Será que a ideia de traição muda com a idade?

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Será que se identifica com o cenário de, a certa altura, ser invadida por aquele pensamento de que a pessoa com quem mantinha uma relação poderia estar a traí-la? Ou se, alguma vez, ficou na dúvida se aquela mensagem que trocou com um ex-namorado poderia ser considerado ou não de infidelidade? Será que agora ainda olha para o conceito de traição com os mesmos olhos de há uns anos? Se o seu conceito de fidelidade mudou com o passar do tempo, não desespere.

Existem pelo menos oito razões que, cientificamente, estão provadas como sendo ‘culpadas’ pela ação da traição. Pelo meio de um conceito que não é transversal a todos, surgem novos termos como a micro-traição, que é o termo usado para as pequenas coisas que se fazem e que “têm sussurros de infidelidade”, mas que não chegam à parte física. Mas, será que este conceito vai mudando com o passar da idade?

Catarina Lucas, psicóloga clínica, sexóloga e terapeuta familiar, afirma que esta alteração pode não estar propriamente ligada com o facto de avançarmos na idade, mas sim com o avançarmos numa relação. Às tantas, algumas coisas deixam de “marcar tanta posição nas nossas vidas”, explica a especialista.

Ainda assim, o maior motivo pelo qual, em Portugal, são contratados mais detetives privados é mesmo pela dúvida de possíveis traições numa relação. Sim, a traição é mesmo a principal causa pela qual os portugueses mais recorrem à investigação privada, portanto, à contratação de um detetive privado, sendo que os homens são os mais desconfiados. Mas as mulheres são quem mais contrata.

“Não sei se o conceito de traição mudará com a idade, mas penso que, com a duração das próprias relações, pode passar a existir uma certa flexibilidade quanto à infidelidade“, explica a terapeuta. “Ou seja, quando estamos há muito tempo numa relação, já existe também muito investimento na mesma”, diz, dando o exemplo de casais que estão casados há muitos anos e que já partilham muitas coisas.

“Por exemplo, vamos supor que eu estou numa relação há 13 anos e estou casada. E acabo por descobrir que o meu marido teve um caso, ou existiu alguma trocas de mensagens com alguém, que podem ser fatores considerados de infidelidade, mas obviamente eu tenho muita coisa em causa: tenho uma vida, um projeto, alguns já têm filhos, casa, família. Ou seja, envolve muita coisa. E a ideia de ter de recomeçar isto tudo, e por vezes nem é a ideia de bens materiais, mas sim da relação e hábito que se criou ao longo de bastante tempo, é complicado”, reitera a terapeuta familiar.

Relações: hábitos, investimento e projetos de vida

As relações têm muitos papéis na nossa vida, incluindo a habituação. E quando nos tiram a relação, muitas vezes tiram também a nossa organização. “O casal acaba por se organizar ao longo dos anos: um trata do carro na oficina, outro do IRS, outro das compras da casa. Até nestas coisas mais básicas existe uma ordem e organização que foi sendo criada. E há muitos casais que depois se separam e que dizem que nunca tinham tratado de X ou Y na vida deles”, explica Catarina Lucas, prevendo que, por vezes, a questão da traição é muito mais do que apenas a ação em si.

Terminar uma relação de longo prazo pode ser muito desorganizador e o que acaba por acontecer é que exista um grande sentimento de desilusão – por todos os projetos que foram criados e que afinal podem não ser reais. “Isto é algo que nos custa muito lidar e que leva a que muitas vezes acabemos por fazer uma tentativa de recuperação da traição e investimento na relação”, afirma.

E se faz parte daquela fatia populacional imensa que afirma que nunca perdoaria uma traição, pois fique a saber que, quando deparadas com a questão, as coisas podem não ser bem como pensávamos. Para a especialista, apenas quando estamos na situação é que sabemos: “Esta ideia de que não perdoamos traições, que é algo que nós dizemos muito, na prática pode não ser bem assim, quando somos confrontados com a realidade. E penso que isto não tem tanto a ver com a idade mas sim com o tempo e investimento nas relações, que na maioria dos casos acaba por estar ligado com a idade, porque é mais provável eu ter uma relação de 15 anos quando tenho 40 do que aos 20″, expõe a psicóloga.

Apimentar a relação: do estável à novidade

Sabemos que o ser humano gosta de estabilidade e de rotina. Mas, exatamente na mesma medida, também quer novidade, quer sentir-se desejado e sentir desejo. Será que isso é possível quando já conhecemos a fundo a pessoa que está ao nosso lado há décadas?

“Sabemos que existe uma diminuição do desejo nas relações longas. Dou muito este exemplo na consultas que é: eu só desejo um telemóvel enquanto não o tenho, quando eu o tiver já não o desejo mais. O meu marido já está todos os dias comigo na cama, vou desejar o quê mais? Vou acordar de manhã e ele vai estar lá sempre, o que é que eu tenho para desejar mais? E, portanto, o desejo acaba por estar muito ligado à novidade. E nós, nas relações a longo prazo, perdermos a novidade, não há como o evitar”, começa desde logo por explicar a terapeuta de casal.

Esta situação acontece de forma natural no ser humano, porque, a determinada altura, precisamos de sentir essa novidade, precisamos de desejar e de nos sentirmos desejados. E esta é a grande dualidade e dicotomia do ser humano, que pode acabar por ser um problema: gostar de rotinas e do hábito e, ao mesmo tempo, gostar do que é novo e diferente.

“Porque, no desejo, nós precisamos de sentir esta imprevisibilidade. Mas em tudo o resto nós queremos previsibilidade. E um dos grandes dilemas das relações é mesmo esta dualidade de querermos previsibilidade, saber que amanhã e daqui a um mês esta pessoa vai estar connosco, portanto sentir esta segurança, mas ao mesmo tempo querermos o resto, a novidade, as surpresas… quase que querer as duas coisas na mesma pessoa – e isto é quase impossível”, teoriza Catarina Lucas. Daí a necessidade das típicas conversas de apimentar a relação.

“Se eu estou com alguém há 10 anos ou 20 anos, já conhecemos a pessoa muito bem e, por isso, fica difícil colocar algo novo na equação a dois. Daí o dizer-se muito para apimentar a relação, e acabamos por contemplar até outras soluções, como o sexo a três. E muitas vezes equacionamos coisas que no início da relação dizíamos nunca querer ou fazer. Assim sendo, flexibilizamos os limites de até onde podemos ou aceitamos ir”, termina por explicar.

Em suma, se sente que antes nunca iria aceitar alguma situação mas agora mudou completamente essa forma de pensar, saiba que não só não é a única como também existem razões pelas quais o faz.