Serão os direitos das mulheres uma concessão masculina?

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A igualdade de direitos estabelecida na Revolução dos Cravos nasce da luta das mulheres ou da cedência dos homens? No dia em que o FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, este ano dedicado às revoltas, debatia o 25 de Abril, perguntámos aos protagonistas da revolução quão sexista ela tinha sido.

Umas fadas do lar”. É assim que Maria Inácia Rezola, professora de História Contemporânea, encara o papel que a ditadura atribuiu ao género feminino – um ser passivo no espaço público. “Nos anos 60 já se tinham sentido grandes mudanças, mas com o 25 de Abril elas consolidaram-se definitivamente.” Numa revolução feita por homens, ninguém ganhou mais direitos do que as mulheres. Portugal vivia dias sombrios, que para as portuguesas eram ainda mais escuros. A escolarização era ainda mais limitada, a obediência ao homem um facto e só uma pequeníssima minoria podia votar.

25 de Abril e as primeiras medidas em nome da mulher

É provavelmente por isso que Franco Charais, militar de Abril e um dos redatores do programa do movimento das Forças Armadas, fala numa ironia histórica: foram os homens, neste caso os capitães, a oferecer às mulheres um novo poder. “Fizemos tudo para mudar a perspetiva dominante. Uma das primeiras medidas que adotámos foi a universalidade de voto. Outra foi que as mulheres deixassem de precisar da autorização dos maridos para sair do país.


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Manuel Alegre, poeta e político que se exilou do país durante o Estado Novo, não alinha pelo mesmo discurso. “Houve muitas mulheres que lutaram contra a ditadura. Muitas delas estiveram na primeira linha e foram presas”, diz. E dá dois exemplos icónicos: Catarina Eufémia, morta pela polícia, grávida, durante um protesto por melhores condições de trabalho, ou a médica Isabel do Carmo, presa várias vezes pela PIDE.

“Em todos os níveis, as mulheres tiveram um papel de primeira água na deposição do Estado Novo. Escritoras e intelectuais, como Sophia de Mello Breyner e Maria Lamas, fizeram a diferença”, acrescenta Manuel Alegre. Maria Inácia Rezola diz que não podia ser de outra forma: “Os homens não conseguem valorizar a importância do que é ser mulher.”

Franco Charais admite isso mesmo, a luta pelos direitos das mulheres não foi necessariamente feita de forma consciente. “Os revolucionários tinham de apagar fogos. E, portanto, nós não estudávamos os problemas, reagíamos. É preciso reagir à igualdade de homens e mulheres? Muito bem, nós reagimos.”


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E, logo nos primeiros anos, aconteceu o impossível: uma mulher chegou à liderança do governo. “Maria de Lourdes Pintasilgo foi de facto uma mulher importante, a terceira na Europa a desempenhar o cargo de primeira-ministra”, diz Franco Charais. “Trouxe uma nova conceção da cidadania e mostrou que uma mulher pode atingir e pode exercer as mais altas funções do Estado”, comenta Manuel Alegre. “Furou o mundo dos homens, o centro da decisão política”, remata Maria Inácia Rezola.

Naqueles dias depois de Abril, as vozes das mulheres começaram finalmente a levantar-se. Passaram 43 anos, e podiam ter passado muitos mais, que todos parecem concordar na mesma coisa: o caminho só agora começou.

Texto: Jéssica Ferreira e Marta Marques (alunas da Universidade Lusófona)

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