Susana Coerver: “O maior impedimento de conseguirmos cumprir aquilo que nós queremos somos nós”

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Lisboa, 20/05/2016 - Decorreu esta manhã no Centro Comercial Colombo a entrevista a Susana Coerver, marketing da parfois . ( Nuno Pinto Fernandes/ Global Imagens )

Susana Coerver é a diretora de marketing da Parfois, marca portuguesa que tem mais de 650 lojas espalhadas pelo mundo. Encontramo-la na abertura da reformulada loja do C. C. Colombo, em Lisboa, para que nos apresente a nova disposição do espaço, a nova decoração cujo objetivo é oferecer uma nova experiência de loja, mais próxima das lojas premium. Falamos das necessidades dos clientes, e de como a marca consegue responder aos desafios deste mercado da moda tão rápido, tão fã de bom design, sem ter por isso demasiado dinheiro para gastar. Mas falamos de mais. Afinal, esta mulher é muito mais do que a profissão que tem. Como ela nos diz logo à partida: “Chamo-me Susana Coerver, tenho 37 anos e sou a filha número sete de dez, uma família moderna já dos meus, os teus e os nossos. Tenho um filho, o Sebastião, que tem oito anos, temos um hamster e já somos também uma família moderna em que quando o Sebastião vai para casa do pai o hamster também vai.”

Como é que se interessou pelo marketing?

Tive a sorte de sempre saber o que queria fazer na vida, sabia que queria trabalhar sempre na área do design ou comunicação. Tive de trabalhar para pagar o meu curso e, portanto, achei na altura que se calhar o design ia dar um bocadinho mais de trabalho com maquetes e fiz uma escolha funcional e consciente: se vou trabalhar durante o dia é mais fácil ler livros no comboio. E fui fazer Relações Públicas e Publicidade no INP (Instituto de Novas Profissões). Logo no final do primeiro ano juntei dinheiro para pagar alguns meses de faculdade e propus – quando se está a fazer uma licenciatura à noite tem-se a sorte de se conhecer uma diversidade de pessoas maiores do que quando se estuda durante o dia.

Mais velhas, com experiência profissional.

Sim. E o João, que era meu colega de curso, tinha uma agência de publicidade e queria fazer a licenciatura e eu propus-lhe: “João, estou aqui por razões diferentes das tuas, mas acho que a área que quero seguir é publicidade e gostava imenso de perceber, de tirar mais partido daquilo que estou a aprender, posso ir estagiar para a tua agência? Não quero receber dinheiro nenhum, só quero ouvir e perceber o que é que vocês estão a falar e conseguir relacioná-lo com aquilo que estamos a dar na universidade.” Ele disse: “Claro que sim.” Estive lá três meses, era a miúda curiosa que inventava trabalho, era uma agência de design e estive a abrir gavetas e a perceber tudo sobre papéis. As pessoas olhavam para mim a pensar: “Quem é este ser estranho, que está a tirar notas sobre papéis?” e comecei a perceber a diferença entre um papel IOR, os fine papers, os couchés, os tipos de acabamentos diferentes que se podem fazer em papéis e, ao fim de três meses, disse: “João, muito obrigada por me teres deixado estar aqui. Agora vou trabalhar, porque preciso de pagar o curso.” E ele respondeu: “Não, Susana, nós queremos que fiques connosco e vamos pagar-te o curso.”

Que idade tinha nessa altura?

Vinte e um. Foi assim que eu comecei a trabalhar em publicidade no primeiro ano do meu curso, que acho que foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida. Foi um dos pontos que eu acho que me ajudou imenso na minha carreira, a conseguir ter a sorte de ter conseguido fazer o percurso que fiz.

E quando sai da agência, sai porque quer.

Sempre fui uma pessoa muito curiosa, as coisas fazem-se por alguma razão e gosto de questionar “não porque é que quer criar o logótipo assim, mas porque é que precisa de criar um novo logótipo?”. Sempre fui muito atenta à parte da estratégia e de questionar as coisas. Quando saí da agência, onde fui crescendo, decidi que queria trabalhar sim, saí porque queria trabalhar contas maiores, queria trabalhar contas internacionais, queria trabalhar grande consumo e tinha duas propostas. Para mim ter pessoas que me inspiram na minha vida é super importante e tinha duas propostas de agências e decidi ir para uma das agências, que era a Lowe, porque trabalhava lá um planeador estratégico e havia muito poucos planeadores estratégicos em Portugal, que eu adorava, o Luís Veríssimo, e eu cheguei à agência, estava super contente porque tinha decidido pelo sítio onde eu achava que tinha uma pessoa que me podia…

Inspirar?

Inspirar e, no fundo, reforçar o caminho. Eu estava a fazer um percurso um bocadinho sozinha sobre esta parte de questionar os briefings e entender toda a estratégia por trás e o Luís era uma pessoa que ia poder legitimar o meu percurso, que era uma pessoa com mais experiência, que já fazia aquilo há mais tempo. Só que eu acho que todos os publicitários passam por aquela fase na vida que é: “O que é que eu posso fazer mais, sem ser isto?” e o Luís estava nessa fase e, portanto, estava de saída da agência e eu fiquei super triste, a pensar: “Agora a minha inspiração vai-se embora.”

Como é que é esse trabalho de questionar e não fazer simplesmente coisas que são eficazes?

Nós questionamos precisamente para fazer coisas que são eficazes, porque… eu acho que isto já tem muito a ver com a pessoa e eu sempre fui assim. Às vezes pode ser incómodo alguém sempre a perguntar, “Mas porquê? Mas porquê? E porquê assim? Porque não de outra forma?”, mas porque, de facto, e há uma frase que eu dizia muito na altura, que é: “Publicidade sem estratégia é arte, publicidade…”, não, “Comunicação sem estratégia é arte, comunicação com estratégia é publicidade.” E, portanto, se nós só fazemos pelo gosto estamos a fazer arte, estamos a fazer uma peça…

Que é bonita…

Que é bonita, mas que se calhar não cumpre objetivo nenhum. Ou quando andamos sem rumo, andamos à deriva e quando decidimos para onde é que queremos ir temos que definir um plano e, às vezes, quando fazemos só uma coisa por ser bonita podemos correr o risco de ir parar a um sítio que não queríamos e, por isso, temos que questionar. Queria seria sempre fazer as coisas com um sentido e com uma consequência porque todas as coisas que nós fazemos produzem algum efeito, produzem alguma consequência e, portanto, entender a razão daquela necessidade, e às vezes acontecia até que, quando investigamos muito, percebemos que a necessidade afinal é outra completamente diferente.

Isso quer dizer o quê, que encontrava clientes que precisavam de comunicar, mas que estavam a comunicar pelo caminho errado?

