“A mudança não virá da esfera presidencial, a pressão virá dos republicanos”

Sarah McCarthy Welsh
Lisboa, 8/3/2017 - Sarah McCarthy Welsh, posa na Reitoria da universidade de Lisboa. Dirige a Massachusetts Women’s Political Caucus, uma organização que ajudou a eleger 250 mulheres para cargos políticos no Massachusetts nos últimos 40 anos e foi a promotora da Marcha das Mulheres. (Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Sarah McCarthy Welsh é diretora-executiva do Massachusetts Women’s Political Caucus, que existe desde 1971, naquele estado norte-americano, e que já ajudou a eleger 250 mulheres para cargos políticos. Essa é a missão primordial da organização que dirige desde agosto de 2016 e que veio representar às Women Talks, no passado dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher –, na Reitoria da Universidade de Lisboa. Sarah McCarthy Welsh foi também promotora, em Boston, da Women’s March (Marcha das Mulheres), a manifestação que, em 21 de janeiro, reuniu milhares de mulheres em cidades dos Estados Unidos e na Europa contra as políticas de Donald Trump. O sucesso destas iniciativas de protesto, o retrocesso que as medidas da nova administração americana podem significar para as mulheres, as conquistas que estas obtiveram recentemente no seu estado foram alguns dos tópicos da entrevista que deu ao Delas.pt

Organizou o protesto Women’s March de Boston, a 21 de fevereiro, que contou com a participação de mais de 175 mil pessoas. Surpreendeu-a ter aderido tanta gente?
Fiquei completamente surpreendida. Quando acordámos, pela primeira vez, realizar a marcha, em dezembro, os números rondavam as 20 mil participações. Depois passaram a 40 mil, 60 mil… Quando chegámos às 100 mil ficámos bastante surpreendidas e, entretanto, aconteceu uma série de fatores. Pôs-se um dia lindo em pleno mês de janeiro. Em Boston, o inverno nunca é ameno nem está sol. Mas, mesmo assim, acho que foi mais do que o tempo que fez com que 175 mil pessoas se juntassem na manifestação.

Até à data a Women’s March foi a maior manifestação contra a administração de Donald Trump. Porque é que as mulheres se organizaram tão rapidamente, e que importância podem ter tido estas manifestações para os movimentos femininos, num futuro próximo?
Uma coisa que foi interessante na marcha de Boston é que tivemos cerca de 125 parceiros da comunidade envolvidos. E, sim, as mulheres estavam na dianteira, mas também estiveram organizações envolvidas na questão das alterações climáticas, diferentes tipos de organizações LGBT. Ou seja, estiveram lá 175 mil pessoas, cada uma com as suas preocupações sobre como é que esta nova administração as poderá afetar. Mas à frente estavam as mulheres, usando os gorros cor-de-rosa com cartazes fabulosos. Nunca vi tanta criatividade. Eu estava no palco e nenhuma de nós [da organização] estava preparada para aquilo em que se tornou essa marcha e para todo aquele entusiasmo. E foi muito interessante ter uma manifestação daquele tamanho em Boston – em que há todos os tipos de proteção policial, proteção contra o terrorismo, em que se tem de ter um seguro quando se reúne tanta gente – e não ter havido qualquer incidente, de nenhum tipo. Tivemos todas aquelas pessoas ali e nada correu mal. Foi perfeito.

Esta marcha teve uma forte expressão internacional, tendo havido manifestações em vários países do mundo…
Ficámos encantadas com essa adesão. Quando estava a sair da minha casa, na televisão já estavam a mostrar a Austrália e outros locais. Parecia que estava a ver as imagens que mostram dos outros países a celebrar a Passagem de Ano. Foi realmente uma coisa muito unificadora.

E qual foi a reação da administração Trump a estas marchas, que decorreram também em diferentes cidades americanas? Sentem ter havido algum recuo em algumas das posições assumidas em relação aos direitos das mulheres, no tom do discurso sobre essa temática ou aconteceu o contrário?
É interessante. O presidente, neste momento, está naquele período que costumamos chamar de “lua-de-mel”, que são os primeiros 100 dias no cargo e em que se dá alguma folga. Mas esses 100 dias permitem que o presidente comece a mostrar aos cidadãos quais são as suas principais preocupações. Por exemplo, uma das primeiras coisas que [Donald Trump] fez foi tentar revogar os direitos das pessoas transgénero usarem a casa de banho onde se sentissem mais confortáveis. Não estou a dizer que isso não é um assunto importante, mas quando se é eleito porque se prometeu empregos e não se está a concretizá-lo… Ok, tem 100 dias, mas acho que até a sua base de apoio irá virar-se contra ele se não vir algumas movimentações em torno das coisas importantes que prometeu.

E quanto aos cortes orçamentais anunciados para programas de apoio às mulheres…
Como o Planned Parenthood [Planeamento Familiar], por exemplo?

