Salvar fora de água: “na prática, não muda muita coisa”

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Cheila Estrela tem 27 anos e é nadadora salvadora desde 2014. Alexandre Diogo, de 45 anos, é nadador salvador há mais de 25 anos e chefe de equipa dos nadadores salvadores da zona Praia da Areia Branca, Lourinhã. Ambos os profissionais, entrevistados pelo Delas.pt, têm a mesma opinião e explicam as medidas lançadas esta semana relativas à abertura das praias e aos cuidados com a ter com a época balnear.

“Na prática, não muda muita coisa”, reagem ambos, mesmo quando confrontados com a orientação para darem privilégio ao salvamento fora de água.

No decorrer desta semana foram sendo lançadas várias medidas sobre a época balnear, que em vários locais abre a partir de dia 6 de junho, sábado. Neste sentido, o Instituto de Socorros a Naufrágios (ISN) fez uma sessão de esclarecimentos online para todos os nadadores salvadores, a 4 de junho e, na prática, não existe muita alteração aos procedimentos já adotados nos salvamentos, com exceção, claro, de uma maior necessidade de equipamentos de proteção individual para os profissionais e mais desinfeção de materiais, seja ao final do dia ou após a utilização dos mesmos.

Um dos tópicos que mais tem criado polémica é o conselho para que os nadadores salvadores privilegiem o salvamento fora de água. Mas será que esta é uma novidade assim tão grande?

“O bom nadador salvador é o que aposta na prevenção e não o que faz muitos salvamentos”

Se faz parte daquela fatia populacional que levantou o sobrolho com o facto de os nadadores salvadores serem aconselhados a evitar entrar dentro de água para executar um salvamento, fique a saber que esta já é a indicação que os mesmos recebem ao fazer o curso.

A entrada na água é sempre o último recurso, pelos riscos todos que pode acarretar. O importante é a prevenção – os avisos, os apitos, a consciencialização e explicação – de forma a antever possíveis situações de perigo, evitando-as. Até porque, tal como afirma Cheila Estrela, “o bom nadador salvador é o que aposta na prevenção e não o que faz muitos salvamentos”.

Se o nadador, por exemplo, vir duas crianças sozinhas à borda de água, é importante que previna uma possível situação de perigo, entregando-as aos seus parentes. Se uma pessoa está no mar a ficar sem pé, ou a ser levada pela corrente, o nadador já era aconselhado a dar indicações antecipadas aos banhistas para que consigam sair pelo próprio pé de água. O salvamento dentro de água já era prática evitada, sendo executada como último recurso. “Entrar dentro de água é sempre um caso a evitar, até porque nunca sabemos o que vamos encontrar”, explica a profissional, acrescentando que, na sua opinião, o que poderá mais mudar é que “os nadadores salvadores poderão tentar estar ainda mais presentes e evitar, assim, o salvamento”.

Além do mais, os nadadores dispõe de vários meios de salvamento, tais como cordas (que têm dois metros e que podem ser lançadas ao náufrago, para que se consiga puxar o mesmo para terra), prancha, cinto, vara, boias. “O que se pede é que tentemos, antes de entrar na água, fazer com que o náufrago alcance o meio, puxando-o para terra. Mas isto já era a prática habitual”, afirma Cheila Estrela.

“Sempre foi assim. O método de salvamento deve ser sempre o chamado de “alcançar”, ou seja, o melhor método de salvamento é sempre o de não ir para a água. Se virmos prontamente uma pessoa em dificuldade, aconselhamos para ir mais para ali ou mais para acolá”, reitera Alexandre Diogo.

Se a pessoa estiver inconsciente, há salvamento dentro de água

No entanto, se a pessoa em questão estiver inconsciente ou em paragem cardiorrespiratória, o nadador terá sempre de entrar dentro de água, sendo que a diferença agora é que precisa, neste sentido, de colocar uma espécie de máscara de mergulhador, para socorrer a vítima. Com as novas indicações, o segundo nadador habitualmente presente na praia, deverá estar, aquando o salvamento, a equipar-se com luvas, bata, máscara e viseira, de forma a estar protegido e conseguir, se necessário, realizar insuflações à vítima.

Sobre o salvamento em si, é importante também ressalvar a ideia de que já era habitual manter um distanciamento sobre a vítima, até porque a mesma pode estar em choque e não se sabe como pode reagir. “O ideal é ficar sempre a cerca de três a quatro metros de distancia do náufrago, tentando sempre alcançar o meio e puxar a vítima. Mas este já era o ideal, mesmo antes da pandemia”, explica a profissional. Era também já aconselhado a que a vítima fosse virada de costas, porque o pânico pode fazer com que a mesma dê socos e faça movimentos bruscos que dificultem o processo.

Quanto à respiração boca a boca, esta prática também já estava em desuso. Os nadadores salvadores têm um kit, que se chama pocket mask e que tem um insuflador manual. Este objeto é colocado na boca da vítima e bombeado, para que a mesma receba oxigénio. Esta prática vai continuar a acontecer, sendo que o nadador terá, durante a pandemia, que estar equipado corretamente antes de executar esta ação.

“Se, por acaso, estivermos sozinhos, deveremos chamar ajuda, colocar uma máscara ou um pano na boca da vítima e fazer apenas compressões torácicas até que chegue ajuda diferenciada”, explica Cheila Estrela ao Delas.pt.

Salvamentos em terra – porque os perigos não estão só no mar

Quando pensamos em nadadores salvadores, vulgarmente associamos a perigos dentro do mar, no entanto, há muitos outros trabalhos que também fazem parte desta rotina diária. Quedas nas rochas com esfoladelas nos joelhos, picadas de peixe-aranha, quedas acidentais onde se desloca um ombro são apenas alguns dos exemplos enumerados pelos dois profissionais da área. E é aqui que entra o principal problema. “Aqui vai entrar mais a dificuldade. Isto é crucial. Mais depressa fazemos cinco curativos num dia do que cinco salvamentos”, explica Cheila.

As pessoas acabam por ir aflitas até ao ponto socorro e vão, muito provavelmente, sem a sua máscara de proteção individual. Nestes momentos, o nadador salvador deverá, antes de socorrer a vítima, equipar-se corretamente, de forma a garantir a sua segurança. E aqui sim, numa hora de aflição, pode ser mais complicado”, começa por explicar a jovem de 27 anos.

Também Alexandre partilha da mesma opinião, confirmando que os salvamentos em terra, que são também os mais vulgares, vão ser mais complicados: “Porque, na aflição, o nadador salvador tem de, sempre, primeiro, salvaguardar a sua integridade. Mas, na realidade e na aflição, às vezes acaba por ser diferente. Antes já existiam outros riscos e doenças, como a hepatite ou o HIV e, por isso, já existiam alguns cuidados. Como agora estamos numa pandemia, torna-se mais importante esta proteção, no entanto, no momento, é complicado. Porque uma coisa é o que estão nos manuais, outra, é estar na ação”, reitera o profissional.

Em suma, a pandemia veio alterar algumas normas comportamentais no meio dos nadadores salvadores mas, na prática, a maior parte das medidas preventivas já eram comuns nos salvamentos.