Porque muitas das vezes os clientes começam a perguntar pelo fim. Dizem: “Eu preciso de fazer um anúncio de 30 segundos e que vai passar aqui ou ali.” E depois começa a desconstrução: “Mas porque é que precisa de fazer o anúncio?”; “Quais são os problemas que está a tentar resolver?”; “Tem algum problema efetivamente ou tem uma oportunidade?” e começamos a desconstruir a coisa por aí. Se calhar, aquilo que ele precisa não é de anúncio nenhum, se calhar, aquilo que ele precisava era de uma ação de comunicação interna ou um evento, ou outra coisa. Quando começamos a desconstruir, e isso aconteceu-me exatamente no mesmo sítio onde estou hoje, aconteceu-me um dia que me perguntavam, disseram-me: “Olha, nós estamos com imensas vagas abertas e precisamos de comunicar, precisamos de contratar muitas pessoas ao mesmo tempo, então estamos a pensar agora que é a altura dos festivais ir distribuir folhetos para a porta dos festivais…”, eu disse, “Espera, mas porque é que, porque é que isso é o que faz sentido? Explica-me qual é que é o teu problema, o que é que tu queres resolver?”; “Então nós, neste momento, estamos com 150 vagas em aberto e precisamos de recrutar muita gente e, portanto, achamos que os miúdos saíram da faculdade, estão nos festivais e não sei quê…”; “Mas nós só precisamos de miúdos?”; “Não, mas nos festivais não estão só miúdos” eu disse, “Então, vou-vos dizer uma coisa”, isto na altura com os recursos humanos, eu dizia “Vocês explicam-me o que é que vocês precisam, qual é que é o problema que têm para resolver e sou eu que vos vou dizer qual é a forma melhor para resolver”, porque é aí que está a diferença, e os clientes muitas das vezes também chegam com este briefing: “Eu preciso de fazer uns folhetos.” Isso não é um briefing, isso já é a execução. Começar a desconstruir e, neste caso específico, na Parfois. Na altura o que nós dissemos foi: “Nós queremos ser uma marca de moda.” E, portanto, onde é que estão as pessoas que trabalham, ou que são curiosas ou que se interessam por moda? Muitas estão no Instagram e, portanto, nós aquilo que fizemos foi, criámos imagens típicas, imagens de Instagram a divulgar as vagas que tínhamos, nas 12 áreas que tínhamos na Parfois e organizámos um Recruitment Day em Lisboa. Depois divulgámos que estávamos a recrutar pelo Instagram, dissemos quantas vagas tínhamos e foi inacreditável. Num dia tivemos mais de duas mil inscrições, em menos de 24 horas, saímos nas notícias porque foi a novidade também “A Parfois está a recrutar pelo Instagram” e, de facto, conseguimos chegar a um número de pessoas que jamais teríamos conseguido chegar se tivéssemos feito os folhetos à porta de um festival. Porque depois tivemos o fenómeno também da amplificação, que é as pessoas que veem e que partilham, porque toda a gente tem um amigo que está à procura de trabalho, o número de partilhas foi, de facto, inacreditável e foi uma ação com um sucesso que nem nós esperávamos. Depois corremos o risco de: “Como é que vamos gerir duas mil inscrições e receber estas pessoas todas?”, portanto, o questionar sempre fez parte do processo…

É uma forma nova de trabalhar, para a Parfois seguramente, e nota-se diferença e já lá vamos, mas tem a ver com esse percurso, também o percurso que teve de trabalhar no estrangeiro ou tem a ver também com essa sua curiosidade e essa capacidade que tem? Eu imagino que sendo irmã, a sétima irmã de dez, passou muito tempo a resolver problemas, ou seja, há sempre questões que é preciso resolver e encontrar solução, como é que vamos todos para a praia?

Nós, só cinco é que vivemos sempre juntos, mas sim, esse problema existe. Ser filha no meio de vários irmãos obriga-nos a ter sempre uma forma de encontrar soluções porque não temos alguém, como eu estou hoje com o Sebastião a ajudá-lo a resolver os problemas todos, dá-nos muito mais independência e torna-nos muito mais problem solvers. Lembro-me perfeitamente de estar, e enfim, não dá para estar sempre a comprar roupa para os filhos e não sei quê e temos as coisas muito mais racionadas quando são muitos e eu, de repente, tinha, porque queria uma saia preta e queria uma saia preta e não tinha uma saia preta e a minha mãe não me ia comprar uma saia preta. Peguei numa t-shirt dos meus irmãos, uma t-shirt preta, o colarinho fez de cintura, os bolsos foram as mangas que eu pus para dentro, cosi, de repente tinha a minha saia preta, portanto, isto… se calhar os meus irmãos quando descobriram o que eu fiz à t-shirt não acharam muita graça, mas pronto. Mas a necessidade aguça o engenho.

De encontrar soluções.

Exatamente, mas acho que sim, que a nossa vida, obviamente, que o nosso percurso de vida individual enquanto pessoas influencia tudo. Até tenho uma teoria, curiosa, que tenho feito com algumas pessoas, e digo imensas vezes, acho que aquilo que nós mais brincávamos enquanto crianças está de alguma forma ligado àquilo que nós fazemos ou àquilo que nós gostaríamos de ter feito. Tenho feito esta pergunta a muitas pessoas e é engraçado que tem muita ligação. Eu e a minha irmã, quando brincávamos, pegávamos nas bijuterias e joias todas da minha mãe. Eu era a dona da ourivesaria e a minha irmã era a professora. A minha irmã é professora e eu hoje trabalho na Parfois. Na altura, quando comecei com esta teoria, nem sequer fazia ideia que trabalhava na Parfois, mas quer dizer, eu era sempre a gerente, a chefe, a diretora, a empreendedora, a minha irmã era a que tomava conta dos meus filhos, eu passava os cheques e, de repente, é muito engraçado que encontre imensa gente que tem esta ligação e começa a fazer este exercício e diz, ou eu trabalho na área que tem a ver com aquilo que eu brincava ou aquilo que eu gostava verdadeiramente de fazer, porque há pessoas que trabalham em áreas que não têm a ver, e que, de facto, tem ligação. Portanto, a nossa vida individual, que não tem a ver com a parte letiva, acho que tem muita influência, a curiosidade não é uma coisa que se ensina na universidade, é uma coisa que é intrínseca, é uma coisa que estava em mim e que orientou muito o meu percurso nas agências. Depois, claro, acho que, também como estava a dizer, a parte de ter tido a experiência de ir para fora, de ter saído de Portugal sem trabalho, à aventura…

A Susana foi para São Paulo, sem ter nada garantido. O que é que aconteceu para tomar essa decisão?

