Teresa Lacerda: “A decoração é sempre mais um exercício de diplomacia”

Quando era pequenina queria, acima de tudo, ser livre. Como escreveu Margarida Rebelo Pinto, “não há coincidências”. Quis o destino que abrisse, em abril de 1974, a De Natura, no Bairro Alto, apenas 20 dias antes da Revolução dos Cravos.

A propósito da sua exposição na Diferença, visitável até ao fim do mês, falámos com Teresa Lacerda sobre isto e muito mais, debaixo da lebre atenta e observados pelas máscaras africanas que olhavam para nós, espantadas, no tampo da mesa, mas do lado de lá da História.

O que torna este espaço peculiar e o que faz com que as pessoas continuem a vir aqui?
Porque é diferente, essencialmente. Eu sempre quis ter coisas que não houvesse nos outros sítios. As coisas que me interessam são um pouco diferentes, habituei-me a viajar muito num tempo em que cá ainda se viajava pouco, e a ter outra perspetiva sobre os outros povos e suas culturas. Sempre me interessei muito por tribos, e claro, ao trazer objetos com este caráter, fez deste um espaço completamente diferente do que havia cá.

Abriu 20 dias antes do 25 de abril, com esta escolha, e tendo consciência do país em que estava. Não foi um passo, digamos, maluco?
Ah sim, mas eu sou sempre maluca, não é? Sim, foi um bocado, mas rapidamente pude verificar que essa diferença acabou por ter interesse para algumas pessoas. Na altura não havia nada de coisa nenhuma, o que eu trazia era uma espécie de lufada de ar fresco.

Nesses 20 dias, sendo o país o que era, as pessoas entravam e compravam?
Sim, se bem me lembro sim, foi muito interessante. Vinha bastante gente, se calhar mais amigos, já não me lembro, mas rapidamente se tornou conhecido, “fui à Natura fui à Natura”, vinha muita gente. Lembro-me que os anos 80 foram fantásticos.

Nos anos 80, estas coisas, o exótico distante, era um objeto de desejo?
Não havia nada! Tudo o que eu aprendi foi a andar nas ruas de Paris, numa altura, foi antes do Mitterrand, em que tudo o que eu via era do mundo inteiro, e isso para mim foi tão extraordinário.

Foi a Teresa que foi à procura da Ásia e da África ou foram elas que foram ter consigo?
Veio ter comigo, veio ter comigo. Eu queria ter na altura uma coleção de arte budista, objetos de culto. E coisas da Índia, do Japão, coisas do Oriente, coisas dos sítios por onde eram as minhas viagens. Foi assim que comecei. Um dia alguém me trouxe umas peças africanas, das quais nada sabia e rapidamente me deixei seduzir por aquilo tudo. Comecei a comprar livros e a querer ter peças, e ainda estou cada vez mais entusiasmada.

Um seu projeto artístico recente, os bichos? Como encaixa neste exótico distante?
É a Natureza e o meu amor por ela, da qual gostava de estar mais próxima, sinto essa necessidade. E acabo por nunca estar, por estar aqui no meio do cimento. O que eu quero é verde, e jardins. Adoro tratar de jardins.

Já tem obra artística vendida lá para fora? Diga-me 2 ou 3 de que se orgulhe.
Martiny na Suíça, Nice, Frankfurt, Bélgica… Acho que até na Austrália tenho uma coisa…

Sentiu o abanão da crise?
Ah! Completamente! Tive que despedir empregadas e reduzir bastante. Era uma loja de decoração e agora é uma loja de objetos de arte. Afinal ficou o que eu gosto, eu nunca gostei muito da vertente decoração.

Nunca? Porquê?
Porque a decoração é sempre mais um exercício de diplomacia do que obra. Ele quer branco, ela quer preto… eu não tenho pachorra para isso, não tenho.

Há um lado meio romanesco neste comércio, não há? Como é que se pega neste pórtico centenário paquistanês, em madeira, frágil, deste tamanho, e como é que se chega, de lá, até subir a Rua da Rosa e entrar aqui?
Camionetas, homens. Gostei, comprei e trouxe, sem saber se se iria vender ou não. É exatamente como o que faço em pintura, faço porque gosto e acabou.

Ao compor um espaço como o seu, existem diferenças entre o olhar e a escolha de uma mulher e os de um homem?
Não, aqui não há género. Há homens que são sensíveis a isto e há mulheres que não. E vice-versa.

Já lhe custou muito vender uma coisa?
Ai, já. Algumas sim, mas tem que ser, eu vivo disto.

Esta arte oriental e africana, é procurada sempre ou tem flutuações e modas?
Sim, tem flutuações muito grandes, principalmente a arte africana, que só muito recentemente, em Portugal, se começou a apreciar. Especialmente porque se pensava na arte africana como sendo aqueles mamarrachos em pau-preto que os nossos militares traziam de África. Aliás, não é de admirar uma vez que nem sequer temos um Museu de Arte Africana, não é?

A exposição n’A Diferença vai estar até ao fim do mês. O que podemos ver lá?
Podemos ver composições cujos elementos provêm de diversas partes do mundo. É muito pequenina, são cinco trabalhos de pôr na parede e três que funcionam como escultura. Os de parede têm como base um papel de um mestre japonês. E sobre eles intervenho com materiais e referências de tantas outras culturas. Que embora diversas se complementam.
Roteiro da Teresa para Lisboa:

Onde se janta?
Em casa, que é tão bom.

E bar?
Bar ainda menos!

Uma esplanada bonita em Lisboa?
Agora há aqui ao pé uma coisa linda, na Escola Politécnica, que por acaso também é restaurante, que se chama ZeroZero. Com jardim, lindo.

E um jardim?
O Jardim Tropical, em Belém.

Um museu?
O Nacional de Arte Antiga.
Queima Roupa:
Quem é que convidaria para um jantar ideal?
A Madonna, e os miúdos. E convidava o Obama e a Michele.

O que tem sempre que haver num espaço seu?
Tranquilidade, luz e um sentido estético que me diga alguma coisa, que me faça sentir bem. E gatos.

E o que nunca pode lá entrar?
Gente histérica, barulho, confusões. Cerimónias.

O que a faz rir?
Faz-me rir a inocência, a graça das coisas, talvez as coisas mais simples.

O que é que a aborrece muito?
A pretensão, o armarem em aquilo que não são, odeio. O estrelato.

Sempre que pode, faz o quê?
Pinto. Pinto e vou para ao pé de plantas.

Se mandasse no mundo o que decretaria já?
Que parassem de torturar crianças. Mulheres e crianças. Que parasse este caos em que estamos a viver.

O que é que encanta a Teresa?
A Natureza, que é sempre de ficar de boca aberta, não é?