Téa Leoni: “Acho que na América há uma espécie de paralisia do sistema de dois partidos”

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Téa Leoni, no drama político Madam Secretary

O primeiro episódio da terceira temporada do drama político Madam Secretary (da CBS) estreou esta terça-feira, às 22h, no canal TV Séries. Há cerca de uma semana, por volta dessa hora, falávamos por telefone com Téa Leoni, a atriz que dá vida à personagem principal Elisabeth McCord, Secretária de Estado do governo dos Estados Unidos da América. Nesta entrevista exclusiva ao Delas, a atriz falou sobre esta nova temporada que acentua o dilema entre a carreira profissional e a vida familiar. Um dilema que a própria sentiu e ainda sente.

Quando fizemos a entrevista apanhámos a atriz em pleno aeroporto a caminho da Califórnia para ir visitar universidades para a filha. A conciliação da vida profissional e pessoal foi uma das coisas com que se identificou de imediato na personagem. O facto de esta não ter um passado ligado à política, construindo a carreira ao longo da série, também. Com ela, e tal como ela, foi aprendendo mais sobre o assunto e hoje, diz, já entra no debate com outros argumentos. Com as eleições reais à porta, e as inevitáveis comparações entre a sua personagem e Hillary Clinton, também quisemos saber qual a sua opinião sobre a campanha e a possibilidade de ela ser eleita. “A mim não interessa muito o facto de ela ser a primeira mulher no cargo. Estou mais interessada no facto de ser a pessoa mais qualificada para ser Presidente”. Descontraída e bem-humorada diz ter saudades da comédia , mas para já o foco está em Madam Secretary.

Qual foi o maior desafio desta personagem de Madam Secretary?
Penso que foi sensato fazer uma personagem que não é um político de carreira. Por isso, não tive de criar um passado ou um percurso para a personagem com o qual não tenha qualquer relação. A Elisabeth é um peixe fora de água. Ela é alguém que, além de não ser um político de carreira, nunca se imaginou nessa posição ou em algo parecido. Ela não tinha a ambição de se tornar política. Foi algo que lhe caiu no colo. E diverti-me muito com isso, com o imaginar como se me oferecessem um cargo destes, algo que nunca se tinha planeado, uma posição fantástica. Ela é a quarta mulher mais poderosa do mundo, quando há algum tempo atrás ela era uma mãe com três filhos, que ensinava numa universidade. Tem sido uma corrida interessante.

O que é que aprendeu com ela?
Vou dizer o que a ex-Secretária de Estado Madeleine Albrigh me disse, e que foi um grande elogio para a série, é que esta tornou a política externa menos ‘estrangeira’ e devo dizer que concordo com isso, tendo por base a minha própria experiência em relação à política externa. Aprendo mais sobre isso com a série, do que aprendi nas aulas de história, na escola.

Téa Leoni no papel de Elizabeth McCord, em Madam Secretary
Téa Leoni no papel de Elizabeth McCord, em Madam Secretary

Pode dizer-se que Madam Secretary a tornou mais interessada na política ou, usando a sua expressão, ainda se sente como “um peixe fora de água”, nesta temática?
[Risos] Sim, acho que, de facto, me interesso mais, em alguns aspetos. Porque a própria terminologia tornou-se menos estranha. Sinto-me mais confortável em manifestar a minha opinião, provavelmente mais incisiva nelas. Debato melhor essas questões com a minha família agora, isso é certo. E faço-me ouvir melhor [risos].

Esta personagem tem levado a algumas comparações com Hillary Clinton, com alguns a criticarem a série por considerarem que ela dessa forma lhe presta apoio político. Acha que essas críticas se devem ao facto de a sua imagem estar mais próxima da de Hillary ou por a transmissão da série coincidir com a campanha?
Acho que tem a ver com as duas coisas. Eu sou loira e a Hillary Clinton está em campanha para a presidência dos Estados Unidos da América. Por isso, entendo que isto possa parecer conveniente, como se fosse uma promoção da Hillary Clinton, mas não é. Devo dizer que eu ganhei-lhe maior respeito, por aquilo que foi capaz de fazer quando esteve nesse cargo, porque, apesar de ser ficção a minha personagem tenta desempenhar o seu trabalho o melhor possível como Secretária de Estado considerando todas as circunstâncias. Acho muito impressionante o que Hillary Clinton conseguiu alcançar nessas funções, sem dúvida. Mas no que se refere à série, tentamos manter-nos afastados do sistema político real. Nunca falamos do Partido Republicano, nem do Partido Democrata. Nem sequer usamos as palavras republicano e democrata, o que é difícil na política americana. Não há um dia ou um minuto de cobertura mediática de eleições que não inclua essas palavras. E isso diz alguma coisa sobre aquilo que temos de equilibrar entre o que é nossa realidade política e o que tentamos fazer na série.