Enfim, eu não sei. O meu filho costuma dizer: “Eu adoro ter uma mãe maluca” e eu acho que ele tem uma mãe maluca porque, ao contrário de muitas pessoas que tiveram que sair do país, eu estava muito bem profissionalmente. Era diretora de planeamento estratégico e serviço a clientes numa agência, portanto, estava bem colocada, tinha um bom salário, morava na casa que queria viver em Campo de Ourique, alugada, porque eu prefiro não ter nada, para ser mais fácil o desprendimento, o Sebastião estava na escola ao pé de casa e, de repente, a parte de quem trabalha em comunicação e em publicidade é muito ingrata. A vida e o trabalho são duríssimos, não digo que o meu trabalho não seja exigente, mas o trabalho numa agência tem uma exigência completamente diferente de horários e de uma exigência emocional duríssima, que é estar a trabalhar noites consecutivas para um projeto que não se vai receber nem um centavo e viver com isso, e viver numa altura em que estávamos em crise e fazer imensos projetos que ficam na gaveta não porque alguém ganhou, mas porque, pura e simplesmente, desistiram do projeto. É uma coisa muito frustrante, principalmente para quem gosta do que faz, e eu comecei a ficar super triste de pena, tantas coisas giras que se estão a pôr na gaveta. Na altura até passei por um concurso que era para o turismo dos Açores, eram 30 milhões de euros e portanto, um briefing super exaustivo, complexo, que quis muita gente a trabalhar, que quis investimentos, viagens aos Açores. Éramos 11 agências a entregar as propostas nos Açores e, de repente, o concurso foi abortado. Nós, as agências, juntámo-nos na altura e o investimento das agências, entre recursos humanos, investimentos físicos de fazer maquetes de filmes, viagens, rondava um milhão de euros e, pura e simplesmente, abortou-se assim um projeto que é uma coisa completamente inacreditável, inaceitável…

E a parte emocional de que me falava, além da questão do dinheiro, é também…

É esta, lidar com esta injustiça e com esta frustração toda, porque a maior parte das outras profissões fazem-se e são pagas independentemente de estar bem ou mal, quem nos serviu o café, o café podia estar queimado, mas nós pagámo-lo e o bife a mesma coisa. Portanto é muito injusta esta parte na comunicação e, portanto, decidi, tinha estudado há 12 anos quando me mudei para a Lowe e o Luís Veríssimo saiu. De repente disse: “Bom, ele agora saiu e eu queria mesmo alguém que me ajudasse a perceber se aquilo que estou a fazer é bem feito”. Tirei uma licença sem vencimento e fui fazer um curso de planeamento estratégico em São Paulo. Na altura já tinha conseguido juntar dinheiro para poder fazer uma aventura destas. E, portanto, nessa altura fiz um conjunto de amigos – eu vou mantendo sempre muito os contactos e as relações – e, 12 anos depois quando me decido, – porque fiquei sempre com aquele bichinho de quando fiz lá o curso, na altura aquele curso dava direito a entrar em qualquer agência porque era uma coisa nova, São Paulo, o Brasil duma forma geral já tinha alguns planeadores estratégicos, é uma função nas agências muito mais comum do que é em Portugal, continua a haver muito poucos em Portugal. Portanto, eu fiquei com aquele bichinho de como é que teria sido se tivesse ficado – é o único sítio do mundo onde as agências de publicidade ainda têm a media dentro e os orçamentos que existem disponíveis são incomparáveis com algum orçamento que se tenha aqui em Portugal. Eu disse: “Bom, como é que seria trabalhar com dinheiro? Como é que seria trabalhar com coisas que vão acontecer efetivamente a maior parte das vezes?” e, de repente, mesmo com um filho, com trabalho e com casa, pensei “Se calhar é agora o momento.” E é engraçado como nós vamos mudando as nossas crenças ao longo da vida, que achamos quando tivermos um filho já não vamos aventurar-nos. Às vezes são os filhos que nos dão coragem de nos aventurarmos e, portanto, fui com o Sebastião e com o pai. Na altura até estávamos separados e voltámos, pensámos “vamos ver se isto dá certo longe de tudo, a pressão da família, dos amigos”. Fomos juntos para São Paulo. Digo que há a Susana antes de São Paulo e depois de São Paulo, porque uma coisa é alguém procurar um planeador estratégico em Portugal, e normalmente o meu nome surgia porque não havia assim tantos e já era uma pessoa conhecida naquilo que se está a fazer, outra coisa é de repente decidirmos mudar, quando estamos num ponto da carreira em que se é diretor e vamos para um país onde ninguém nos conhece bater à porta, passar por processos duríssimos de “Quem és tu? Mas porque é que achas que eu te vou contratar? Mas ninguém te conhece aqui.” Um processo de humildade, chegar e saber. Eu sabia exatamente de quanto é que eu precisava para viver e não estava preocupada com o cargo. Dizia: “Isto é o melhor que lhes pode acontecer”, é uma pessoa qualificada que não se importa por onde é que vai começar, e também é giro perceber os outros pontos de vista. Achava que isto era o melhor, mas depois houve um professor, um que foi meu professor há 12 anos, que me disse: “Su, imagina quem está do outro lado, que pensa, porque é que esta pessoa que já foi Head of Planning em duas agências na Europa aceita vir aqui trabalhar como account, isto é um bocado estranho, só pode trazer água no bico. E depois, por outro lado, esta pessoa que já teve numa função de direção, de repente, vem para uma função que não é de direção e ao fim de dois meses vai-se chatear.” De repente, perceber o outro lado e pensar, “Pois, não tinha pensado nisso, ele tem razão.”.

E depois desse telefonema há uma diferença também na procura de emprego lá ou não?
Ou seja, tem esse aviso do professor, e deixa de dizer “eu posso começar por baixo”?
Não, porque, de facto, era essa a minha proposta, só que depois de fazer uma série de conversas e de bater à porta de não sei quantas pessoas… É com esforço se encontra com a sorte, não é? O trabalho e a preparação encontram-se com a sorte. Eu trabalhei antes de ir para São Paulo, trabalhei três anos com a Samsung e o diretor de planeamento estratégico da agência, tinha acabado de sair, e eles precisavam de alguém, era a agência coreana a Cheil, precisava de alguém e o principal cliente era a Samsung e de repente, dizem “Bem, isto caiu-nos do céu. Esta pessoa trabalhava na Europa, que está mais avançado do que nós em termos de tecnologia e, de repente, cai-nos assim do céu…”, e, portanto, eu dizia isto “Cai-me assim do céu.”, e, portanto, tive a sorte de, ao fim de três meses, que era aquilo que eu tinha planeado, comecei a trabalhar numa agência, na função que eu tinha em Portugal, a ganhar aquilo que queria e, portanto, a partir daí o percurso foi, foi ótimo e correu…

Nesta saída de Portugal, havia também uma vontade de se desafiar, de tentar perceber exatamente o que é que era capaz de fazer?

