Sea: “A música é tudo, é a minha maneira de contar histórias”

O cabelo azul e cor-de rosa, aliado à euforia que costuma expressar nos seus vídeos do YouTube, ajudaram Catarina Lowndes a conquistar milhares de adolescentes e jovens em Portugal. Quatro anos depois de ter lançado o canal com o nome do alter-ego que criou, Sea3P0 – junção de C-3PO, o robô de Star Wars, com o azul do mar -, a jovem de 28 anos tornou-se na maior youtuber feminina em Portugal com mais de 700 mil subscritores, lançou um livro sobre bullying que já vai na sétima edição e agora aventura-se no mundo da música.

Em criança, uma professora disse-lhe que não sabia cantar e tinha uma voz feia, mas Sea não desistiu. Aliás, garante que nunca desiste de nenhum dos seus sonhos. Até há três anos teve uma banda com o nome de Lionskin e na sexta-feira, dia 15, deu o primeiro passo para se lançar em nome próprio com a música ‘Player 2’, que faz referência aos videojogos e à cultura japonesa, de que Sea tanto gosta.

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Sea, ainda alguém a trata por Catarina?

Só os meus pais, os agentes e agora a Warner Music.

Como começou a sua aventura no YouTube?

É uma história muito louca. Em 2011 estava a estudar cinema nos EUA – queria ser realizadora de filmes de terror – e tinha uma cadeira de Antropologia Cultural. A minha tese era sobre subculturas e como na altura gostava muito de ver vídeos no YouTube, principalmente do canal da maquilhadora Michelle Phan, em que ela também contava histórias. Achava aquilo tão bonito que criei um canal de maquilhagem. Tinha uns 100 inscritos, algo que naquela altura era super bom. Fiz a minha tese, acabei com o canal e voltei para Portugal.

Começou com esse canal de maquilhagem, mas a linha que segue hoje em dia no YouTube é completamente diferente. Fala de receitas de pizza no micro-ondas, jogos, brinquedos ou até peripécias que lhe acontecem no dia-a-dia. Como é que se deu essa viragem?

Depois de ter fechado o canal de maquilhagem em 2011 só o reabri há quatro anos, quando fui fazer uma entrevista para a IGN Portugal [um site de notícias de jogos] e entrevistei youtubers no Lisbon Games Week. Nesse mesmo dia fiz um vídeo para o meu canal, virado para os videojogos, e aqui estamos. Sempre fui uma geek, adoro videojogos, anime e coisas de nerds.

Isso é uma área que ainda não é muito feminina.

A meu ver é tão feminina como masculina. Já temos imensos videojogos com mulheres. O Tomb Rider, por exemplo, no início estava muito sexualizado mas agora tem girl power. Nunca vi o gaming como algo masculino, era simplesmente uma coisa que fazia quando era mais nova.

Neste momento é a youtuber feminina com mais seguidores em Portugal.

Não sei como isso aconteceu.

Vídeo da música ‘Player 2’, de Sea:

Se lhe tivessem dito isso quando publicou o primeiro vídeo no YouTube, como reagiria?

Quando me meto nas coisas penso sempre que vou ter sucesso porque se não acreditar em mim, ninguém vai acreditar. Sou muito ambiciosa, não sou humilde com os meus sonhos. Quando comecei o meu canal queria ser a melhor youtuber de todos os tempos, pelo menos ia dar o meu melhor para que isso acontecesse, fazer o melhor conteúdo possível. Parte de mim sempre quis acreditar que iria ter esta família incrível. Agora que a tenho acho isto completamente surreal, não percebo.

Apesar de ser a maior youtuber do país, com mais de 751 mil seguidores, ainda está muito atrás dos maiores youtubers masculinos em Portugal, que chegam a ter mais de 5 milhões de seguidores. Por que razão existe ainda tanta diferença entre homens e mulheres nesta rede social?

Comecei a levar isto a sério um bocadinho antes de toda a gente. Na minha opinião, o conteúdo feito pelas mulheres é muito de nicho. Temos muitos conteúdos de beleza e pouca comédia e entretenimento. Quem não gosta de comédia? Os canais deles são mais gerais. Há miúdas espetaculares, mas estamos a ir mais devagar. O YouTube teve um boom gigantesco no Brasil e alguns youtubers portugueses conseguiram penetrar nesse mercado, é daí que também vem uma disparidade tão grande em termos de subscritores.

De que tipo de vídeos os seus seguidores mais gostam?

Não sei responder essa pergunta porque não há um padrão, mas gostam de tudo o que esteja relacionado com slime. Até eu sou uma grande viciada em ver vídeos de slime no Instagram, sabe tão bem. Também gostam de receitas e brinquedos. Todos gostam de brinquedos. Até eu, que tenho 28 anos.

A maioria do seu percurso académico foi feito em escolas internacionais. O facto de ter uma educação que lhe proporcionava um olhar mais atento ao que se passava noutros países ajudou-a a ser uma das pioneiras de sucesso no YouTube em Portugal?

