O tema “regresso à normalidade” tem sido um dos mais debatidos nos últimos tempos – quer a nível pessoal, profissional ou até mesmo amoroso. A realidade mudou, nos contextos aos quais estávamos adaptados, e os hábitos antigos são agora diferentes: pede-se um distanciamento físico entre as pessoas, de forma a conter a pandemia da Covid-19. Mas será que as relações, a sedução e o sexo vão mudar após a quarentena total? O psicólogo José Carlos Garrucho acredita que não.
É terapeuta familiar e lida diariamente com casais e famílias. Entrevistado pelo Delas.pt, José Carlos Garrucho afirma desde logo que o sexo não vai mudar após o confinamento. “Não tenhamos ilusões, nada vai mudar”, declara, acrescentando que o ser humano facilmente se habitua a novos contextos: “se não tivermos dinheiro para ir passar férias nas Bahamas, faremos o amor por cá, se não tivermos dinheiro para ir a Espanha, faremos o amor por cá, se não pudermos ir à praia porque não nos deixam, faremos o amor na montanha e se na montanha não for possível, faremos em casa ou em outro sítio qualquer. Agora, se o vamos deixar de fazer? Isso garanto-vos que não. Vamos sempre faze-lo, tanto quanto as oportunidades o deixarem e a vontade o ajudar”, reitera o psicólogo, não deixando margens para dúvidas quanto à sua posição face ao tema.
Mas, primeiro, há que fazer uma distinção entre o sexo entre conjugues e casais que estão em processo de conhecimento. “O sexo para os conjugues, em princípio, não traz nenhumas limitações, porque as pessoas já partilham a vida, o espaço, a cama, portanto não haverá mais risco entre fazer sexo e coabitar. Isso não é um problema que se levanta”. E para os outros que não têm conjugue? Depois destes quase dois meses de confinamento, as pessoas vão até “com mais sede ao pote”, defende.
“Quanto à questão da intimidade e da partilha amorosa, não acho que haverá uma grande diferença. Agora, se me perguntar sobre o processo de sedução, ele deverá ser feito da mesma maneira, incluindo agora algumas regras novas”, começa por explicar o terapeuta.
Quando a recompensa é maior que o risco
Para José Carlos Garrucho, todos nós cometemos riscos de vida, diariamente, para tentarmos cumprir com os nossos objetivos. Encontrar alguém para sensualizar e ter relações não é exceção, desde que sintamos que aquele é um risco que vale a pena correr e que nos vais acrescentar algo.
“Provavelmente agora, antes de nos aproximarmos intimamente de alguém, alguns de nós, não sei se todos, vão ter algum cuidado e avaliar primeiro a situação. E não se irão arriscar a um perigo de vida se isso não lhes interessar ou se não lhes valer a pena. Todos nós, todos os dias, colocamos a vida em risco, mas por alguma coisa vale a pena. Se a outra pessoa, ou se aquele encontro, projeta em mim a via para um valor acrescentado à minha existência, eu provavelmente não me importarei de correr o risco“, elucida o psicólogo.
Para o coach familiar, é importante que as pessoas não tenham ilusões e pensem que a sedução ou os encontros amorosos vão deixar de acontecer. Ainda que vários sejam os especialistas que alertem para o facto de as pessoas agora terem medo de se envolver, José Carlos Garrucho diz apenas que isso acontecerá por apenas um período de tempo reduzido. Além do mais, explica ao Delas.pt, depois destes quase dois meses de confinamento, as pessoas vão até “com mais sede ao pote”.
A paixão não se controla – e não irá parar em tempos de Covid
O ser humano é um ser não só social mas também amoroso. Por esse mesmo motivo, vai sentir a necessidade de contacto e de aproximação. “Que as pessoas não tenham a ilusão de que a sedução ou os encontros amorosos deixarão de acontecer por causa disto. Especialmente sendo este um campo que reúne um conjunto de autodeterminações que a nossa consciência controla mal”, começa desde logo por afirmar.