Hoje olhando para trás acho que estou um bocadinho viciada em sair fora da minha zona de conforto, isto depois uma pessoa gosta de perceber o que é que se consegue fazer e há um publicitário que diz: “Eu gosto muito de fazer coisas novas, gosto de inovação, gosto de criatividade” e há um criativo que diz: “Se não tiveres borrado de medo, não estás a fazer nada de novo.” Gosto desta sensação de frio na barriga quando estou a fazer alguma coisa que não funciona em todos os sítios, eu acho que nem todos os sítios estão preparados para pessoas como eu e eu também acho que não seria feliz em qualquer…

Estrutura?

Em qualquer estrutura. Porque é preciso ser uma estrutura que consiga aceitar uma pessoa que também desafia e há as estruturas que estão todas muito certinhas com os procedimentos todos, e de repente, alguém que quer furar os procedimentos, se calhar não se encaixa bem. E, portanto, eu acho que na vida, como no trabalho sou um bocadinho assim.

Esteve em São Paulo quanto tempo?

Estive dois anos.

E depois regressa a Portugal.

Regresso a Portugal, enfim, eu acho que depois a minha vida passou a ser uma sucessão de sorte com trabalho, não sei, mas eu costumo dizer que tenho uma estrelinha enorme a tomar conta de mim, porque entretanto separei-me em São Paulo, tinha acabado de ser convidada para um projeto espetacular em lá com um salário que não sei se mais alguma vez na vida vou ter, mas, de facto, quando me separei, o pai do meu filho ia voltar para Portugal e eu pensei: “Não faz sentido nenhum… uma coisa é o núcleo duro estar em São Paulo, outra coisa é estarmos só dois.” E eu ia ter que viajar e não me faz sentido nenhum, muito menos no Brasil que em publicidade se ganha muito bem, depois se é um alvo fácil para algumas coisas que acontecem lá e, portanto…

Raptos e violência?

Sim, sim. Em publicidade, infelizmente, é muito comum isto acontecer. Portanto, nem por um segundo o salário mexeu comigo porque percebi: “Olha, vou ter que voltar para Portugal” e eu tinha muita gente que na altura que me escrevia “Su, como é que conseguiste? Como é que eu vou para aí? Como é que eu vou fazer?” e eu dizia “E agora? Toda a gente a querer vir para cá e eu vou ter que ir para Portugal, fazer o quê?”. As agências péssimas, imensos amigos desempregados, situações muito complicadas, algumas que já passaram outras pessoas que ainda estão em situações muito complicadas e eu pensei “O que é que eu vou fazer?” …

Mas veio…

E fiquei uma noite sem dormir e quando acordei abri o meu computador pessoal e tinha um e-mail duma pessoa com quem eu tinha trabalhado na Sonae que me escreveu a dizer: “Susana, olha, está aqui uma marca de moda que está há algum tempo à procura duma Diretora de Marketing. Acho que podias ser tu, não sei se estás a pensar voltar para Portugal ou não.” Na altura estava sem dormir, com o emocional um bocadinho, e eu liguei à Rita a chorar, a dizer “Rita, não tens noção, ontem decidi que tinha que voltar para Portugal e hoje estás-me a aparecer com isto, claro que sim. É espetacular, quero muito.” E ela disse, “Mas é no Porto.”, eu disse “Porto, Lisboa, é muito diferente do que São Paulo, Lisboa” e, de repente, foi assim…

Com a Susana, não dá para não acreditar na estrelinha da sorte.

Pois não. Não, porque, de facto, e tem sido muito presente esta estrelinha em todo o meu percurso. Claro que, o pai em Lisboa e eu no Porto e ter que, o Sebastião ter que entrar para a primeira classe e poder estar muito menos tempo com o pai foi um processo complicado, mas enfim, eu tinha que trabalhar, continuo a não ter quem me pague as contas, tal como quando fui para a universidade e, portanto, não dá para não trabalhar e, portanto, uma oportunidade destas e, de facto, a Parfois é uma oportunidade que não há muitas em Portugal.

O projeto que lhe deram, basicamente, foi fazer isto tudo de novo, certo?

É um projeto espetacular. É um projeto espetacular.

Ou seja, encontra a marca relativamente estacionada

Completamente, sim.

E em dois anos, dá uma volta gigantesca…

Foi encontrar um projeto espetacular que as pessoas não conheciam, porque eu própria, quando me falaram em Parfois eu achava que era uma marca francesa, pelo nome, como muita gente, não fazia ideia que era portuguesa. Não fazia ideia o que é que tinha, porque há muito tempo que eu já não ia a uma Parfois e, de repente, entrei, saí, a nossa sede é uma sede que foi crescendo e ocupando espaço de outras empresas até ficar um espaço gigantesco, até ficar um espaço tão grande que já não cabia mais e, portanto, tivemos que mudar o nosso centro de logística e eu quando cheguei à Parfois tinha acabado de vir da Ogilvy, de São Paulo, linda de morrer, com manicura, com massagens, com fruta descascada, com peças de design pela agência, com workshops a cada quinze dias e de repente chego a um barracão industrial e digo “O que é isto? Isto é muito feio.”, e, de repente, quando entro na Parfois começo a andar em corredores de sapatos, de chapéus, de bijuteria e disse “Uau!” esqueci-me do barracão e disse “Isto é o sonho de qualquer mulher, isto é, um walking closet.” E que depois fui descobrir, enfim, foi descobrir o que é a Parfois e foi um ano de tentar entender o que é que é e é uma empresa que eu falo de boca cheia e com imenso orgulho, porque acho que é um projeto espetacular, adoro trabalhar com a Manuela Medeiros, que é uma pessoa espetacular, super inspiradora, super dura, mas quem monta um império destes só pode ser, é o bebé dela que ela está a entregar a 2000 pessoas que já trabalham na Parfois e, portanto, tem que o fazer duma forma dura, mas é super desafiante trabalhar com ela, cresce-se imenso, aprende-se imenso de alguém que fez daquilo a próprio pulso. Para mim, enquanto mulher, também é uma coisa inspiradora, é uma única dona, é uma mulher que fez aquilo a pulso, teve momentos difíceis também, tem um percurso parecido com o meu, é do Porto veio com as filhas, separada, para Lisboa, eu fui separada para o Porto e, portanto, identificamo-nos em muitos momentos e é uma pessoa supersensível a estas dificuldades de querer ser mãe e profissional ao mesmo tempo.

Mas tinha uma tarefa específica, não é? Ou seja…

A Parfois é uma empresa muito orientada para produtos, sempre foi e, de repente, sentiram que era preciso cuidar um bocadinho da marca. E o meu desafio era esse, era cuidar da marca Parfois e entender o que é que era a essência da Parfois.

