Marisa Orth: “Houve mulheres que me disseram: ‘Era tão burra que vi a Magda e fui estudar”

Quase duas décadas depois, o elenco da popular série brasileira Sai de Baixo regressou de forma consistente para mais uma aventura, agora no cinema. Uma história em que a célebre e peculiar família paulista encabeçada por Miguel Falabella, na pele de Caco Antibes, e Marisa Orth, a célebre Magda, troca a não menos conhecida sala de estar do apartamento por peripécias que chegam a ter lugar num autocarro.

Mas, tantos anos depois, o que mudou nos personagens? “Nada”, atira Marisa Orth ao Delas.pt e à margem da conferência de imprensa de apresentação do filme que estreia esta quinta-feira, 23 de maio. “Foi muito bom voltar a fazer a Magda, foi mais fácil do que imaginava”, diz a atriz.

Marisa Orth na pele de Magda [Fotografia: Mariana Vianna/Divulgação]
Marisa Orth na pele de Magda [Fotografia: Mariana Vianna/Divulgação]
Primeiro, prossegue, “porque coube no figurino, o tamanho de saia é o mesmo e a justeza da cintura também, então, estou feliz”. Depois, porque “é uma personagem que nasce em função dos outros”.

Hoje, Marisa Orth não duvida que a sua Magda, dentro de todos os estereótipos, “trouxe mais consciência” ao sexo feminino. E revela: “Houve mulheres na rua que me disseram: ‘Era tão burra que vi a Magda e fui estudar”.

Por isso, mesmo que a personagem fosse criada hoje, a Magda teria e seria aceite como foi no virar do milénio. “Se ela nascesse hoje, seria aceite. A personagem da parva, do louco, do gostoso, da boazona, com a sexualidade levantada é estrutural na comédia desde o século XII. As pessoas entenderiam na mesma”, refere a atriz.

Cheio de vicissitudes por parte do elenco (doenças e até uma perda), o argumento final não corresponde por inteiro ao inicial. O que não constitui, para Miguel Falabella – ator e coautor neste trabalho –, qualquer problema.

“Voltámos ao improviso, que foi sempre foi politicamente incorreto e livre”, diz Miguel Falabella

“O argumento original acabou por se perder, mais uma vez voltámos ao improviso, que foi sempre foi politicamente incorreto e livre. Não fomos cerceados, continuamos com o mesmo espírito”, garante o ator ao Delas.pt. “Este é um filme que fala sobre pobreza, atitudes ilícitas”, vinca Marisa Orth. “A vilania das personagens está a chegar ao limite total, que é exatamente para onde estamos a levar o mundo hoje em dia: com tantos pobres ao lado de gente tão rica. Tudo isso me parece punk. Não quero saber se isso é esquerda, direita, cima ou baixo, é maldade pura”, refere a atriz.

E Miguel prossegue: “Se eu como artista, como criador viver sob o medo do julgamento das pessoas, isso não pode ser. Acabei de entregar uma série que é completamente louca: Eu, a Avó e a Boi. Não posso, como artista e como criador viver sob o medo do julgamento das pessoas. É para continuar a provocar”, refere.

Em 1996, Miguel Falabella e Marisa Orth tomavam de assalto um palco televisivo que, ao contrário das expectativas iniciais, veio para ficar. Durante seis anos e ao longo de sete temporadas e mais de 240 episódios, a trama em torno de uma família de São Paulo, Brasil, tornava-se num marco da história televisiva com a assinatura da Globo. Sai de Baixo transformou-se num êxito que atravessou fronteiras e que teve exibição em Portugal, pela mão da SIC.

Agora, para lá da reexibição da narrativa que está a ter lugar no canal Globo Portugal, aos domingos à tarde, chega também o filme às salas de cinema. Caco Antibes, Magda, a família, a empregada e o porteiro regressam para uma nova aventura.

E o Brasil: Hora de ficar e “resistir”

E se a crítica de costumes perpassa o filme – como era evidente na série televisiva -, como deve ser feita a análise ao Brasil de agora e desde que Jair Bolsonaro se tornou presidente. “É um momento muito difícil, mas é também uma altura em que descobrimos uma força, e é fundamental que nós, que estamos a passar o testemunho para as novas gerações, passemos essa força e essa vontade de resistir. Vamos continuar a fazer”, promete Falabella.

Por isso, é hoje prioritário “falar dessa imensa desigualdade que não conseguimos nunca sanar. Temos de falar dessa brutalidade que é o sistema do Brasil”, sublinha. O ator, recorde-se, tem sido particularmente crítico da liberalização da caça no Brasil e dos cortes que estão a ser feitos às políticas culturais.

Marisa Orth tem perspetiva semelhante. “Não estou muito otimista, mas sou muito esperançosa. Quero acreditar numa consciencialização melhor do povo”, antecipa. “Não acredito em guerra, em revolução armada, não acredito em armas, nem violência. Ela está a ser mais liberalizada. Se a violência desse certo, o mundo já estaria ótimo. Acredito numa resistência pacífica e acho que a paz é mais fácil do que a guerra”, conclui.

 

Imagem de destaque: Mariana Vianna/Divulgação

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