Os sites de encontros nascem como cogumelos, as fotos sem roupa pululam pelas redes sociais e muito se perora, negativamente, sobre esta cultura de engate que parecemos viver. Na era do Tinder e outros tantos, ainda parece ser tabu o sexo consentido entre duas pessoas que não pretendem uma relação. E há até quem diga que o sexo casual, parente pobre da sexualidade humana, não é tão inofensivo e livre quanto o seu cariz moderno quer fazer parecer. Será?
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Como em tudo neste domínio, a doutrina não se entende. Um estudo de 2009 questionava se as relações de “friends with benefits” ou “amigos coloridos” seriam emocionalmente nefastas. Depois de 1310 entrevistas a jovens adultos americanos, com uma média de idades de 20 anos, concluiu-se que não, que quem optava por sexo casual corria os mesmos riscos do que quem tem sexo apenas num contexto de relação.
Mas como o homem sonha, o mundo pula e a sexualidade avança, em 2014, outro estudo publicado no ‘Journal of Sex Research’, feito a estudantes heterossexuais entre os 18 e 20 anos, concluiu que o sexo casual era negativamente associado a bem estar psicológico, e positivamente associado a alterações emocionais. Daí se concluiu que o sexo sem escora relacional aumenta o risco de danos psicológicos.
Um ano mais tarde, em 2015, outro estudo decidiu isolar fatores como forma de perceber o que de concreto é passível de deixar marcas nos corações e cabeças de quem escolhe sexo casual. E o facto isolado foi o a “autonomia” ou a falta dela. Assim, por razões ligadas à “autonomia” entenda-se a atração que se sente pela outra pessoa; a vontade de explorar a sua sexualidade; uma forma de aprendizagem. Por “não autonomia”, entenda-se a pessoa estar ébria ou sem consciência dos seus atos; esperar mais da relação que é puramente sexual; ter sexo com alguém por vingança contra outrem. O estudo concluiu que, independentemente do género, os sujeitos que tiveram sexo casual por razões autónomas não são afectados pela falta de ligação ao outro, e os sujeitos que o fizeram por razões não autónomas tipicamente sentem um decréscimo no seu bem estar psicológico.
É também a isto que se refere a autora Zhana Vrangalova, responsável pelo Casual Sex Project, cujo trabalho se centra na ciência por detrás do sexo casual, incluindo os seus potenciais riscos e benefícios. Segundo ela, o sexo casual afeta diferentes pessoas de diferentes formas, o significa que ele não é intrinsecamente bom ou mau. O que somos, como o fazemos e porque o fazemos são fatores críticos para compreender os efeitos do sexo desgarrado.
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Enquanto sociedade, temos ainda muita dificuldade em aceitar que o sexo possa ser vivido prazerosamente fora do desenho das relações. A nossa noção de amor romântico, que acasala para a vida, está cada vez mais longe dos desejos e pulsões que naturalmente sentimos e que o mundo nos incita, cada vez mais, a sentir e agir sobre. Não é, por isso, de estranhar, o surgimento de novas formas de relação e de família.
Parece difícil conceber que alguém queira sexo casual como modo de vida, como se todos tivéssemos de procurar o mesmo e nos satisfazermos de igual modo. Olhamos para o sexo casual como o bilhete de ida para o inferno das relações mas todos nós, em relações longas, o desejámos com a força de mil purgatórios. Mas a prova que o sexo casual funciona – no sentido que quem o pratica dele retira prazer – é o modo como ele entrou no nosso léxico e entendimento da sexualidade. Quem não sabe o que é um ‘one night stand’, amigo colorido, ‘fuck buddy’ , ‘booty call’, ‘sex with an ex’, um engate? Todos sabemos. E, convenhamos, todos (ou quase, vá) o fizemos ou, pelo menos, o desejámos. Sendo assim, por que razão continua a ser visto como uma má versão do sexo, como uma forma menor de algo que parece, indevidamente, sacralizar-se?
Porque tendemos a olhar mais para forma do que para o conteúdo. Ou o sexo com um estranho (ou um amigo) passa a ser uma força do mal que serve para nos culpabilizar e destruir, mas dentro de uma relação é só flores e coisas boas?
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Como em tanta coisa, o sexo casual será bom para uns e nefasto para outros. Se a bússola moral, integridade e noção de respeito por si próprio não chocar com os corpos que se encontram na cama, a casualidade do sexo não perturba. Mas se a matriz religiosa, social, emocional, educacional se perturbar com o desconhecimento do sujeito sexual, então o sexo casual é passível de dano.