Usou a sua metodologia de “Qual é o problema que podemos resolver?”?

Quer dizer, o problema era mesmo, era esse, era não termos marca. A minha metodologia aqui foi encontrar a essência do que é que é. “Não temos marca. O que é que vai ser esta marca?”, porque eu acredito que as marcas têm de ser verdadeiras e não se pode apenas escolher “ah, eu quero ser moda” e, de repente, não há nada de moda lá dentro e não é verdade. A Parfois tem muita moda e tem pessoas sempre a viajar, a descobrir o que é que são as tendências e a ver o que é que está a acontecer no mundo. Em Londres, no Japão, em Paris, em Nova Iorque e, portanto, isto acontece, efetivamente, todos os dias. E descobrir, como aconteceu no evento que fizemos o ano passado em Lisboa, descobrir que há um senhor Rui, que há uma dona Branca que fazem o protótipo das carteiras, há pessoas que trabalhar na Parfois e que não faziam a mínima ideia que isto acontecia, porque isto tropeça-se, de repente, está-se a andar pelo armazém e descobre-se que há os costureiros que fazem protótipos e eu disse “Bem, isto é espetacular” e é preciso dar a conhecer isto às pessoas. Então foi um ano de juntar as várias pecinhas, “Olha temos design próprio”, que eu achava que se ia comprar coisas feitas, temos uma pessoa que construiu isto pelo seu próprio pulso quando tinha 42 anos e isto também é super inspirador porque nos faz acreditar, que estamos sempre a tempo…

Que é possível dar a volta…

Que estamos sempre a tempo de descobrir aquilo que podemos fazer. Outra das coisas que aprendi na Parfois é aquela coisa portuguesa de “Ah, porque somos portugueses e porque estamos neste cantinho e porque ninguém nos conhece.” E é uma coisa que eu uso imenso nas apresentações, nas minhas apresentações, que ainda na semana passada fui convidada para um evento de agências de relações públicas do mundo inteiro, e eu mostrava-lhes um slide que mostrava, tinha um pontinho na Corunha e mostrava a distância da Parfois, a sede, até à Corunha e a distância até Lisboa e eu perguntava-lhe se sabiam o que era aquele ponto, e diziam-me que não, há pessoas que sabem e diziam “A Inditex”, e eu “Exatamente, é a Inditex. É o maior retalhista de moda do mundo.” Está mais próximo da Parfois, do que nós estamos de Lisboa, portanto, a geografia não é um impedimento.

A geografia não tem nada a ver.

O maior impedimento de conseguirmos cumprir aquilo que nós queremos somos nós mesmos, nós normalmente somos o nosso principal inimigo. E eu acho que os portugueses, muitas vezes, são os maiores inimigos que nós temos, estava visão de “Ah, porque estamos aqui neste canto! Ah, porque somos portugueses! Ah, porque somos pequeninos!” Nós só somos pequeninos se quisermos ser pequeninos.

A Parfois é hoje o exemplo máximo disso.

Cem por cento, cem por cento.

Quantas lojas há no mundo?
Neste, nunca está certo o número, mas são cerca de 650 lojas.

Nunca está certo porque estão sempre a abrir mais uma?

Estamos sempre a abrir. Ontem eu vi três ou quatro e-mails de “Abrimos mais uma loja!”, este ano estamos a abrir, estamos quase a abrir no Irão, se calhar ainda vamos abrir no México e, portanto, todos os dias há uma loja nova. Portanto, o projeto não podia ser um projeto mais desafiante, acho que não há muitos projetos como este em Portugal, poder fazer aquilo que eu fazia em agência que era, eu trabalhava para coordenações internacionais, a coordenação da Unilever que está em Londres ou que está em Amsterdão e, de repente, eu sou a coordenação, eu sou, nós somos o país a quem eles têm de prestar contas de tudo aquilo que estão a fazer e não há, eu não sei se há outra marca em que se possa fazer isto em Portugal, ter, poder dar palpites sobre 53 países e sobre as ações de comunicação e de marketing que se estão a fazer nestes países todos.

Porque há muito envolvimento da marca sempre em todos os pontos onde a marca está…

Tudo.

…, mas não há uma comunicação, ou seja, há uma marca que é a mesma, mas a forma como se comunica tem de que ser diferente adaptada a cada mercado, ou não?

Mais ou menos, mais ou menos.

Mais ou menos?

Idealmente será sempre igual. Há coisas muito específicas, claro que, em alguns países do Médio Oriente não podemos ter o catálogo com modelo e, portanto, temos de fazer um catálogo à parte. Eu em dezembro tive a minha primeira experiência de ir, foi mais uma vez, eu adorei, porque foi sair fora da zona de conforto totalmente, fui à Arábia Saudita sozinha e, portanto, foi…

Impressionante? Diferente?

Uma experiência espetacular. Eu estava no Dubai à espera do avião, já tinha comprado a minha abaya, porque não se pode andar sem a abaya, e estava sentada à espera do avião e de repente uma senhora vestida de abaya pergunta-me “Vais sozinha para a Arábia Saudita?” e eu disse “Sim.”, e ela “Ah, oxalá corra tudo bem.”. Imagina o frio na barriga que dá quando nos dizem isto, e eu pensei, será que eu sou mesmo mais doida do que deveria ser, e ela disse, “Mas vais ter alguém à tua espera?”, e eu disse “Sim, vou ter um motorista” e depois percebe-se que a coisa não é tão, sim, tem que se ter alguns cuidados, em Roma sê romano, acho que é sempre este o conselho, é perceber um bocadinho para onde é que vamos, mas de facto é uma realidade e um mundo completamente à parte.

E a nível de negociação ser mulher lá, na Arábia Saudita…

É super difícil. É impeditivo às vezes. Mas ali era mais, o meu desafio era entender melhor, porque, uma coisa é dizerem-nos “Tem que ser assim, não podes pôr, e não podes pôr modelo e não podes” e às vezes eu vejo coisas com modelo e quis entender e, de facto, tem muitas regras, eu estar com o parceiro que temos na Arábia Saudita e dizer “Ah, isto não é como no Dubai, não tem prédios tão altos como no Dubai.”, e ele “Ah, então não tem? Tens ali a Kingdom Tower, ainda o outro dia jantei com o Sérgio”, que é o meu chefe “no octogésimo sexto andar.” E eu disse, “Ah boa, então podíamos ir lá logo à noite.” E ele “Não Susana, nós não podemos jantar juntos.”; “Ah, pois é, já me esquecia” e, portanto, toda esta programação que existe ou acontecer de ir a uma reunião num prédio de escritórios que não tem sequer casa de banho para mulheres e, portanto, inviabiliza ter essa, essa reunião e, portanto, é, de facto, um mundo muito à parte, é preciso entender e respeitar as regras e aquilo que nós fazemos aqui não funciona lá ou é diferente.

