“Tento que as pessoas recuperem o prazer da leitura”

Foi em 2001, com o lançamento do livro A Sombra do Vento, que o nome do escritor catalão Carlos Ruiz Zafón ficou conhecido em todo o mundo. A obra que serviu de pontapé de saída à sua tetralogia foi traduzida em 36 línguas e vendeu milhares de exemplares em todo o mundo. Seguiu-se O Jogo do Anjo, em 2008, e O Prisioneiro do Céu, em 2011. Agora está nas bancas O Labirinto dos Espíritos, o livro que vem colocar um ponto final à saga e promete resolver todos os mistérios.

Se ainda não leu nenhum livro do autor ou ficou por A Sombra do Vento também não tem de se preocupar. Pode começar já a ler este último livro. Tal como o autor explica na entrevista abaixo, as histórias estão interligadas mas são completamente independentes.

O seu livro O Labirinto dos Espíritos acabou de ser lançado e já é um êxito. Qual é o segredo para se escrever um livro de sucesso?

Não sei, ninguém o sabe. Não há segredos nem fórmulas. Se houvesse todos as aplicariam, todos teríamos êxito e o mundo seria uma maravilha. Não há fórmulas nem segredos. A única coisa que podemos fazer é tentar fazer o nosso trabalho da melhor maneira que sabemos em função dos leitores, das circunstâncias do mundo. Quem me dera que houvesse uma fórmula mágica para o sucesso.

O processo de pesquisa para os seus livros é muito longo?

Não muito porque todos os meus livros vêm de um mundo que conheço muito bem, um mundo que interiorizei, Barcelona e a história do século XX. Por isso não preciso de fazer muita pesquisa porque utilizo aquilo que sei e que conheço. O que é mais trabalhoso é o processo de escrita, de construção das histórias e das personagens. Isso sim é muito complicado e demora muito tempo, mas a parte da pesquisa em si não tem grande segredo.

Este é o último livro de uma tetralogia que começou com A Sombra do Vento. O que os leitores vão poder encontrar neste livro?

Os leitores que conhecem os livros anteriores vão encontrar neste o grande final. É o momento em que toda a tensão narrativa acumulada nos outros três livros é libertada. Traz-lhes todas as respostas sobre a história, as personagens e a trama. Os leitores que não conhecem os outros livros e vão começar aqui encontrarão uma história de mistério que tem todos os elementos para ser entendida por si só e que provavelmente, quando acabar, os vai levar para os outros livros. Vai espicaçar-lhes a curiosidade para conhecer mais sobre estas personagens, é a porta de entrada para este mundo, dando-lhes a ver a história de outras perspetiva.

Alicia Gris é a protagonista. Como descreve esta mulher?

É provavelmente a minha personagem preferida, não só neste livro mas de todos os personagens que criei. É uma personagem muito próxima de mim, curiosa e complexa. Está numa trama infinita e não sabemos bem de que lado está, se na luz ou na sombra. Conhecemo-la como uma orfã de guerra, uma menina que vê a sua infância destruída pela tragédia da guerra e que leva para sempre gravado, tanto no corpo como na alma, o horror. Isto é algo que a marca muito. Ela acaba por crescer num orfanato e acaba por ser retirada das ruas por um personagem estranho que decide aproveitar-se dos seus talentos para o mundo da intriga e do mistério. Isso acaba por tornar Gris numa criatura do lado mais obscuro do regime, apesar de ela sentir repulsa por esse destino e querer viver outra vida. Quando ela encontra pessoas que estão a viver uma vida que ela considera que devia ser a sua sente raiva e quer escapar. Neste livro, ela primeiro vai ter de descer ao seus próprios infernos e enfrentar muitos perigos, mas terá também oportunidade de redimir-se e encontrar a luz que que procurava desde menina.

Por que escolheu uma mulher como protagonista?

Por que não? 55% da população mundial são mulheres. Podia ser um homem, mas acabou por ser como eu sempre concebi. Nos outros livros foram os personagens masculinos que serviram de veículo, acabávamos por ver as personagens femininas através dos seus olhos, como eles pensavam que eram, não sabíamos como eram realmente, mas os personagens centrais das histórias sempre foram mulheres. Aliás, a presença central do primeiro livro é a figura de Isabella, a mãe desaparecida de Daniel Sempere. Ele não consegue recordar-se do seu rosto e grande parte da sua vida é uma procura constante do que aconteceu à sua mãe, para recuperar as suas recordações e colmatar essa ausência enorme que se tornou no elemento dominante da sua vida. Acaba por descobrir que a sua mãe não morreu vítima de doença, como lhe disseram, e que a morte ocorreu em circunstâncias estranhas, podendo estar relacionada com um homem muito poderoso no regime do momento. A trama que se esconde atrás de tudo isto é muito mais complicada do que inicialmente pensávamos. Isabella é uma força dominante, que vamos descobrindo pouco a pouco. Alicia Gris é uma personagem que sintetiza tudo o que para mim é esta série de livros. É uma mulher porque sempre a vi assim, nunca me ocorreu que pudesse ser um homem.

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O Labirinto dos Espíritos, de Carlos Ruiz Zafón. Planeta, 23,98 euros

No fundo, o que procurou com esta tetralogia?

