‘Say something sexy in french – Non’

Numa destas Sextas-Feiras de Primavera a saber a Inverno passei o dia a tomar conta do Samuel, filho de uma grande amiga. Entre as brincadeiras, fui metendo conversa com ele e, às tantas, fiquei desconcertada com a quantidade de ‘nãos’ que ele me disse. Basicamente respondeu-me que não a tudo o que lhe perguntei!

Confesso que achei graça ao seu tom de desafio mas também à simplicidade com que me
dizia ‘não’ porque não lhe apetecia, não estava a achar graça ou fosse lá pelo que fosse.
Disse-me que não para lá de uma dezena de vezes, com a mesma prontidão e o mesmo à vontade com que a maior parte dos adultos diz ‘sim’ ou, em vez disso, desconversa para não ter de dizer ‘não’.

Fiquei com aquilo na cabeça e quando cheguei a casa, em pesquisas (porque ainda não sou
mãe e não estou dentro destes assuntos ) percebi que as crianças, por volta dos 2 anos
passam por uma fase em que, basicamente, e aqui cito a fonte, ‘dizem que não a tudo o que
lhes é pedido’. É uma espécie de fase de rebeldia infantil, a que se chama ‘adolescência do
bebé’ ou, em inglês, os ‘terrible twos’. A maior parte dos pais que estão a ler esta crónica
dirão ‘isso é só uma forma de chamar a atenção’ – e sabem com certeza mais do assunto que eu – mas os meus devaneios foram noutro sentido.

Psicologia infantil à parte, fiquei a pensar na dificuldade que temos em adultos em dizer não e
ainda mais em ouvi-lo e em como o ‘não’ está sempre conotado com rejeição, com perda,
confronto ou desafio e por isso é tão difícil de dizer. É sempre mais agradável ouvir que sim. Seja qual for a circunstância. E dizer que sim também é mais confortável, regra geral.
Mas, e os ‘nãos’ todos que ficam por dizer? Mascarados de fugas, subterfúgios e evasivas.
‘Nãos’ necessários, honestos e muitas vezes importantes. ‘Nãos’ que clarificam a perspetiva
de quem os ouve e abrem horizonte para novas escolhas. ‘Nãos’ que questionam e nos fazem repensar as coisas. ‘Nãos’ que às vezes nos levam ao tapete mas não nos enganam, nem nos deixam no território do ‘assim-assim’ ou da expectativa. ‘Nãos’ que marcam limites que não podem ser ultrapassados. ‘Nãos’ que refletem a individualidade e as escolhas de cada um. ‘Nãos’ que mandam parar, que mudam sentidos, que afirmam posições. Não que é não. Só isso. Não que, em muitas situações, a longo prazo é altamente construtivo por abrir novas perspetivas e nos obrigar a reinventar e a recriar a nossa própria realidade.

Ninguém gosta de ser rejeitado, preterido ou de ver as suas ideias negadas. É horrível, já
todos passámos por isso. Dá aquele amargo que parece que sobe do estômago e nos faz
engolir em seco. Não é agradável, não é bom de sentir nem de fazer sentir.
Apetece parar o tempo só para não ter de o ouvir : Não. Mas é também absolutamente necessário. De se dizer, de se ouvir e de ser respeitado.

Quantas vezes os ‘nãos’ evitados, os ‘nãos’ que não foram ditos, por falta de coragem ou de oportunidade ou simplesmente para poupar o nosso interlocutor, teriam sido mais positivos e transformadores que os ‘sins’? Mais honestos e mais inteligentes.

Quantos ‘nãos’ convictos e ditos no momento certo não nos levaram mais longe do que
muitos falsos ‘sins’?

Há quem faça terapia para aprender a dizer que não na vida – não a um jantar a que não nos
apetece ir, não a umas férias que não queremos fazer, não a uma relação que não nos faz
bem, não a ir a este sítio porque não nos apetece, não perante comportamentos abusivos, não a um amigo quando se precisa de estar sozinho ou a um amante quando não se quer a sua companhia, a uma proposta de trabalho que não nos agrada, a um pedido de amizade no Facebook ou às ofertas de pacotes extra das operadoras de TV e Internet. Não.
E simplificarmos as coisas?

Que tal começarmos todos um jogo amanhã? A ideia é dizer que não com a simplicidade com que o fazíamos quando éramos miúdos quando é isso que estamos a sentir, sem voltas nem manipulações. Num acto diário de liberdade individual. Praticar dizê-lo vai de certeza fazer com que se aceite melhor ouvi-lo. E talvez aos poucos nos passemos todos a escutar melhor, que é das coisas mais importantes e mais transformadoras na vida.

Não é não, como sim é sim. E a minha liberdade acaba onde começa a do outro. Quanta
violência se evitaria no mundo se os nossos ‘Nãos’ fossem ouvidos e respeitados em pleno?
Na era do positivismo, faz falta olhar para as coisas como elas são. E tratá-las pelos nomes.
Sermos fiéis a nós próprios nem sempre vai agradar a toda a gente mas a vida não é o
Instagram. E não há nada mais empoderador – e sexy também, já agora – que é darmo-nos a liberdade de ser quem somos.