“As pessoas têm a ilusão de que controlam os seus sentimentos e que são capazes de decidir ‘sim’ ou ‘não’, mas isso não é verdade. Naturalmente, as paixões vão acontecer e, como sempre, nós só nos apercebemos que estamos apaixonados depois de já estarmos apaixonados. Há pouco a controlar. Ao recursar aquilo que é inevitável, ele acabará por acontecer”, reitera o terapeuta. E, alerta ainda o especialista, o excesso de controlo pode também ele ser um problema.
“E se nós, apesar de tudo, quisermos ser tão controlados que não queiramos correr risco nenhum, corremos todos os riscos do excesso de controle. Ou seja, quem recusa por inteiro esta coisa das paixões, do sexo e dos envolvimentos, ficará doente de outra forma. Nós somos feitos para ser seres sociais e seres amorosos, para nos apaixonarmos. Ao evitarmos procurar essa parte, inevitavelmente ficaremos doentes ou disfuncionais, de uma maneira ou de outra. Deixaremos de ter uma vida de qualidade e um equilíbrio emocional. Porque nós precisamos disso”, continua a explicar.
O amor não muda – mudam os contextos
O ser humano vai continuar a procurar formas de se relacionar. O que, no entanto, poderá mudar, é os contextos nos quais essa forma de relação pode acontecer. “Se não podemos andar todos ao molho no autocarro, não podemos ir a grandes discotecas, evidentemente que estão aí criadas algumas alterações na aproximação. Se não podemos estar nas esplanadas a fazer olhinhos e a mostrar-nos, se não podemos participar dos rituais sociais, mostrando-nos aos outros e desafiando os outros a mostrarem-se a nós, evidentemente que isso produz alterações“, começa por elucidar o psicólogo.
Sendo o novo Coronavírus um vírus que se transmite sem grande necessidade de intimidade, basta apenas a partilha do ar que respiramos (“porque ele pode facilmente estar presente nas partículas ou aerossóis que produzimos quando respiramos e falamos”, elucida o profissional), é natural que precisemos de adotar comportamentos que não facilitem a propagação e desenvolvimento do vírus. Mas isso não implica a sua extinção.
As redes sociais como novos canais de aproximação
Havendo então aquilo que o especialista acredita ser um distanciamento físico e não social, e não podendo a população praticar vários comportamentos diários aos quais estava habituada, é normal que nasçam, ou se intensifiquem, novos canais que permitam que as pessoas se conheçam e se encontrem.
“Obviamente que quando um canal é fechado, imediatamente abre-se outro. Sempre que se fecha uma porta, abre-se uma janela, isso não há dúvida nenhuma. Mesmo em países onde não é permitido o adultério, não deixa de o haver. Nos países onde não é permitida a homossexualidade, não deixa de haver homossexuais. Longe disso… isto deixa é de estar visível. Se algo não é permitido pelas leis sociais, não será visível socialmente, mas continua a existir, que ninguém tenha a mais pequena ilusão sobre isso”, defende sem dúvidas José Carlos Garrucho.
No que diz respeito às seduções e aos namoros, vão continuar a acontecer, mas adaptados aos contextos em que têm de acontecer. Por exemplo, através das redes sociais e da aproximação via tecnológica. Mas, na hora da verdade, as pessoas “vão arranjar uma alternativa e uma complementaridade em relação a isso, não vão ficar sempre fechadas em casa. Na hora em que bater o desejo e a vontade de estar com alguém, as pessoas desligam as suas consciências e vão à procura de quem lhes interessa. Sempre foi assim”, reitera.
“E até diria mais. Num certo sentido, no pós-confinamento, as pessoas vão com mais sede ao pote. E podem ter alguma inibição inicial, mas estando também mais recetivos ao encontro, serão também menos racionais e mais emotivos e com mais disponibilidade para o envolvimento”, termina por dizer o psicólogo. Em suma, ainda que se mudem alguns contextos, o essencial da sensualização vai “sempre estar lá”.
Portanto, a erotização e sedução do pós confinamento “vai ser muito semelhante, para não dizer igual, ainda que num processo de adaptação a estes novos contextos. Haverão cuidados sociais, como há para ir à loja ou ao supermercado, mas que rapidamente as pessoas se vão esquecer”.
Segundo explica, em jeito de conclusão, o psicólogo, os seres humanos “têm um conjunto de funcionalidades que são à prova de tudo, de todas as circunstancias” e essas funcionalidades vão sempre manter-se.