Procurei fazer um bom trabalho, escrever livros que acrescentem valor aos leitores, para que possam desfrutar. Tento sempre que as pessoas recuperem o prazer da leitura, da linguagem, o estilo, as personagens e a narrativa. Coloco na literatura elementos de muitos géneros narrativos para enriquecê-la e para que as pessoas possam experimentá-los. Nesta série de quatro livros quis também fazer uma homenagem à literatura, à tradição literária, ao mundo dos livros, aos leitores e a todos os géneros literários da tradição clássica. É uma reflexão sobre o processo de construção das histórias, dos livros, do trabalho de escrita. Quis combinar todos os elementos numa história que recolheu os temas clássicos. Tentar oferecer aos leitores algo que mereça o seu tempo, a sua atenção.

O que diferencia cada um destes quatro livros?

Cada um deles tem a sua própria personalidade, formam parte de um todo. A Sombra do Vento, o primeiro, é a história de um leitor, o Daniel Sampere. O segundo [Jogo do Anjo] é a história de um escritor, David Martín, e é um livro que combina todos os géneros, na medida em que o leitor pode interpretar o livro de diversas maneiras. É a história de um homem que está a perder a razão, está a cair no abismo da sua própria loucura. Aquilo que ele nos conta pode ser o que ele acredita que está a acontecer ou aquilo que está realmente a acontecer. Ao ser completada com os outros livros, esta história pode ter muitas interpretações. O terceiro livro [O Prisioneiro do Céu] é a história de um personagem, Fermín Romero de Torres. É uma história que combina todos os géneros mas é sobretudo de aventura. O quarto [O Labirinto dos Espíritos] é a visão do narrador, que neste caso sou eu. Aparecem personagens novos envoltos em mistério. Cada um deles tem a sua própria personalidade. É como um mecanismo de relojoaria que finalmente se encerra e forma um todo, mas através de partes separadas porque cada personagem tem a sua própria personalidade e o seu próprio mundo.

Conseguiu cumprir todos os objetivos que tinha com esta tetralogia?

Espero que sim. Este é um projeto em que estou a trabalhar há muitos anos, é algo que projetei durante muito tempo e fui explorando pouco a pouco. Mas sim, ao terminar fiquei satisfeito porque é exatamente o que eu projetei e quis fazer durante muito tempo, mais tempo do que queria. Pessoalmente estou contente com o resultado deste projeto.

Gostava que os seus livros ganhassem outra vida através de novelas ou filmes?

Não. Acho muito bem que existam livros que sejam apenas livros, não lhes faz falta serem novelas, filmes ou videojogos. Não porque exista alguma coisa de errado com eles, mas neste caso para mim não faz sentido. Estes livros nasceram para serem livros sobre a literatura, a palavra escrita, a linguagem. Portanto seria um pouco absurdo adaptá-los a outro meio para que fiquem mais famosos. Não faz falta nenhuma. A versão definitiva e a que mais coisas transmite aos leitores é a que está nos livros.

É escritor há mais de 20 anos. Ainda está apaixonado pela profissão?

Sim e estou a desfrutar mais agora do que quando era mais jovem, era um trabalho mais duro. Para mim continua a ser interessante a possibilidade de explorar mundos, personagens, trabalhar a linguagem. Antes disto, os trabalhos que tinha estavam todos relacionados com a escrita e histórias. Quando era um miúdo pensei muitas vezes que me ia fartar, mas agora não, sei que continuo apaixonado pela literatura, pela escrita e, enquanto for assim, continuarei a escrever até morrer.

Onde vai buscar inspiração?

Para mim a inspiração é o trabalho. Não acredito muito na teoria de nos sentarmos à espera que as musas venham sussurrar-nos coisas ao ouvido, até mim elas não vêm, tenho de trabalhar, espremer o cérebro para que saia algo. Creio que a inspiração é mais a motivação, o desejo de explorar um personagem, um conflito, um mundo que tem intriga e tem de haver algo nesse mundo e nessa personagem que significa algo para ti. Para mim é essa a inspiração. Só as pessoas que não conhecem o processo é que acreditam que as musas vêm com as suas harpas e nos inspiram. Isso não acontece.

É muito exigente consigo no processo de escrita?

Sim porque é o meu trabalho, quero que as coisas sejam como eu quero que sejam. Escrevo, reescrevo. É esse o processo.

Já está a escrever um novo livro?

Não. Acabei este ciclo no verão e neste momento estou a pensar em várias possibilidades e vários projetos. Ainda não me decidi, mas acho que vou deixar passar algum tempo. Às vezes só sabes que projeto vais fazer dois minutos antes de começá-lo. Há uma ideia e sentes que precisa de ser explorada.

Pretende voltar a escrever uma tetralogia ou trilogia?

Não. Este foi um projeto que tive durante muitos anos. Queria construir um grande labirinto de histórias que se podia explorar e ler seguindo diferentes ordens. Era o grande desafio e trabalhei para concretizá-lo. Nenhum dos projetos que tenho em mente neste momento é uma saga ou algo semelhante. Esta é uma coisa que só se faz uma vez na vida. Não devo fazer mais nada do género. Pode surgir uma ideia diferente e eu querer avançar com isso, mas neste momento acho que não vai acontecer. Uma já basta.


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