões, em Lisboa, juntaram vozes e cânticos de pesar não apenas pela jovem iraniana morta, mas também por todas as mulheres que agora se levantam em defesa dos direitos no país e se revoltam contra o governo que, afirma Sahar , “impede qualquer sentimento de liberdade que possamos ter”.

Na manifestação, que contou com mulheres, homens, jovens e crianças, estiveram representadas 20 entidades, a maior parte de apoio e promoção dos direitos das mulheres, mas também de defesa dos direitos da comunidade LGBTQI+, numa tentativa de captar o olhar público para outros problemas de que o Irão também padece: a perseguição das minorias sociais.

A Por Todas Nós, A Coletiva, Clube Safo, Feministas em Movimento, UMAR, Grupo de Apoio a Pessoas Queer, Núcleo Feminista da NOVA-FCSH, o Núcleo Feminista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a Rede 8 de Março e a Plataforma de Solidariedade com os Povos do Curdistão assim como diversas associações LGBT de todo o país foram algumas das entidades e organizações que se fizeram representar no protesto.

Almerinda Bento, de 71 anos, é professora reformada, membro da Feministas em Movimento, e vinca ser “fundamental haver demonstrações de apoio ao povo iraniano, e sobretudo às mulheres iranianas”. Sublinha que, caso não existissem estas manifestações, “não ouviríamos a voz de nenhuma mulher iraniana em Portugal”.

“Tenho 71 anos, vivi no tempo em que o Irão não era assim, em que as mulheres podiam andar vestidas nas ruas do Irão como andam pelas ruas de Lisboa”, conta Almerinda. Acrescenta que “é totalmente descabido que o Irão tenha um código moral como aquele que vigora neste momento, e a Comunidade Europeia deveria ter uma posição clara de repulsa pelo que está a acontecer particularmente contra as mulheres”.

Solidariedade internacional ajuda

Presente na manifestação, Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, defende que a Europa devia ter uma posição mais forte no tratamento das matérias dos direitos das mulheres. “As lições devem ser retiradas de outras lutas e, se aprendemos algo, a solidariedade internacional é o que faz com que estas mulheres não se sintam sozinhas”. “Extremamente corajosas, são vítimas de uma repressão fortíssima dos direitos mais básicos que existem”, acrescenta.

A líder e deputada única do Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Inês Sousa Real, lamenta que “aquilo que no nosso país damos por tão certo como por exemplo, sair à rua sem nada na cabeça, não seja ainda uma realidade em muitos países”. Inês Sousa Real, presente no protesto, defende, na mesma linha de Joana Mortágua, a tomada de uma posição firme por parte da comunidade internacional e por parte da União Europeia.

“O crescimento de forças populistas de extrema-direita”, em menção ao resultado das recentes eleições italianas, é também um sinal “sintomático e de alerta”, diz. “A vigilância constante dos direitos humanos é uma necessidade e a União Europeia tem de se reforçar como um projeto comum”, afirma. “Portugal já é um desses países em que os sintomas de uma extrema-direita populista começam a ser sentidos”, lamentou.