Talvez. Sou uma pessoa bastante normal e defendo que as oportunidades que tive são irrelevantes. Alguém que não esteve numa escola internacional pode fazer o mesmo. Com muito trabalho, todos conseguem o que estou a fazer neste momento. Foi mais trabalho, dedicação e pesquisa do que outra coisa. Sempre tentei trazer o melhor conteúdo possível. Sou uma eterna descontente com o meu conteúdo, nunca nada está a 100%, acho sempre que consigo melhorar.

Hoje em dia temos muitos adolescentes que querem ser youtubers, principalmente pela fama e dinheiro. Que mensagem gostaria de deixar para quem tem esse sonho?

Como qualquer outra coisa na vida, isto requer bué trabalho. Adoro o Ellon Musk, o CEO da Tesla, porque ele tem uma ética de trabalho espetacular, trabalha entre 80 e 100 horas por semana. Ele diz que ao trabalhar mais do que os outros consegue completar qualquer coisa duas vezes mais rápido. É preciso não ter medo de arriscar e trabalhar mesmo muito. Faço imensa pesquisa, nunca estou contente com o produto final e tento sempre melhorar. O melhor conselho que posso dar, especialmente para quem quer seguir carreira na área do entretenimento, é que sejam autênticos, sejam vocês próprios, sem medo de pensarem que são esquisitos. Estamos a viver uma fase em que nos queremos conectar uns com os outros, não estamos sozinhos. As pessoas querem ver alguém com quem se consigam relacionar nos aspetos positivos e negativos.

“Não sou humilde com os meus sonhos.”

Como é o dia-a-dia da Sea enquanto youtuber?

Tenho uma vida bastante aborrecida. Acordo super cedo, às 5h00. Gosto de trabalhar de manhã, sou mais produtiva a essa altura do dia. Depois vou ao ginásio e costumo ter reuniões durante o resto do dia. Neste momento é um bocado difícil descrever por causa da música, o que é bom.

Tem também uma revista que se aproxima muito da Bravo e 100% Jovem que tínhamos há uns anos, para os adolescentes. Por que quis avançar com este projeto?

A ideia foi da minha editora, mas desde criança que sonhava ter uma Bravo. Eu lia todas as Bravo, gostava da revista, dos brindes, dos testes, dos rituais da Lua e de todas essas coisas um bocadinho esquisitas que a revista tinha. Queria transpor esse espírito para uma revista minha. Agora vamos passar por uma transição, vamos tentar fazer uma coisa mais cool, virada para a cultura japonesa. Adoro o Japão.

No início deste ano lançou também um livro sobre bullying, Como Ser um Unicórnio. Como é que o seu público está a reagir?

Têm sido incríveis, já vamos na sétima edição e recebo muitas histórias das minhas Uni, da Sea Fam [nomes que Sea3P0 dá aos seus fãs], em que elas me dizem que se sentiram mais seguras para falar sobre este assunto. Isto é muito importante porque a comunicação, para quem está a sofrer de bullying, é a parte mais difícil. Fico muito feliz por ter aberto este caminho em que quem sofre de bullying já sabe que tem de transmiti-lo a uma pessoa adulta, a um pai ou professor. Isso é tão fixe.

Por que decidiu abordar este tema através de um livro e não fazer apenas um vídeo para o YouTube?

O bullying é um assunto muito sensível e as pessoas têm bué medo de admitir que estão a sofrer porque sentem-se mais fracas. Falo pela minha própria experiência. Durante algum tempo não admiti que estava a sofrer de bullying porque não me queria sentir fraca, mas as coisas teriam sido muito mais fáceis se falasse com alguém. Falei, mas demorei algum tempo a chegar lá. Através de uma história é mais fácil chegar às pessoas que não sabem ou não querem admitir que estão a sofrer de bullying do que estar a impor este assunto através de um vídeo. É mais fácil para as pessoas relacionarem-se com a história de um livro que é super simples e, a partir daí, desenvolverem à-vontade suficiente para falarem sobre o assunto e tentarem procurar ajuda.

O seu livro chama-se Como Ser um Unicórnio. Faz referência a este animal mitológico que está muito na moda. Por que razão há, atualmente, toda esta loucura em redor dos unicórnios?

Os unicórnios representam pureza, uma magia inocente e infantil que todas temos dentro de nós. Este animal mitológico é feliz e positivo, permite-nos chegar à nossa criança interior. Todos somos unicórnios, todos temos magia dentro de nós. É importante não esquecer isso e o unicórnio relembra-nos.

‘Como Ser um Unicórnio’, de Sea3P0. Editora Manuscrito, 13,90 euros

Tem o cabelo cor de rosa e azul. É uma forma de se aproximar também da imagem dos unicórnios?

Sim, mas a cor do meu cabelo é super normal para mim.

Já o tem assim há quanto tempo?

Comecei a pintar aos 15 anos. Já o tive de todas as cores do arco-íris, sou um unicórnio.

Qual é a sua cor natural?

Loiro escuro.

Apesar de ter ficado conhecida através da Internet, tem dois projetos em papel. Ainda há futuro para o papel apesar de toda a evolução do digital?

