Quando em outubro de 2017 rebentou o escândalo sexual em Hollywood, no Brasil preparava-se a segunda fase do projeto Não é Não! O movimento quer combater o assédio sexual durante o carnaval distribuindo às mulheres, de forma gratuita, tatuagens temporárias e coloridas com a expressão Não é Não!

“Oferecemos tatuagens para colocar na pele, porque é exatamente na pele que sentimos o assédio. É na pele que sentimos o toque indesejado”, explica Luiza Borges, 28 anos, uma das organizadoras do movimento Não é Não!

Foi um caso de assédio sexual que espoletou o projeto. “Em 2017, ainda antes do carnaval, uma menina foi vítima de assédio enquanto dançava um samba, no centro do Rio de Janeiro. Um homem tentou forçá-la, quando ela disse que não queria ele insistiu, encostou-a e segurou-a pelos calções,” conta Luiza.

Com o carnaval a aproximar-se, numa época do ano em que “está muito calor no Rio de Janeiro, em que as pessoas passam muito tempo na rua e se usa pouca roupa”, a mulher vítima de assédio colocou a questão entre várias amigas: ‘O que é que pode acontecer connosco, se eu num samba mais tranquilo passei por uma situação destas?’”.

Várias amigas da mulher vítima de assédio criaram um grupo de WhatsApp ao qual foram juntando mais mulheres também interessadas no projeto. “E assim se formou um grupo de 40 mulheres em apenas 48h”.

A inquietação e os casos de assédio sexual que se iam partilhando pediam uma reação. Foi aí que surgiu a ideia de produzir tatuagens temporárias “com o propósito de unir as mulheres e de as proteger”. Para colocar a ideia em prática, várias amigas da mulher vítima de assédio criaram um grupo de WhatsApp ao qual foram juntando mais mulheres também interessadas no projeto. “E assim se formou um grupo de 40 mulheres em apenas 48h. Arrecadaram cerca de três mil reais [cerca de €765, câmbio à data de hoje] e possibilitaram a produção de quatro mil tatuagens”, que foram distribuídas no carnaval de 2017, de forma gratuita, nos blocos do Rio de Janeiro pelas 40 mulheres do grupo.

A forte adesão fez com que as fundadoras do movimento continuassem. Era preciso conseguir ir mais longe. Luiza conta: “Quando o carnaval acabou, as responsáveis pelo projeto procuraram-me. A intenção era estoirar a bolha, aumentar a rede e possibilitar que qualquer mulher pudesse apoiar a campanha utilizando estas tatuagens. Para que isso pudesse acontecer, era preciso chegar mais longe e conseguir distribuir em mais cidades, em mais blocos”.

Rapidamente se formou uma nova equipa de trabalho. À gestora de projetos Luiza Borges, de 28 anos, juntou-se a cineasta Julia Parucker, de 33, uma das fundadoras do projeto. A elas juntaram-se a estilista Aisha Jacob, de 27, a designer Nandi Barbosa, de 28, e também a cineasta Barbara Menchise, de 26. Todas têm projetos profissionais na área, mas o facto de trabalharem por conta própria permite-lhes conciliar tudo.

Conseguiram o apoio de 355 pessoas, o que permitiu arrecadar mais de 20 mil reais para produzir 25 mil tatuagens.

Em outubro de 2017, deram início a uma campanha de angariação de fundos para o Não é Não!, onde “por exemplo, quem comprasse cinco tatuagens, possibilitava a produção de cerca de outras 15. Permitindo a entrega gratuita nas ruas, que é o principal objetivo”, explica Luiza. A campanha terminou no início de novembro e todo o dinheiro angariado destinou-se a apoiar o processo de produção, desde a fase criativa, passando pelo fabrico das tatuagens, até ao envio.

Ao todo conseguiram o apoio de 355 pessoas, o que permitiu arrecadar mais de 20 mil reais (cerca de cinco mil euros, câmbio à data de hoje) para produzir 25 mil tatuagens. A venda de tatuagens foi é permitida a mulheres, mas os houve homens a contribuir para a causa sem receber nada em troca – das 355 pessoas, 15% são do sexo masculino.

A campanha despertou ainda o interesse de algumas marcas, dando origem a várias parcerias. “Houve marcas que se dispuseram a ajudar a nível monetário ou divulgando a campanha. Uma dessas parcerias foi com a marca de roupa Cantão, de origem carioca e com cerca de 50 anos. Em colaboração com a cantora brasileira Lila e com o DJ carioca Leo Justi, que têm uma música chamada “Não é Não” – utilizada no vídeo da campanha já terminada (disponível acima) –, a Cantão fez uma t-shirt estampada na parte da frente com a expressão: “Não é Não”. Nas costas, por dentro, está a letra toda. A Cantão apoiou a nossa campanha cedendo 50 t-shirts dessas” (o post abaixo, publicado pela cantora Lila no Instagram, mostra-a vestindo essa mesma t-shirt).

Olha só a camisa maneiríssima que a @cantao fez!!! (E ainda tem a letra da música no verso da camisa) DEMAIS NÉ?! Pra comprar a sua tem que ir esse sábado lá na Bhering na ocupação do @belchiorbrecho! E de quebra ainda tem show meu e da @mahmundi no festival em parceria com o @queremos !!! Vai perder??? Ahhh, já falei que o evento é gratuito?!!! Meu show começa às 17h ⚡⚡⚡ #lilamusica #lila #nãoénão #cantão #queremos #festivalviverbem

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“Não é Não!” no carnaval de 2018

As 25 mil tatuagens conseguidas para 2018 já estão prontas e “vão ser distribuídas durante o carnaval em alguns Estados do Brasil”. Se em 2017 o Não é Não! marcou presença apenas no carnaval do Rio de Janeiro, este ano vai percorrer mais cinco Estados: São Paulo, Minas Gerais (Belo Horizonte), Brasília, Pernambuco (Recife e Olinda) e Salvador.

Visto que o movimento ainda está a crescer, Luiza explica o porquê da escolha destas localidades: “Pensámos nos principais carnavais do Brasil, aqueles que recebem mais gente e que têm mais turistas. Temos uma grande rede montada com o apoio de Organizações Não Governamentais feministas e de pelo menos três blocos em cada cidade. Estamos a enviar as tatuagens para esses blocos e são eles que vão distribuí-las nos seus desfiles”.

“Ainda há muito a fazer neste campo. É sobretudo um trabalho de mudança de cultura. O assédio no carnaval só acontece porque muitos homens não entendem que as mulheres devem ser respeitadas”

É importante que percebam: “Não interessa a roupa que estejamos a usar, não importa se, no carnaval, queremos sair só de maiô ou se estamos de burca. Se dizemos não, é não! Porque podemos estar com pouca roupa e querer ir mais longe ou estar de burca e querer ir mais longe. A questão é relacionar a roupa que se usa com a disponibilidade para o sexo. Não é a roupa que mostra a nossa disponibilidade para o sexo”.

“Desde o início que a adesão foi muita e muito rápida. Quando saímos à rua não interessa a quantidade de tatuagens que levamos, acabam sempre. É impressionante! Mas ainda há muito a fazer neste campo. É sobretudo um trabalho de mudança de cultura. O assédio no carnaval só acontece porque muitos homens não entendem que as mulheres devem ser respeitadas”, conclui Luiza.

[Imagem de destaque: Não é Não!]

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