“Sinto-me mais forte do que muitos homens”

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Patrícia Bredas sagrou-se, em novembro do ano passado, campeã do mundo de powerlifting – levantamento de pesos – numa prova nos EUA. Tem 23 anos e pratica a modalidade há dois. Antes disso praticava culturismo.

A paixão pelo desporto fez com que mudasse de vida. Começou a treinar a sério e a ter regras na alimentação. Os pais sempre a apoiaram, mas os amigos, no início, apontaram-lhe o dedo e acusaram-na de estar obcecada. Mudaram de ideias quando a “obsessão” começou a dar frutos.

Atualmente trabalha numa loja de uma empresa de telecomunicações em Viana do Castelo, é bombeira voluntária e treina duas vezes por dia, nos poucos tempos livres que tem. O esforço diário que faz é tão grande como o sonho de alcançar a profissionalização e poder viver só do desporto.

Como começou a aventura no powerlifting?

Sempre fiz desporto. Fui federada em atletismo e em futebol. Em 2012 fui ver um campeonato de culturismo, gostei do que vi e achei que devia começar a competir. Comecei a preparar-me, fui para o ginásio, comecei a comer melhor e em 2013 tive a minha primeira competição de culturismo que correu mal, a classificação não foi a melhor e o meu preparador disse que eu tinha de ganhar mais massa muscular para conseguir uma maior classificação. Continuei a treinar, comecei a comer mais para ganhar massa muscular e o meu preparador disse-me que eu tinha muito força e devia aproveitar essa força para competir num desporto relacionado com força. Em 2015 fomos ao primeiro campeonato de powerlifting.

Que mudanças teve de fazer na sua vida para praticar esta modalidade?

Em termos de alimentação, no culturismo tinha de ser muito mais rigorosa, a comida era toda contada à grama, embora no powerlifting também tenha de cumprir dietas assim. A nível de treino, não faço tanto cardio. O treino é completamente diferente porque é muito mais pesado, não faço tantas repetições. Faço cargas muito mais altas, treinos com percentagens de peso.

Como reagiram os seus pais e amigos quando lhes disse que queria praticar este desporto?

Os meus pais sempre me apoiaram, mas alguns amigos não. Diziam que eu estava um bocadinho obcecada com o desporto e que devia aproveitar melhor a vida porque o desporto nunca me ia dar nada. Com os resultados começaram a ver que valia a pena.

Quando se quer chegar a um determinado patamar há várias restrições que temos de seguir e cumprir, mesmo que se passe uma mensagem de obsessão aos outros?

Sim, claro, sem dúvida alguma. Infelizmente o desporto não é a minha profissão, mas é algo que eu tenho de encarar como se fosse um trabalho todos os dias. Tenho de cumprir a dieta e ter rigor igual a um trabalho.

Há dificuldade em perceber isso para quem está de fora?

Às vezes sim, mas isto já faz parte do meu dia-a-dia, já não me esforço para ir treinar. Nos dias em que não treino até sinto falta disso.

Que pesos levantava no início?

Lembro-me de, ao fim de um ano a treinar, ficar contente de no agachamento levantar 60 quilos. Agora aguento com 100 quilos no agachamento. Fui campeã do mundo e as marcas foram 190 quilos no peso morto, 95 no supino e 165 no agachamento.

O que significou este título?

Foi o acumular do trabalho de anos. Para mim foi ótimo porque andei muitos anos a treinar, muitas vezes a lutar contra muita coisa. Muitas pessoas achavam que eu nunca ia chegar a lado nenhum e foi ótimo porque consegui demonstrar o trabalho que fiz durante estes anos todos.

Este título vem mudar alguma coisa na sua vida? Trazer mais patrocínios, por exemplo…

Espero que sim, que mude. Até agora ainda não tive apoios praticamente nenhuns, mas espero que as empresas comecem a reconhecer e a apoiar mais os atletas portugueses.

Há muitas mulheres em Portugal a praticar powerlifting?

Cada vez mais. Não há tantas como no culturismo, mas cada vez há mais mulheres a praticar e a perceberem que nada é impossível, com treino conseguem perfeitamente chegar lá. Cá em Portugal conheço oito mulheres a praticar powerlifting, mas há muito mais.

Qual é o seu objetivo para 2017?

Vai depender dos apoios mas, em princípio, este ano vou voltar novamente ao culturismo. Falei com o meu preparador, mesmo antes de ir para o mundial, e disse que queria fazer uma pausa, só depois voltaria ao powerlifting.

Costuma ir variando entre o powerlifting e o culturismo?

Comecei no culturismo. Há dois anos que estava no powerlifting, mas este é um desporto muito pesado e eu tenho um pouco de medo das lesões, de ficar lesionada e ter de estar meio ano ou um ano sem conseguir fazer desporto. Faz bem ao corpo nunca estar a fazer o mesmo desporto, o mesmo treino, e ir mudando um bocadinho para ver também se tenho bons resultados noutras modalidades dentro da musculação.

Já sentiu preconceito por ter um corpo musculado?

Sim, claro. Há preconceito por parte de algumas pessoas. As mulheres pensam que, ao treinar, ficam logo com muito músculo e ficam horríveis. Na minha opinião, não. É muito difícil uma mulher treinar e ficar logo com muito músculo, mas faz bem e fica bonito numa mulher ter o corpo um bocadinho torneado, ter massa muscular.

É também muito baixinha. Quanto mede?

1,49 metros.

No powerlifting isso é uma vantagem ou desvantagem?

É uma vantagem porque o movimento acaba por ser muito mais curto. Normalmente sou sempre a atleta mais baixa, até agora nunca encontrei nenhuma da minha altura.

A Ticha gostava de ser atleta profissional. Este objetivo é mais fácil de alcançar para os homens?

Não. Cá em Portugal é difícil tanto para homens como para mulheres. Infelizmente só se liga ao futebol e nunca falam tanto dos outros desportos, não há apoio, por isso é que muitos atletas, apesar de ganharem alguns prémios, acabam por nunca serem reconhecidos, ninguém valoriza o desporto que praticam.

Que emprego concilia com o desporto?

Trabalho numa loja da MEO, cá em Castelo Branco e sou bombeira voluntária.

Às vezes pedem-lhe para carregar caixas na loja. Sente-se mais forte do que muitos homens?

Claro, sinto-me mais forte do que muitos homens, sem dúvida. Numa das minhas preparações, houve um dia em que estava na cama e tinha o telemóvel a carregar. O carregador não chegava à cama, então puxei a cama com uma só mão e aí percebi que estava mesmo bem preparada e cheia de força. No dia-a-dia consigo notar muita diferença.

Como costuma ser um dia da Ticha?

Acordo às 7:00 para fazer cardio em jejum, faço uma hora de caminhada. Depois venho a casa, como e às 9:00 vou para o trabalho. Saio às 18:00 e vou treinar sempre por volta das 19:00 até às 20:30/21:00. Tenho sempre de me deitar cedo para de manhã conseguir ir fazer cadio.

Que mensagem gostaria de deixar a outras jovens que gostariam de seguir o seu percurso ou que já estão na área e também lutam pela profissionalização?

Se é mesmo o que querem e se é o sonho delas, devem lutar pelos objetivos. Vão sempre aparecer muitos obstáculos na nossa vida, vamos sempre ter dias menos bons, mas se é realmente o que querem e lutarem pelos objetivos isso um dia vai acontecer, vão ter oportunidade de mostrarem o trabalho.