Também todos se passaram quando apareceu a televisão. Diziam que o cinema e a rádio iam morrer e isso não aconteceu. Adoro folhear um livro ou uma revista, gosto de ter as coisas fisicamente. Ainda gosto de vinis e DVD.

Lançou na sexta-feira a sua primeira música, ‘Player 2’. Como é que a youtuber Sea3P0 passou a ser também cantora?

Já tinha um projeto de música antes de reanimar o meu canal, uma banda chamada Lionskin. Nunca fui uma criança musical. Quando era mais nova sabia tocar violino. Lembro-me de um momento crucial na minha vida em que uma professora disse que eu não sabia cantar e que a minha voz era muito feia. A partir daí nunca mais cantei, nem no chuveiro. Sou bué boa a fazer vozes esquisitas porque tinha medo de cantar.

“Uma professora disse que eu não sabia cantar e que a minha voz era muito feia.”

O videoclip foi filmado no Japão e tem muitas referências àquele país. É uma cultura com a qual se identifica?

Completamente, adoro o Japão, já estou cheia de saudades. Também adoro Portugal, não me entendam mal, mas há magia lá. Pessoalmente identifico-me muito com o país. Toda a experiência durante a gravação do videoclip foi completamente mágica. Aconteceram-nos coisas que só acontecem no Japão. As pessoas são tão amigáveis lá.

Pretende conquistar esse público também?

Seria bom, mas não sei. O Japão tem um mercado muito próprio e não sei falar japonês. Talvez depois de umas aulas.

Então não é a Sea que nos sussurra em japonês no início do videoclip…

Não, não. Quem me dera. É um poema lindo.

Como acha que os seus fãs vão reagir?

Espero que as pessoas gostem, mas também não posso dizer que todos vão gostar. Pusemos imenso trabalho na criação deste single e videoclip. Espero que gostem, mas se não gostarem vou continuar a amá-los na mesma.

Vai surpreender algumas pessoas com esta música?

Sim, pelo menos surpreendi-me a mim própria. Estou mesmo feliz com este trabalho e acredito na magia.

Player 2

Ocultou todas as fotografias do Instagram e vídeos do YouTube para o lançamento da música e alguns dos seus fãs entraram em pânico…

Felizmente arquivei tudo e vou voltar a pôr como estava porque há muita história ali. As minhas fãs ficaram bué assustadas. Uma delas disse-me que começou a chorar no meio da aula, pensou que um hacker tinha invadido a minha conta. Senti-me tão mal naquela altura, não tinha, de todo, essa intenção.

Como lida com o assédio dos fãs?

Nunca fui muito de sair à rua. Mas, honestamente, é tão fixe podermos conhecer pessoas novas e sentir logo aquela conexão instantânea. Adoro que as minhas e os meus unis venham ter comigo, somos melhores amigos no Instagram e isso é super especial, espetacular e mágico.

Não vê nenhum lado negativo?

Às vezes é um pouco difícil porque, por exemplo, estamos a comer e eles vêm ter connosco ou não dá para estar com todos, não é humanamente possível. Gostava de me poder clonar. O mínimo que posso fazer é estar lá e agradecer pelo trabalho incrível que fazem por mim. É uma comunidade tão fixe que mal posso esperar para ver o que elas vão fazer no futuro. Sou uma espécie de mãe com muitos filhos.

O que pretende fazer, em termos musicais, ainda este ano?

Mistério. Talvez lance um álbum. Quem sabe.

Mas vai continuar a investir na música?

Claro que sim, tem de ser. A música é tudo, é a minha maneira de contar histórias. Adoro escrever letras, sempre escrevi. Aliás, até já escrevi para outros artistas. É bué fixe agora poder contar histórias através da música.

“As minhas fãs ficaram bué assustadas.”

Vê-se a dar concertos?

Sim, claro que sim. Adoro entreter. O meu canal é de entretenimento. Agora vou poder entreter as pessoas com movimentos de dança. Só quero que as pessoas se divirtam e façam parte deste momento.

Vai também estar no Rock in Rio, dia 24, no Super Bock Digital Stage. O que tem preparado para este dia?

Estou super nervosa, espero que não aconteça nada de mal. Vou cantar e vai ser espetacular. Estamos a trabalhar todos os dias para preparar um bom espetáculo. É duro, mas vai valer a pena.

Vai ser a primeira vez que canta a ‘Player 2’ ao vivo?

Sim, já não canto ao vivo há algum tempo.

Vai conseguir conciliar tudo? O YouTube, a revista, a música…

Não sei até tentar. Quero continuar a fazer vídeos para o YouTube, preciso disso para me exprimir. Veremos, mas acho que sim. Tenho de ter uma equipa maior, só isso.

O que se vê a fazer daqui a 10 anos?

Mais do que tudo vejo-me feliz e a fazer outras pessoas felizes. Acredito nisso.

Que mensagem gostaria de deixar à sua enorme comunidade de fãs?

Não sejam humildes com os vossos sonhos. Sonhem sempre super alto e trabalhem muito. Podem fazer também aquilo que estou a fazer agora.


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