Quantos países do Médio Oriente é que têm?

Temos bastantes.

É interessante pensar, que apesar das mulheres andarem todas cobertas o mercado de moda nesses países é enorme.

É enorme e é ver lojas que nós não temos cá em Portugal, elas têm todas. Eles têm Topshop’s e não sei quantas outras lojas que nós não temos, eles têm todas.

A Susana chegou a ir a um ambiente mais íntimo, uma família ou assim? Tentar perceber como é que elas usam a moda, tem esse feedback?

Não, não. Estava sozinha, mas em breve vou fazer outra viagem lá e vou tentar, porque coincidiu nós temos uma, uma árabe que trabalha connosco e a ideia era ter ido com ela, mas depois não coincidiu a viagem, mas é um dos objetivos. Mas, de facto, é, as lojas não têm sequer provadores, que é uma coisa estranhíssima. E depois vamos à casa de banho e a casa de banho tem provadores. E portanto, é assim uma coisa… estranha, mas, de facto, as regras mudam, mudam muito e claro que temos esses extremos e depois temos coisas, por exemplo, um dos problemas que nós temos em termos de comunicação e, lá está, já é dentro daquele registo de “Porque é que as pessoas não estão a entrar?” e ir atrás, descobrir qual é que era o problema, nós somos um bocadinho obcecados, eu acho que quando se olha para Parfois e quando se olha para as marcas que se diz tradicionalmente que seriam as nossas concorrentes diretas, eu acho que há uma diferença gigantesca hoje em dia, eu acho que não, nenhuma das lojas tradicionais de acessórios de moda já se pode considerar nossa, porque eu acho que estamos tão diferentes, a nossa experiência de loja é tão diferente que eu acho que nós já consideramos as outras lojas, as Zara’s e as H&M’s já consideramos essas as nossas concorrentes e então…

Estava-me a falar da experiência de loja e da diferença que faz…

Ah, e então, nós somos tão obcecados com o visual merchandising, pela exposição, que o produto respire, que dê para ver o produto, efetivamente, que isso também cria uma loja e uma experiência mais premium e, portanto, em Portugal houve pessoas que acharam até que nós tínhamos aumentado os preços por causa deste conceito novo de loja e a verdade é que os preços são exatamente iguais. Porque, de facto, cria-se essa ideia mais premium da experiência de loja.

É mais bonito, é mais caro, não é?

É mais bonito, é mais caro. E em Portugal isso não é um problema tão grande, claro que as pessoas acharem que vai ser mais caro é um problema, mas num país onde as pessoas não nos conhecem, como por exemplo Itália, onde nós abrimos o ano passado, já foi em 2014, no final de 2014, e de repente as pessoas não conhecem a Parfois, veem uma loja com um aspeto clean, acham que vai ser caro e, portanto, não entram. E nós não somos uma marca promocional, nós temos um bom preço, portanto, não precisamos de estar a fazer promoções, o estar sempre a fazer promoções cria exatamente o efeito oposto, que é…

Se calhar não é assim tão bom.

Exato, o low price tira valor à marca e estar sempre em promoções. Não somos uma marca que está sempre com flash de preço e, portanto, como é que nós vamos fazer as pessoas entrarem na nossa loja sem fazer um flash de preço ou sem fazer uma promoção?

Como é que fazem?

Criámos uma ação que nós chamamos um perfect matchParfois and you the perfect match – e então, não gostamos muito de folhetos também, e criámos um cartão que parece um postal que tinha um brinco e aquilo que dissemos às pessoas foi: “Se queres o par tens de ir à loja buscar.” É muito fácil medir o retorno dessa ação, o número de brincos que sobrarem na loja é o número de pessoas que não voltaram. E o primeiro lugar onde fizemos isto foi em Itália e cem por cento das pessoas a quem entregámos o brinde foram à loja comprar. E este era o objetivo, era pôr as pessoas a ver o produto, a mexer no produto e a perceber que o preço era bom. Depois tínhamos o segundo objetivo que era, pedir às meninas da loja que vissem das pessoas que foram buscar o brinco quem é que comprou alguma coisa, e em Itália, de facto, isto foi um blockbuster porque 70% das pessoas que entraram compraram e, portanto, quer dizer, não podia ter corrido melhor.
Fizemos isto na Alemanha porque tínhamos exatamente o mesmo problema. Nós achamos “Ah, Europa, padrão de comportamento” e, de repente, tivemos uma ação que foi quase todas as pessoas que receberam o brinco foram à loja devolvê-lo.

Muito educados e…

E nós pensámos “Que estranho, mas o que é que aconteceu? Porque é que as pessoas foram devolver o brinco?” e depois a gerente da loja dizia “Ah, é porque as pessoas não gostavam do brinco.” Nós temos referências parecidas com aquela e fomos ver a performance de vendas, eles vendiam tanto ou mais que nos outros países, portanto, essa resposta não era válida. No ano passado fui convidada para um encontro das agências de publicidade em Lisboa, que vinham do mundo inteiro, e a minha primeira pergunta foi “Há aqui alguém da Alemanha?” e havia uma agência alemã e eu disse “Conseguem-me ajudar a perceber?”, porque com duas lojas não temos dinheiro para andar a fazer estudos de mercado para perceber, e eles disseram “Olha, ponto número um, se eles não gostaram nós deitamos nada fora, somos muito conscientes, consumidores muito conscientes…”

Ecologicamente falando?

Exatamente, “e, portanto, não vamos nunca deitar nada fora, até porque íamos ter imenso trabalho, porque o cartão é para um lado, o brinco é para o outro e, portanto, era mais fácil ir à loja devolver” e, depois, a segunda coisa – e isso para mim foi um bocadinho mais difícil de entender – é “vocês oferecerem uma coisa que vendem na loja para nós é um bocadinho concorrência desleal.” que eu achei um bocadinho estranho, não é? Não estamos a fazer bumping estamos a oferecer qualquer coisa porque abrimos a loja “e, portanto, se nós nos estivessem a oferecer uma chávena de chá, nós íamos reagir melhor do que estarem a oferecer uma coisa que vendem na loja.” eu isso achei estranhíssimo, mas enfim, é uma opinião de alguém que mora lá. Agora quando estive neste evento de agências de relações públicas voltei a perguntar e eles dizem que, de facto, a questão ambiental é sem dúvida, 100% verdadeira, mas a verdade é que apesar do comportamento ter sido completamente diferente do de Itália, o sucesso foi maior, porque eles foram devolver, viram a loja e ainda compraram alguma coisa. (risos). Portanto, foi espetacular, mas, portanto, quer dizer, isto é, é outra…

Mas isso são formas que têm para contornar um aspeto muito premium que querem ter nas lojas todas.

