Sexismo ‘inconsciente’ pode ter ajudado a derrotar Hillary, defende investigadora americana

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Odisseia

Hillary Clinton ganhou a Donald Trump no estado do Massachusets mas o resultado não se traduziu numa vitória nacional e foi mesmo o candidato republicano quem acabou eleito Presidente dos Estados Unidos da América.

Foi em Massachusetts que Elizabeth Collins, a residir em Portugal há cerca de seis anos, cresceu e o resultado político nesse estado seria mais do seu agrado, como confessou em declarações ao Delas. Um pouco “surpreendida” e, sobretudo, “descontente” são as palavras que resumem o sentimento da professora de Psicologia Social do ISCTE (Lisboa).

“Estou surpreendida até certo ponto, porque as sondagens e tudo mais não faziam prever estes resultados. Mas a minha avaliação hoje é que talvez tenha havido um certo medo ou simplesmente falta de capacidade de ver uma mulher num cargo tão poderoso como este”, afirma a investigadora.

Segundo a cientista social, nos Estados Unidos “as pessoas falam muito mais de racismo do que de sexismo. Elegemos um presidente negro, antes de elegermos uma mulher, por isso, até certo ponto, estes resultados não me surpreendem”.

A psicóloga social defende que não se trata tanto de uma opção consciente ou apenas de uma simples recusa de querer ver mulheres nesses cargos, apesar de reconhecer que há quem se oponha diretamente a isso. “Quando imaginam a pessoa que vai governar os Estados Unidos, um dos mais poderosos países do mundo, a imagem de uma mulher não encaixa nessa projeção. E não penso que seja necessariamente consciente”, afirma.

De acordo com a investigadora, para muitos, “uma mulher a ter esse tipo de poder, a ter essa força, a liderar em todos os campos que um Presidente americano tem de liderar é incompatível com tudo isso”.

“Mesmo sendo Trump inadequado para o cargo, pelo menos na minha perspetiva, ele é alguém que tem estado numa posição de poder, de patrão, como pessoa que está no controlo – e também nos reality shows da TV – e por isso imaginá-lo no cargo acaba por ser mais fácil.”

Para o facto de as sondagens dos últimos meses terem dado vantagem, ainda que curta, a Hillary Clinton e os resultados do ato eleitoral terem revelado o oposto, Elizabeth Collins avança com algumas possibilidades que podem explicar essa aparente contradição. A mudança do sentido de voto pode ser uma das hipóteses, mas não a mais provável.

“Eu acompanho as análises que estão a ser feitas nos Estados Unidos e que apontam para duas razões principais, que não são propriamente a mudança do sentido de voto. Uma delas é as pessoas terem dito que iam votar de uma forma diferente daquela que realmente votaram, por sentirem algum embaraço em manifestar a sua preferência por Trump, e em parte pelo tal sentimento inconsciente que referi de lhes ser mais fácil imaginá-lo como Presidente do que Hillary Clinton. A outra tem a ver com a questão se as sondagens não terão desvalorizado o peso do voto da classe trabalhadora branca, assumindo que os que iriam votar seriam menos que os que realmente foram?”, acrescenta.

O que leva essa camada da população a votar no candidato republicano prende-se, de acordo com a investigadora, com um misto de falta de empatia com a candidata democrata e descontentamento com a situação económica do país. “Nas duas últimas Presidenciais houve uma maior percentagem de votação dos afro-americanos porque havia um entusiasmo com Obama”, compara, mas “desta vez as pessoas não ficaram tão entusiasmadas com Hillary Clinton, e os votantes da classe trabalhadora que se sentiam insatisfeitos com a situação económica ficaram mais entusiasmados com Trump e as suas posições bombásticas e saíram de casa para votar nele”.

Em maio, ainda durante as primárias para eleger os candidatos de cada partido, Bernie Sanders, rival de Hillary na corrida para nomeação como candidato presidencial dos democratas, apareceu nas sondagens mais bem colocado que a antiga secretária de Estado de Obama para derrotar Trump nas Presidenciais.

Elizabeth Collins concorda que “a certos níveis, sim, isso poderia verificar-se”, mas mais pelo tal sexismo inconsciente, que pelas ideias de esquerda defendidas por Bernie Sanders.

“Os Estados Unidos não tem uma grande ala de Esquerda. Ele poderia, de facto, conquistar votos à ala mais à esquerda do partido e de alguns independentes, mas menos o voto afro-americano. Por outro lado, penso que para alguns votantes da classe média branca ele poderia ser mais apelativo [que Hillary Clinton].”

A vontade de ver uma alteração num sistema praticamente bipartidário e o surgimento de um terceiro partido também pode ter tido algum reflexo no resultado. Ainda que Trump se tenha candidatado por um dos dois grandes partidos, o Republicano, é visto como um outsider e uma espécie de personificação de uma terceira opção, considera a investigadora.

Em relação ao futuro e naquilo que poderá significar para os americanos, em geral, e as mulheres, em particular, um Presidente como Donald Trump, Elizabeth Collins sente que há uma “completa incerteza”, mas admite recear que o seu discurso durante a campanha sirva para legitimar comportamentos e ações discriminatórias, designadamente em relação às pessoas do sexo feminino.

“Há evidências na Psicologia Social de que as normas sociais influenciam os comportamentos das pessoas de forma muito forte e quando se trata de uma pessoa que tem este tipo de poder [político] o seu comportamento torna-se de facto normativo. Por isso, tenho muito receio que haja repercussões negativas para as mulheres, e a maneira como vão passar a ser tratadas na América. Acredito que ele é uma pessoa 100% misógina e assusta-me muito”, admite.

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Para a investigadora, a eleição de Trump significará um “retrocesso para as mulheres”, tornando aceitáveis atitudes e comentários machistas, em contextos como o local de trabalho, por exemplo.

“E não é apenas o sexismo”, alerta, lembrando que o candidato republicano não só “fez comentários explicitamente racistas sobre certos grupos”, como não desencorajou outros do mesmo tipo. Por isso, diz temer que o futuro traga “mais violência”, tanto contra as mulheres, como contra as comunidades latino-americanas, muçulmanas e árabes.