Sim, em que ponto estão essas medidas e qual será o seu impacto social se realmente avançarem?
Bom, isso é algo que esta administração se está a preparar para fazer e que também fará, provavelmente, através das nomeações para o Supremo Tribunal de Justiça, que deverão espelhar a mesma ideologia. O que estamos a fazer no país, e acho que muito bem, é que temos muitas organizações de mulheres e todas nos unimos. Se houver uma votação que possa pôr em risco o Planned Parenthood a minha organização imediatamente mobilizará as pessoas para falarem com os seus representantes no Congresso ou no Senado. E nós realmente trabalhamos muito bem juntas. Mas no sábado, dia 5 de março, houve outra manifestação em Boston com muitas das pessoas que participaram na outra, com o objetivo específico de protestar contra o anúncio de cortes no Planned Parenthood.

Lisboa, 8/3/2017 - Sarah McCarthy Welsh, posa na Reitoria da universidade de Lisboa. Dirige a Massachusetts Women’s Political Caucus, uma organização que ajudou a eleger 250 mulheres para cargos políticos no Massachusetts nos últimos 40 anos e foi a promotora da Marcha das Mulheres. (Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)
Sarah McCarthy Welsh, dirige a Massachusetts Women’s Political Caucus, uma organização que ajudou a eleger 250 mulheres para cargos políticos no Massachusetts, nos últimos 40 anos (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

 

Está confiante que esse tipo de pressão dos cidadãos consiga fazer recuar Donald Trump em algumas propostas ou medidas políticas?
Bom, é um processo. Nós dizemos aos nossos representantes políticos como nos sentimos. Muitos dos políticos republicanos regressam às suas cidades de origem, aos fins de semana, para contactarem com os eleitores, e se estes estão a protestar contra quem eles próprios elegeram isso é muito invulgar, como aconteceu com o Paul Ryan [Câmara dos Representantes dos Estados Unidos] que foi vaiado. Acho que a mudança não virá da esfera presidencial, a pressão virá dos republicanos que foram eleitos e querem manter os seus empregos e que têm de manter os seus eleitores e aí veremos.

Quais são as principais preocupações das mulheres neste momento, face a esta fase política do país?
São tantas, porque, honestamente, depende muito do setor de onde se vem. O Planned Parenthood é muito importante. Em termos de direitos das mulheres, a minha organização vai lutar por manter aquilo que temos, porque temos medo do que podemos vir a perder. Mas há muitas coisas em jogo, por isso dizer qual é a mais importante… O Planned Parenthood está no topo, mas há muitos outras questões que também afetam as mulheres e as crianças.

Conquistas que ainda não foram alcançadas como a licença de maternidade paga podem ficar adiadas ou comprometidas por se estar a lutar para não perder direitos?
Não. A missão primordial da minha organização é conseguir que mais mulheres sejam eleitas para cargos políticos. Costumamos dizer que “recrutamos, formamos e elegemos”. Com mais mulheres nesses cargos… Muitas das questões de que estamos a falar são questões que preocupam as mulheres. Por exemplo, em agosto, no estado do Massachussets, por iniciativa das mulheres, os legisladores aprovaram uma lei de igualdade salarial, o que é muito invulgar no nosso país. Em Boston as mulheres [brancas] ganhavam 77 cêntimos por comparação com cada dólar ganho pelos homens, e as mulheres negras 67 cêntimos.

Uma lei de igualdade salarial que é para todas as mulheres independentemente da sua cor.
Sim, completamente. Havia uma discrepância ainda maior para as mulheres negras. Todas as pessoas que desempenhem a mesma tarefa serão pagas de forma igual. Salário igual para trabalho igual.

Aí há uma situação comum que une as mulheres: a injustiça salarial. Mas há questões que dividem as mulheres como a despenalização do aborto. Na sua organização como é que lidam com estes assuntos mais complexos e menos unificadores?
Bom, a minha resposta é muito simples. Nós somos uma organização não partidária. Recrutamos, formamos e elegemos, mas também apoiamos. E para se ter o apoio da Massachusetts Women’s Political Caucus é preciso submeter-se a uma entrevista, preencher um questionário e ser progressista, independentemente do lado político em que se encontra, tem de se comprometer por escrito que é pró-escolha [movimento equivalente aos que defendem a despenalização do aborto].

A organização é pró-escolha.
Sim.

A senadora Elisabeth Warren tem sido uma das vozes incómodas para os apoiantes de Trump. Considera que ela poderia ser uma boa candidata à Presidência dos Estados Unidos, nas próximas eleições?
Obviamente isso será uma decisão dela. Eu vejo-a como uma voz pela classe trabalhadora americana, uma voz contra os grandes bancos, que controlam uma grande percentagem do dinheiro do país. Eu acredito que ela é alguém com que o país se pode identificar e acho que ela está a fazer um ótimo trabalho pelo estado do Massachusetts. Tive o prazer de desfilar com ela na marcha e ver o apoio da população. As pessoas do nosso estado adoram-na. Não posso falar pela senadora Warren, mas ela é muito inteligente e dedicada e acredito que ela optará pelo trabalho onde puder fazer mais mudanças. Porque é isso que ela é: um agente da mudança. Portanto, isso pode significar ficar no Senado, concorrer à Presidência.