Apesar das diferenças, inspirou-se nas Secretárias de Estado que passaram pelos governos americanos para construir a sua personagem? Viu discursos, leu sobre elas, sobre as suas posições políticas tomadas durante os seus mandatos?
Li as biografias de Madeleine Albright e de Hillary Clinton. Também estou fascinada com o John Kerry. Acho que ele é um Secretário de Estado espantoso. Tenho feito alguma pesquisa, porque nesta terceira temporada da série o grande desafio vai ser manter a integridade da personagem, mantê-la fora da caixa. Ao fim de duas temporadas, ela já ‘negociou’ com quase todos os países da cena política internacional e foi fantástica e extremamente bem-sucedida em algumas instâncias. Penso que agora será mais desafiante porque não quero ver a Elisabeth a começar a tratar a política da forma que é habitual. Não quero que ela passe para dentro da caixa, quero vê-la a tirar mais pessoas de dentro dela.

De resto, no primeiro episódio desta terceira temporada, vemos a Elisabeth a tentar convencer Dalton (o Presidente) a recandidatar-se como independente, para poder defender aquilo em que acredita. Na campanha real, houve uma altura em que algumas pessoas pediram o mesmo a Bernie Sanders. Uma sondagem recente do centro Gallup revelou que um terço dos americanos quer um terceiro partido. Como é que a Téa vê esta campanha para as eleições presidenciais?
Penso que todos concordamos com o facto de estas serem as eleições potencialmente mais dramáticas a que assistimos. E nós temos uma longa história de eleições dramáticas. Lembro-me, por exemplo, das eleições Bush-Gore. Foi a primeira vez em que às 20h ainda não tínhamos presidente. E acho que se tem tornado mais dramático porque estamos numa espécie de palco mundial, somos uma comunidade global, um bairro enorme. Acho que na América há uma espécie de paralisia do sistema de dois partidos, em que as pessoas votam por lealdade aos seus partidos e não necessariamente pelo seu país ou até de acordo com a sua própria personalidade.

Voltando à série, a sua personagem debate-se, por vezes, com a dificuldade em conciliar a vida profissional e a vida familiar. Como atriz também sentiu isso?
Completamente. E esse foi o aspeto da série que foi mais apelativo para mim e do qual me senti mais próxima. A minha experiência no mundo da atividade política limita-se à minha experiência como embaixadora da UNICEF, porque esta trabalha com o governo dos países onde está presente. Tinha alguma familiaridade com a política por essa via, mas estava muito mais familiarizada com a ideia de ser uma mãe que trabalha, especialmente hoje em dia. Lembro-me de a minha avó se referir aos 50 anos como se fossem uma espécie de caminhada tranquila em direção ao pôr-do-sol. Eu tenho de gerir o tempo com os meus filhos, os meus pais, o meu trabalho na série… É bom, mas é difícil e consigo identificar-me com isso na série. Não temos de ser todas Secretárias de Estado para entender essa dificuldade e que o trabalho nos afasta várias horas da família. Há um misto de culpa e de realização. É engraçado que quando a minha filha nasceu pensei que nunca mais ia voltar a trabalhar. Nada seria bom e aliciante o suficiente para me afastar dela. Se trabalhasse iria ser apenas para pagar as contas e voltar o mais rapidamente possível para junto dela. E a verdade é que ao fim de seis meses apercebi-me que a minha perspetiva estava errada. Pensava que o meu trabalho me iria afastar dela e houve alturas em que, de facto, o fez, mas também me enriquece de tal forma que me permite ser mais para os meus filhos.

Na série podemos vir a ver a sua personagem seguir os passos de Hillary Clinton e candidatar-se ela própria à Presidência dos Estados Unidos?
Espero que sim. Espero que a série dure o suficiente para isso. Sempre disse que um dos caminhos interessantes para a série, seria a dada altura a Elisabeth tornar-se presidente e depois escolher uma nova Secretária de Estado, que tanto poderia ser jovem e fabulosa, como mais velha, uma espécie de avó. A única coisa má disso iria ser o facto de já não poder trabalhar tanto com o Keith Carradine [o PresidenteDalton].

Nas eleições reais acha que Hillary Clinton vai ganhar? E caso ganhe será a primeira mulher no cargo de Presidente dos Estados Unidos. O que é que isso significaria para o país?
Bom, a mim não interessa muito o facto de ela ser a primeira mulher no cargo. Estou mais interessada no facto de ser a pessoa mais qualificada para ser Presidente. É a mais experiente politicamente e penso que será um marco profundo e grandioso para nós. Mas também acho – e é o que não gosto acerca da pompa e circunstância que rodeia as nossas eleições presidenciais – que a luta realmente urgente está a ser relegada para segundo plano. Esperamos dos nossos governantes que sejam pessoas comprometidas e preparadas para criar empregos para todas as pessoas deste país. Essa é a questão que deve ser prioritária e tende a ser esquecida.

Madam Secretary marca o seu regresso às séries de TV quase dez anos depois de The Naked Truth, que era uma comédia. Sente falta desse registo?
É engraçado, eu realmente sinto falta da comédia e, ocasionalmente, em Madam Secretary tento fazer alguma coisa cómica, mas uma sitcom é muito diferente, tem uma programação diferente. Gosto muito quando é possível trazer para esta série, o humor e a vida que a comédia tem.

Podemos esperar o retorno a esse registo num futuro próximo?
Oh Meu Deus, não! Estou muito cansada, nem consigo pensar nisso neste momento [risos].

 

Imagem de destaque: Foto: Sarah Shatz/CBS ©2016 CBS Broadcasting, Inc. All Rights Reserved