O português é arcaico, mas o pensamento – pelos vistos – é muito à frente. Em 1557 – sim, há quase meio milénio – o jurista português Rui Gonçalves escrevia sobre o adultério e sobre a condenação prevista para as mulheres que o praticassem.
O jurista escreveu o seguinte (como se pode ver na imagem em cima):
“Em favor do matrimónio e do género feminino se o marido que querelou da mulher de adultério lhe perdoar em qualquer tipo, assim antes da acusação, como durante a acusação, ou depois de ser condenada por sentença, será logo solta se por alma for presa, sem mais apelar por parte da justiça, fazendo-se primeiro um termo de perdão assinado pelo marido e pelo juíz e pelo escrivão do feito” (páginas 44 e 45).
Ou seja, advoga o perdão da mulher que fosse considerada adúltera desde que fosse perdoada pelo marido. O livro intitulado Dos privilegios &praerogativasq ho genero feminino te por direito comu & ordenações do Reyno mais que ho genero masculino foi publicado para explicar a lei às mulheres e foi nisso completamente inovador.
Elisa Costa, que estudou a obra e a apresentou a sua versão mais recente, diz que embora não se possa considerar o jurista um feminista, Rui Gonçalves foi o “primeiro autor português conhecido a colocar a questão da igualdade entre os sexos“.
Na galeria acima leia frases e prerrogativas do direito que o autor atribuiu às mulheres já no século XVI.
Recuperar estas frases com cinco séculos justifica-se numa altura em que a magistratura portuguesa se torna alvo de polémica. Os dois juízes desembargadores Neto de Moura e Maria Luísa Arantes do Tribunal da Relação do Porto confirmaram a suspensão da pena a dois homens condenados por violência doméstica, minimizada por ter sido exercida sobre uma mulher com comportamento adúltero. A sentença citava o Código Penal de 1886 e a Bíblia para desvalorizar o crime – público – que tinha sido cometido.
Recorde as frases mais chocantes do polémico acórdão aqui
No código de 106 páginas há muito mais sobre igualdade de género. O jurista enunciou mais de 100 casos na lei em que elas deveriam reclamar de sua justiça.
Além disso o código explicava “as nove virtudes – doutrina e saber, conselho, força, devoção, liberdade, clemência, amor conjugal e, entre outros, ócio – nas quais as mulheres são iguais ou superiores aos homens“, como explicou Elisa Maria Lopes da Costa na apresentação da reedição do livro. Pelo menos no século XVI.
No primeiro capítulo, Gonçalves enunciou mais de 50 personalidades do sexo feminino de mérito quer da sua época, quer da antiguidade e da mitologia.
A segunda parte do livro teria por base dar a conhecer às mulheres do seu tempo a legislação que as abrangia.
Uma obra “inovadora”, classifica Maria Costa. E que transformou aquele investigador da Universidade de Coimbra “num caso isolado por longo tempo”. “Seria necessário esperar pelo século XIX para que, de novo, surgissem autores a prestarem atenção às questões respeitantes ao sexo feminino”.
Imagem de destaque: DR