Susana Moreira: “Mais que ser mulher, afetou-me mais ser bolseira de investigação”

susana moreira

Susana Moreira furou o estereótipo, quando ficou recentemente conhecida por ter ganho o prémio de Melhor Dissertação de Doutoramento (Best Doctoral Dissertation Award), com a respetiva tese que aborda, forma pioneira e inovadora, o comportamento sísmico da ligação entre as paredes de alvenaria e os pavimentos de madeira em construções antigas. Um galardão atribuído pela “The Mansory Society”, dos Estados Unidos da América.

Na semana em que Portugal acordou sacudido e assustado, perto das oito da manhã de quinta-feira, 17, com um sismo de 4.3 na escala de Richter e cujo epicentro foi em Sobral de Monte Agraço, nada como ouvir quem sabe. Susana Moreira é uma delas.

Susana doutorou-se em Engenharia Civil pela Universidade do Minho em 2015, e depois de uma temporada lecionando no Peru, aproveitámos o seu regresso para saber mais sobre si e a condição de ser mulher no mundo masculino do cimento. Mas o seu maior reparo, antes do condicionamento de género, é outro, e mais abrangente, porque passa para lá do ser-se mulher ou homem.

Já se sentiu tratada de forma especial ou diferenciada pelo facto de ser mulher?

Prefiro não responder.

Como é vivida a questão do género na Engenharia Civil?

A condição que mais me afetou, mais que ser mulher, foi estar na circunstância de bolseira de investigação. A investigação em Portugal sobrevive muito à custa do trabalho realizado pelos bolseiros de investigação e é uma carreira muito precária, com pouco reconhecimento por parte da população em geral (talvez por desconhecimento) e mais que tudo por vários governos sucessivos. Creio que esta precariedade é o que mais afasta excelentes profissionais da investigação, dado que não existe um reconhecimento justo do estatuto profissional em alguns aspetos básicos como a impossibilidade de se inscreverem no regime geral da Segurança Social, sendo relegados para o regime de Seguro Social Voluntário (sem acesso a subsídio de desemprego, ao 13º mês ou ao subsídio de férias), a atualização do valor da bolsa (congelado desde 2002) e o uso abusivo de contratos a prazo.”

Porque singrou pela Engenharia Civil?

Aquando de escolher que curso seguir, no 12º ano, queria algo relacionado com matemática e física, e vendo a dedicação e realização profissional do meu pai como engenheiro civil, acabei por escolher Engenharia Civil. Já no final do curso, comecei a entender que a área que mais me motivava era a reabilitação estrutural de construções existentes. Depois creio, que fui crescendo como engenheira tentando sempre dar o meu melhor para atingir os objetivos aos quais me propunha.

Como é ser mulher num meio profissional tipicamente masculino?
É sem dúvida desafiante, mas talvez menos que no passado. Em todos os meus locais de trabalho, sempre senti abertura para realizar o meu trabalho e partilhar ideias. Acredito sim, que tem de haver um esforço para evidenciar as contribuições que as mulheres têm em todas as áreas da engenharia e desta forma mostrar às mais jovens que existe um lugar para todos neste meio.

Como se tornou professora no lado de lá do mundo?
Eu tornei-me professora assistente na Pontificia Universidad Catolica del Perú através de uma convocatória internacional lançada pela própria universidade. Um colega peruano que realizou o doutoramento na Universidade do Minho alertou-me sobre o concurso e candidatei-me. O Peru é um país com um riquíssimo património construído e também apresenta grande perigo sísmico, logo existe a necessidade de estudar o comportamento de monumentos mediante esta ameaça natural. Sendo este tema da minha área de interesse, aproveitei esta excelente oportunidade. Neste momento, já regressei a Portugal e pretendo ficar a trabalhar por cá.

Face ao último abalo que sacudiu Lisboa, nos meados de agosto, e porque estamos a falar com uma especialista premiada, não resistimos a perguntar-lhe quão seguro é viver num país como Portugal?

Devo dizer que este sismo de baixa magnitude apresenta um perigo baixo para as construções, claro que seria necessário ter outros dados para avaliar melhor a situação. A segurança das construções que estudo depende de vários fatores e é difícil fazer avaliações generalistas, por isso não posso fazer comentário quanto a isso. O que posso dizer é que vários estudos confirmam que existe uma necessidade de efetuar reforço sísmico em determinadas tipologias de edifícios de alvenaria.

É verdade que a construção típica da Baixa, a “gaiola pombalina”, é mais seguro que a tradicional dos nossos dias?

Vários estudos confirmam que sim, que a gaiola pombalina demonstra um comportamento bastante satisfatório em situações de sismos de grande magnitude.

Imagem de destaque: DR