Divórcio e indemnização por tarefas domésticas. O que muda para a lei?

young woman working at home( headache)

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a condenação de um homem ao pagamento de mais de 60 mil euros à ex-companheira pelo trabalho doméstico que esta desenvolveu ao longo de quase 30 anos de união de facto.

No caso, provou-se que, ao longo dos quase 30 anos em que o homem e mulher viveram juntos, foi ela quem tratou e cuidou da casa e preparou as refeições do companheiro. Ora, a instância considerou que o exercício da atividade doméstica exclusivamente ou essencialmente por um dos membros da união de facto, sem contrapartida, “resulta num verdadeiro empobrecimento deste e a correspetiva libertação do outro membro da realização dessas tarefas”.

Por isso, o STJ diz que é correta a opção de ponderação desta realidade na contabilização das contribuições da mulher na aquisição do património pertencente ao companheiro.

Para o Supremo, é igualmente contabilizável o trabalho despendido na educação e no acompanhamento dos filhos, desde que seja realizado exclusiva ou essencialmente por um dos elementos do casal.

Para fixar o valor do trabalho doméstico, o tribunal adotou como critério o salário mínimo nacional, multiplicado por 12 meses, durante os anos de vivência em comum. Ao total, retirou um terço, considerando a necessidade de afetação de parte desse valor às despesas da mulher.

A decisão já levou a Associação Portuguesa das Mulheres Juristas (APMJ) a felicitar a “inovação no ordenamento jurídico português” naquela matéria. Apesar de não criar precedente, nem vincular os tribunais, serve, conforme explicou Joana Pinto Coelho, como “orientação jurisprudencial”, sendo que “todas as decisões [judiciais] futuras possam ser confrontadas com esta [do STJ]”. Reconheceu que pode “vir a existir oposição de acórdãos” caso se verifique uma decisão judicial contrária, mas perante esta oposição de acórdão pode-se pedir a uniformização de jurisprudência sobre a matéria.

Portuguesa recebeu 1/4 do que pediu

No início do processo, a mulher pedia, no mínimo, 240 mil euros, mas, na primeira instância, o Tribunal de Barcelos considerou que não havia lugar ao pagamento de qualquer quantia pelo trabalho doméstico da mulher.

Joana Pinto Coelho não olha ao detalhe para o valor monetário apurado. Mas lembra: “Uma vitória amarga. Não há caminhos de mudança que não sejam feitos com muito custo e muita disrupção, e tudo isto são conquistas“, vinca. E ressalva: “É caminho, abertura, referência e que muitas e muitos de nós vamos recorrer quando quisermos fundamentar um pedido destes.”

A mulher recorreu para a Relação, que lhe deu razão, fixando a indemnização em 60.782 euros. O homem recorreu para o STJ, que confirmou a decisão da Relação.

Recentemente, um tribunal chinês também reconheceu o trabalho doméstico como unidade monetizável no contexto de desigualdade entre os elementos do casal e na sequência de uma separação, tal como já tinha acontecido na Argentina, em junho de 2019.

Uma lei com 44 anos

Esta decisão de tribunal inédita em Portugal vem, na opinião da advogada da APMJ, dar “uma orientação que não tínhamos até hoje”. “Se fizermos uma pesquisa pelas soluções e decisões, nomeadamente de instâncias superiores e relativamente esta matéria, não tínhamos nada”, acrescenta Joana Pinto Coelho.

Num olhar para o passado, a especialista lembra ao Delas.pt que “esta norma [1676] era de 1977. Leonor Beleza foi ela a mãe da introdução desta alteração à lei, não com a redação que a conhecemos hoje – foi alterada em 2008 –, por isso é com muito agrado que registamos este acórdão e que poderá servir de referência no futuro”.

Para Joana Pinto Colho, o que é mesmo importante destacar nesta decisão é a de que, para lá da valorização do trabalho doméstico, “o acórdão fala especificamente nos cuidados no lar e para com as crianças, deixando claro que não é uma obrigação natural das mulheres”.

Mas como fazer prova no futuro e noutros casos desta natureza? “Para provar este enriquecimento quase ilegítimo de uma das partes face à outra, é necessário que fique provado que se renunciou de “forma excessiva” à satisfação dos seus interesses, com prejuízos patrimoniais importantes”, o que “normalmente acontece com as mulheres, são as que ficam mais vulneráveis no final das relações porque têm os filhos, a vulnerabilidade e esta prova de excesso de renúncia”.