Exato, sim.

Lisboa, 20/05/2016 - Decorreu esta manhã no Centro Comercial Colombo a entrevista a Susana Coerver, marketing da parfois . ( Nuno Pinto Fernandes/ Global Imagens )

Hoje estamos aqui por causa da abertura da loja premium, da concept store da Parfois que vem na sequência deste conceito que a Susana quis implementar na Parfois, verdade?
Sim.

Ou seja, a experiência de loja ser agradável, o que é que isto faz pela marca? Ou seja, já percebemos que não é uma questão de preço, porque o preço não aumenta, o que é que faz, qual é importância de termos uma loja desafogada, onde se veem bem as peças, onde há três exemplares de cada modelo?

Nós na Parfois, quem entra na Parfois sabe que a razão pela qual nós acordamos todos os dias para trabalhar é para sermos a melhor marca de acessórios de moda, onde se quer que nós decidamos operar, isso não quer dizer que nós já somos, mas põem-nos a fasquia alta e a Parfois é super ambiciosa. Ambição é uma coisa que se vive mesmo intensamente na Parfois todos os dias e é muito engraçado porque nós às vezes estamos a competir com grupos gigantescos, e até se diz que o elemento comum às pessoas é, de facto, esta coragem de acreditar que nós com arco e flecha, conseguimos competir com alguém que tem um canhão, ou que tem uma bazuca ou que tem armas químicas, não sei. Ou, no outro dia, o nosso diretor de logística dizia que “Não, nós somos espetaculares porque, de facto, somos guerreiros, porque estamos de mota de água e eles de traineira ao nosso lado e nós acreditamos que vamos conseguir.” E a verdade é que vamos conseguindo, mas, de facto, essa, 1. Queremos ser bons naquilo que estamos a fazer, é um drive muito grande; 2. Queremos ser reconhecidos cada vez mais como uma marca de moda. De facto, isso já se fazia lá dentro, seguem-se tendências, conseguimos ver referências que estão a acontecer em passerelle e precisamos que todo o ambiente respire isso, quer dizer, um produto posto num ambiente e posto noutro completamente diferente é outra coisa e, portanto, as pessoas hoje olham para os produtos da nossa loja e acham, mesmo em Portugal, que eles vão ser mais caros porque todo o ambiente da loja está mais premium e, portanto, é isso.

As pessoas reconhecem também essa qualidade das ideias, ou seja, a associação a um produto bom, apesar de não ser caro, tem um retorno depois em termos de compra ou em termos de venda?

Pode funcionar das duas formas. Há pessoas que se calhar acham sempre que vai ser mais caro e, de repente, já estão, porque isto às vezes é psicológico, a pessoa nem vê o preço e diz “Porque eles agora aumentaram os preços” o que às vezes acontece, mas eu acho que se sente, nos últimos tempos uma, temos feito muita gente voltar a entrar na Parfois, ouve-se imenso o “Ah, desde deste novo posicionamento…” não é um novo posicionamento, é, enfim, ouve-se mais falar da Parfois e, de facto, acho que estamos todos mais alinhados e focados naquilo que queremos ser, e na nossa história e na nossa essência e eu acho que este trabalho às vezes que se pensa, porque o trabalho de marketing e de comunicação às vezes não é tão valorizado, e são os que estão a gastar o nosso orçamento, apesar de que nós gastamos mesmo muito pouco, percebe-se que encontrar uma essência e aquilo que nós somos e as pessoas perceberem que nós somos uma mulher super inspiradora, porque construiu este império, acordar a saber o que é que nós queremos ser, saber que queremos ser moda e ter estes pensamentos todos alinhados, estruturados, alinha-nos todos em termos de trabalho e já temos pessoas na loja, se calhar que repetem aquilo que nós dizemos e consegue-se perceber que, independentemente de onde estamos a trabalhar, as pessoas já entendem para que é que estão a trabalhar.

O core da Parfois são os acessórios de moda, mas agora há uma linha de roupa também bastante completa, o caminho é também por aqui?

É, mas não queremos perder o nosso foco que nós somos uma marca de acessórios, nós não queremos ser uma marca de roupa com acessórios, o nosso core vai continuar a ser os acessórios, não queremos perder o foco por este entusiasmo de ter percebido que também conseguimos fazer e que está a correr bem, o nosso core vai continuar a ser, a ser por aí, mas o que não invalida que não estejamos sempre a fazer testes porque agora vamos ter, o final de junho vamos ter mais uma surpresa, vamos ter estacionário na nossa loja e, portanto, vamos estar sempre a fazer estes testes, olhem vamos experimentar ver se, ver se funciona e há muitas outras coisas que gostávamos de pôr na loja. Há uma especialmente que eu gostava muito de pôr, não vou poder dizer qual é, mas que temos, mas que depois a Manuela diz “Oh Susana, mas não temos espaço” e, de facto, às vezes parece fácil pensar “Ah, podemos experimentar pôr.”, mas as compras estão todas feitas especificamente para ocupar um espaço nos móveis e não se pode de repente tirar uma coisa para pôr outra. Mas estamos sempre à procura de coisas novas também sentimos que, sentimos ultimamente que, quer dizer, ao fim e ao cabo, também é um elogio para nós, sentimos que outras marcas estão a tentar percorrer um bocadinho o percurso que nós estamos, que nós estamos a fazer e obriga-nos, isso também nos obriga a reinventarmo-nos mais todos os dias e não ficarmos encostados ao “Ai, isto está a correr bem”, não temos que continuar a fazer o mesmo, temos que estar sempre a pensar o que é que vamos fazer agora de novo e diferente. É desafiante, às vezes é um bocadinho cansativo, “Ai, e agora aquilo foi tão espetacular” e as pessoas dizem-nos, quando fazemos eventos, dizem “depois disto é impossível fazer outro melhor” e, de repente dizem “Ai, conseguiram, porque fizeram diferente” não é melhor nem pior, mas é sempre uma experiência e é uma coisa que gostamos, de facto, de fazer. É receber bem as pessoas todas e eu acho que isso se nota nas lojas da Parfois. Modéstia completamente à parte, todas as semanas eu recebo uma mensagem, uma SMS, um Facebook de alguma amiga que diz “Susana, a sério, de facto, o vosso atendimento é espetacular nas lojas.”, é muito diferente a experiência de acompanhamento e enviam-me com o nome da pessoa e, de facto, isso é ótimo, nós depois também podemos dar esse feedback e gostamos de fazer isso nos nossos eventos, como gostamos de fazer isso na loja, eu acho que é outra das diferenças da Parfois, de facto, também é o atendimento que nós temos.

O futuro da Parfois continua assente na ideia de crescimento e a Susana, o que é que vai fazer em breve?

