Teresa Tavares: “O medo, esse sim é o nosso maior inimigo”

Começou a sua carreira de atriz aos 17 anos com a peça de teatro “O Cão Alucinado”, seguiu-se a televisão com a telenovela “Jardins Proibidos” e desde então é uma presença assídua no pequeno e no grande ecrã, bem como nos palcos. Atualmente, entra pela casa dos portugueses como inspetora da PJ na série da TVI “Onde está Elisa”, mas ainda este ano chegará às salas de cinema com o filme de “Fátima” de João Canijo. Teresa Tavares é uma cara querida dos portugueses e, além de atriz, uma mulher que tem algo a dizer sobre o mundo.

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Porquê ser atriz? Porque descobri que essa era a minha forma de comunicar.

Como se prepara para as personagens? Depende da personagem, mas acho muito importante o trabalho de preparação. É algo que faço sempre. Por exemplo, no filme do João Canijo, que fiz em 2016 e que vai sair este ano, o próprio realizador fez uma preparação muito intensa com as atrizes. Neste caso, estive a viver e trabalhar em Trás-os-Montes e cinco meses sem vir a Lisboa. Tinha folgas mas foi uma escolha minha não vir porque achei que naquele processo essa decisão era interessante.

O que é que aprendeu com os cinco meses em que esteve afastada de Lisboa? Nesses cinco meses, como agora que estou a fazer uma inspetora da polícia judiciária também me preparei no local – estive com inspetoras no seu dia-a-dia, não aprendi só a dar tiros, cercar carros e pôr algemas. Em qualquer destes processos, o mais interessante é pormo-nos no papel daquela personagem e o que descobrimos de nós próprios naquelas circunstâncias. Para mim o grande desafio e a grande aprendizagem é essa. Acaba por ser sempre uma aprendizagem altamente pessoal, mas quanto mais pessoal mais universal, quanto mais conheces de ti própria melhor percebes o mundo que te rodeia.

Há uma Teresa diferente depois de cada personagem? Há a mesma Teresa porque as personagens são diferentes projeções de mim própria. Mas há uma Teresa que aprendeu coisas novas, ou que se viu sob outro ângulo, não creio que seja diferente mas que descobriu mais arestas de si própria.

Qual foi a personagem que mais a marcou? Eu não consigo escolher uma. Há processos que são muito marcantes, há personagens que são muito desafiantes, até do ponto de vista técnico. Eu não consigo escolher um. É sempre um bocadinho como quando te apaixonas, parece sempre que é a primeira vez, e é mentira. Tu sabes sempre que não é a primeira vez e também sabes que é um bocadinho diferente por isso. