Ter comentadoras desportivas mulheres “é uma questão de tempo”

Regressou o campeonato nacional e voltaram as intermináveis horas de programas de debates desportivos nas televisões generalistas no cabo – sem contar com os canais dos clubes.

Dia após dia, em painéis mais ou menos fixos de comentadores, vemos homens que, com todo o detalhe técnico-tático, opinam sobre todos os lances, todas as entradas de jogadores, as faltas, os golos, os penalties, os árbitros e os casos dentro de campo.

Não é raro, também, perceber que cada vez existem mais mulheres a moderar o debate desportivo. Elas estão na televisão, mas não no papel da especialista. Afinal, o que explica isto?

“Quando comecei a fazer desporto, não acho que o argumento para a escolha fosse porque as mulheres faziam mais audiência, porque o público é maioritariamente masculino. Hoje, não ponho as mãos no fogo por ninguém”. A análise é de Cláudia Lopes, 43 anos. A pivô e jornalista da TVI24 é, há já anos, rosto de debate de bola no canal de Queluz de Baixo.

Já me fiz essa pergunta a mim própria e acho que é circunstancial”, atira Rosa Oliveira Pinto. A jornalista da SIC Notícias, de 34 anos, considera que a chegada de mulheres ao comentário desportivo “é uma questão de tempo” e recorda a “boa experiência” de ter tido a “investigadora, professora e benfiquista Raquel Vaz Pinto em estúdio” a falar “extraordinariamente de futebol”.

Para a pivô e moderadora de Carnaxide, “ser mulher é secundário nesta questão”, embora considere ser “importante alargar a opinião de mulheres ao futebol”.


Releia a opinião das pivôs sobre o caso do grande plano dos seios da adepta do Benfica e do “sexismo” de Jorge Jesus


“Processo”, chama-lhe Inês Gonçalves. A jornalista e pivô da RTP, de 39 anos, não duvida que “as mulheres também vão chegar aí também”. O ‘aí’ é simples: o comentário desportivo creditado pelo público. “Antigamente quase não havia jornalistas de desporto femininas e hoje há imensas”. Agora, se elas ainda não chegaram a esse ponto, tal deve-se – antevê Gonçalves – “à cultura do futebol, predominantemente masculina”.

A jornalista da RTP até considera que esta aposta nos rostos femininos nos programas de debate talvez “aproxime mais as mulheres”, por um lado. Por outro, “sendo um meio masculino, é agradável ter uma jornalista a apresentar e acaba por ser uma aposta, diferente para não ser só um painel de homens”, reconhece.

Mas as mulheres sabem falar de futebol? “Não acho, tenho a certeza!”, reage Carla de Sousa Coelho. A pivô Sport TV, de 31 anos, considera que “as opiniões das mulheres sobre desporto em geral, futebol em particular, são tão válidas como as dos homens. Sentido crítico existe independentemente do género. O conhecimento existe. Ponto final. O ser humano trabalha-o. É a mesma coisa que ser convencionado que um homem não pode falar sobre moda. Porquê?”

Comentadoras: a questão do tempo

Sem idade não há conhecimento. E sem conhecimento não há especialistas. Seguindo este raciocínio, concluiremos que o comentário de futebol feminino é uma questão de tempo.

Quem faz este encaminhamento lógico é Cláudia Lopes. “Para se ser comentador, mais do que para se ser jornalista, tem de haver conhecimento profundo. Aqueles homens que estão a analisar os jogos sabem mais do que eu”, sublinha a pivô e jornalista.

Se não existem mulheres – e já começam a surgir algumas -, tal deve-se “mais à questão percentual de amostra, do que o sexismo”, considera Lopes. E explica melhor: “Para se ser comentador, é preciso ter mais idade”. Os que hoje ocupam regularmente as cadeiras “fazem parte de uma geração onde se discriminava mais as mulheres do que agora”. Portanto, conclui Lopes, “não há ainda tanta gente disponível”. Mas vai haver.

O futebol feminino pode ajudar

“Acho que pode mudar. Já temos a Mariana Cabral, do Expresso, jogadora e treinadora de futebol feminino. Ela é muito nova. A Helena Costa, que é comentadora da Sport TV e começa a ter um currículo. E acho mesmo que a responsável pela seleção feminina de futebol da Federação, a Mónica Jorge, pode ser, daqui a uns anos e quando sair da FPF, comentadora. Tem todas as condições”, preconiza a moderadora da TVI.

“Tem mais que ver com questão cultural do que qualidade. Há mulheres a perceber tal e qual de desporto, se calhar ainda não demos a esse passo”, resume Inês Gonçalves, da RTP.

links_AnneRosa Oliveira Pinto crê e espera na mudança: “Espero que o número de mulheres no comentário desportivo aumente porque tenho a certeza que há muitas com muita opinião e válida sobre estes temas. E a opinião e a abordagem vão ser diferentes das de um homem.

“Penso que será uma situação que poderá ser revertida com o crescimento do futebol feminino em Portugal”, considera Carla de Sousa Coelho. A jornalista e pivô da Sport TV vinca que “a qualificação das mulheres para opinarem sobre futebol não” deveria “estar dependente de um fenómeno”. “Seja como for, pode sair daí um benefício”, analisa.

“No caso da Sport TV há uma comentadora para a área do futebol, a Helena Costa. Temos outras comentadoras, se olharmos para outros desportos”, relembra Carla de Sousa Coelho. Mas, ao mesmo tempo, faz as contas: “Num universo de dez comentadores, imaginemos, há apenas uma mulher…quando há. Creio que há ainda um longo caminho a fazer. Mas é como digo: a afirmação do futebol feminino pode refrescar o cenário. Como em qualquer outro contexto há opinião. Não deve existir diferenciação em função do género. A isso chama-se preconceito”.

Ter um “palminho de cara” ajuda, mas não para sempre

Todas as jornalistas ouvidas pelo Delas.pt não negam que ser bonita ajuda a estar em frente à televisão. A beleza tem sido, ao longo dos anos, requisito obrigatório no pequeno ecrã.

No entanto, tanto Inês Gonçalves, como Cláudia Lopes, como Rosa Oliveira Pinto e como Carla de Sousa Coelho são unívocas na conclusão: Nada disso dura para sempre, nem é esse o argumento que coloca as mulheres no meio de homens e para ouvir e falar de bola.

Sem qualidade, elas não ficam”, afirma, sem vacilar, Inês Gonçalves. E lembra a colega que tanto anos foi o rosto do desporto na estação pública: Cecília Carmo.

“Nesta fase, é claro que ajuda o facto de se ser mulher e de se ter atributos físicos. É uma fórmula que começou a ser aplicada, mas, honestamente, para ela estar ali é porque o está a fazer bem”, sublinha Rosa Oliveira Pinto. E garante: “Ninguém ia por uma mulher a moderar um debate, se ela não percebesse nada do assunto”.

Cláudia Lopes não podia estar mais de acordo. “Ter um palminho de cara pode ajudar, mas se não formos competentes, não enganamos toda a gente, toda a vida”. E é bastante veemente ao sublinhar que “os homens, enquanto público, podem gostar de caras bonitas, mas não aceitam uma tonta”. “Eles são exigentes”, repete a jornalista.

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