Eu tive agora na Parfois um momento bastante, há bocado estávamos a falar de mudanças e desafios, estar três anos quase, com o meu filho no Porto e com o resto da família toda em Lisboa, teve momentos pessoais absolutamente desafiantes, eu às vezes chegava ao final do dia e dizia “Como é que eu consegui fazer isto tudo?” e, às vezes, não conseguia e, às vezes, é, de repente, esquecermo-nos de pôr o lanche na mochila da escola, e coitadinho morreu de fome. Não morreu porque… (risos) Há sempre alguém que ajuda, mas, de facto, é, estar sozinha no Porto e ter viagens e ainda ter que o trazer a Lisboa para ver o pai ou para ver a família, de facto, chega uma altura que a pessoa diz “Isto é espetacular, mas eu não sou uma super mulher” e há três meses atrás, quatro meses atrás, eu decidi que não aguentava mais e que tinha que voltar para Lisboa e, algumas pessoas sabem desta história, mas eu despedi-me da Parfois, com imensa pena, e foi um processo super difícil para mim, eu quando falei com a Manuela e com o Sérgio, com os meus chefes foi, eu fiquei doente na semana a seguir que era o meu corpo a dizer “Tens a certeza que estás a fazer a coisa a certa?”, mas de facto há uma altura que nós temos de equilibrar tudo e eu sentia que não, que não conseguia mais fazer tudo o que estava a fazer, com imensa pena, super triste, porque agora que o projeto estava a, no ponto certo, que tinha encontrado o meu encaixe na equipa, na Parfois, nos resultados, agora ia ter de abandonar um projeto que me estava a correr bem, ao fim e ao cabo fazer o mesmo que fiz no Brasil. Estava num projeto que estava a correr bem, tive que vir embora, e, de repente, estava a fazer o mesmo outra vez, mas tinha que voltar para Lisboa, ia ser o melhor para todos, só a parte profissional é que eu ficava com pena…

Mas não aceitaram a demissão?

Encontrei um outro projeto, porque depois eu também tinha que, não podia vir sem trabalho, encontrei um outro projeto que eu sinto que podia ter feito a diferença, que me identifiquei, numa área totalmente diferente, e as pessoas diziam, “Mas como é que tu vais fazer isso? A Parfois é a tua cara.”, e eu disse “Eu nunca tinha trabalhado em moda antes, portanto, quem trabalha em publicidade pode trabalhar uma gasolineira, como pode trabalhar moda, como pode trabalhar tecnologia”, porque, de facto, a minha essência é ser especialista em comunicação e posso fazer isso em qualquer área. Claro que há áreas em que nos podemos identificar mais ou menos, mas eu a outra área até era uma área em que me identificava. E, portanto, fiz um grande evento no Porto, trouxemos quinze países diferentes ao Porto, no dia a seguir, foram durante doze dias, foi super exigente física e psicologicamente, porque eu já sabia que me ia embora e estava receber imensas pessoas sem lhes poder dizer que me ia embora, não ia estragar…

Claro, a festa.

O evento, a festa, a dizer que me ia embora e, de repente, no dia a seguir ao evento estava sozinha no Porto a escrever as minhas notas póstumas da Parfois e na segunda-feira a seguir cheguei à Parfois e disseram-me, já só tinha mais uma semana de trabalho na Parfois, disseram-me “ Oh Susana, estávamos aqui a pensar e não gostávamos que saísses. E nunca tínhamos pensado nisto, mas estamos dispostos a arriscar. Se te abrirmos um escritório em Lisboa, ficas?” e eu, de repente fiquei tipo “Ai, meu Deus, e agora?!” a minha primeira reação foi dizer que não, porque sabiam da minha vida pessoal e as coisas que eu estava a passar e depois também me pus do outro lado que eu acho que é uma das virtudes que podemos ter na vida, é conseguirmo-nos pôr do outro lado, eles disseram-me “Susana, nós também nunca tínhamos feito isto e, portanto, tomar esta decisão também é uma coisa que, que demorou algum tempo até pensarmos que podíamos arriscar e ver se funcionava e se, quem sabe, podes ser o piloto depois para outras, para outras áreas.” e depois, decidi aceitar, porque afinal de contas era tudo o que eu queria e eu só tinha decidido despedir-me porque sabia que não podia fazer o que estava a fazer a partir de Lisboa e, portanto, a minha estrelinha continuava a banhar-me. Decidi ficar, quer dizer, não podia ter sido, no final a história é feliz, teve momentos difíceis, ainda estou a adaptar-me a Lisboa e Porto, porque estou com o meu tempo 60/40, 60 em Lisboa, 40 no Porto, mas, de facto, já sou só eu que tenho de fazer piscinas e isso é ótimo, não ter que acordar o Sebastião às seis da manhã ou ter que chegar tarde ao Porto e estar ainda a fazer jantar, e a ir ao supermercado, e a pô-lo na cama e fazer tudo tão a correr, e, de facto, a vida agora parece que vai ser perfeita, ainda está meio caótica e, portanto, os próximos tempos não eram, mas vão continuar a ser pela Parfois, acho que ainda tenho muito a fazer. Os desafios são imensos, um dos grandes objetivos agora é poder pôr este trabalho que estamos a fazer aqui, é conseguir fazê-lo no Médio Oriente. Eu tive em dezembro no Médio Oriente para conseguir encontrar uma agência que nos ajude a tratar as redes sociais. O sucesso, a taxa de sucesso das redes sociais no Médio Oriente é gigantesca, é uma oportunidade imensa, como eles não podem falar entre eles, as coisas acontecem muito nas redes sociais, mesmo flirt homens e mulheres. Eu recebi alguns convites pelo Instagram Direct, com algumas fotos que pus e os meus amigos diziam “Tira já, põe isso no privado” e eu “Não, isto é uma experiência sociológica, eu quero perceber como é que as coisas funcionam” e, portanto, tenho que me sujeitar a isto, e portanto, quer dizer, são tantos países, os desafios são tão, são tantos. É pôr um conceito novo destes de loja alinhado e a funcionar em todos os países, garantir que os vídeos, que é novidade, estão a chegar na hora certa e está tudo a funcionar quando mudamos a campanha. As imagens que temos em loja, que estão a rodar, e que o visual merchandising está certo, e que estão a pôr as imagens certas, são tudo processos e procedimentos novos que é preciso definir, implementar. Estamos a estrear uma linha, um canal de youtube interno para as lojas, para ajudar a, em vez de enviarmos um manual de montra, podemos mostrar, fazer o vídeo de como é que se monta a montra em vez de ser umas folhas que se imprimem, portanto, há tantos projetos ainda para fazer que eu acho que ainda tenho muito tempo pela Parfois.