A possível eleição de Hillary Clinton seria também um marco histórico, por ser a primeira mulher Presidente e depois de Barack Obama ter feito história, como o primeiro presidente afro-americano. Os americanos ainda não estavam preparados para ter uma mulher a comandar o país?
Acho que foi uma questão circunstancial. A eleição do Presidente Barack Obama foi um ponto de viragem no nosso país, e a de Hillary Clinton também o poderia ser. Eu penso que muitas das pessoas que votaram em Donald Trump queriam uma grande mudança e mesmo sendo a Secretária Clinton uma mulher, é irónico, mas ela não seria vista, até pelos millennials, como uma candidata de mudança. Para as mulheres mais velhas provavelmente ser: ‘finalmente, vamos ter uma mulher presidente’. Mas os mais jovens não estavam tão interessados em eleger uma mulher, como estavam na mudança que o Bernie Sanders oferecia, nas ideias alternativas que Donald Trump oferecia. Não acho que os americanos não estivessem preparados, simplesmente acho que as pessoas queriam uma mudança mais radical e tiveram-na.

Acha que estas eleições presidenciais significam o fim do percurso de Hillary Clinton a este nível político.
Ela candidatou-se duas vezes, dedicou a sua vida à causa pública, foi uma secretária de Estado incrível. A diferença que ela fez, o seu empenho… Ela é uma mulher que comanda o seu próprio destino, tanto pode manter-se na política, como pode escrever livros, ficar em casa. Ela ganhou o direito de poder fazer o que quer. Se acho que ela se vai candidatar outra vez a presidente? Não sei.

Não acredita em quotas para mulheres, correto?
Não é que seja a favor ou contra elas, a questão é que nós não experienciámos isso, da maneira como têm aqui. Não é uma realidade com a qual esteja familiarizada, honestamente. Nós não temos quotas.

Qual é então a estratégia seguida para conseguir ajudar a eleger tantas mulheres para cargos políticos relevantes?
A minha estratégia é criar um canal para jovens mulheres que queiram candidatar-se a cargos políticos. E isto é um facto: uma mulher tem de ser instada umas sete vezes até candidatar-se a um cargo, um homem só precisa de uma e começa logo a tratar dos papéis. Quando as mulheres se decidem candidatar conquistam o mesmos direitos que os homens, angariam as mesmas quantias de dinheiro. É apenas uma questão de confiança. Na nossa organização realizamos workshops, conversas para ajudar a ultrapassar essa insegurança inicial.

E por que razão as mulheres demoram tanto tempo a decidir?
Bem, olhe o que aconteceu a Hillary Clinton, como ela foi tratada. Donald Trump chamou-a de “nojenta”. Ninguém o penalizou por isso. E neste momento, no meu país, o tom é diferente do que tinha sido até aqui. As pessoas sentem-se mais à vontade para dizer algo negativo sobre uma mulher, uma pessoa de cor ou pessoa com alguma deficiência. Entristece-me muito dizer isto, mas é o que tenho visto nos jornais e nas notícias.

Há quem considere que todos os esses factos vão provocar também uma forte reação de contestação e que esta pode criar uma nova geração mais politizada. Partilha dessa perspetiva?
Eu diria que neste ciclo eleitoral o eleitor millennial foi um eleitor vital. Eu tenho um filho que faz parte dessa geração. E, se pensarmos, eles cresceram com direitos que assumiram como garantidos, então quando eles começam a desaparecer ou a ser ameaçados – o sistema de saúde, a segurança social dos seus pais, os direitos fundamentais americanos –, ao aperceberem-se que isso agora está a mudar, que coisas que nem imaginavam estão a acontecer, penso que vai haver uma mudança. Mas, como disse antes ainda estamos nos primeiros 100 dias.

Em termos de conquistas, mas para a organização que dirige, que metas gostaria de alcançar durante a sua liderança?
Eu estou neste lugar desde o dia 15 de agosto [de 2016] e o facto de ter sido convidada para vir falar Lisboa, Portugal, a esta conferência diz-me que alguma coisa estamos a fazer bem. O que eu gostaria de realizar, e que é o que estamos a fazer, é focar-me na angariação de fundos para o nosso comité político, para quando apoiarmos as mulheres possamos apoiá-las economicamente, com voluntários, fazendo campanhas nas redes sociais. O nosso apoio sempre foi importante, mas agora vai ter um valor maior porque as pessoas vêm ter comigo e perguntam: “Como é que eu posso fazer a diferença?”. Eu digo-lhes que podem ser voluntárias, angariar dinheiro, envolver-se nas campanhas. Vamos lançar um novo site no final do mês e estamos a criar formas de chegar às pessoas em todo o estado e de apoiá-las. O que é que eu quero ver? Quero ver mais mulheres eleitas, mais estabilidade financeira para a nossa organização e mais visibilidade.

Imagem de destaque: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens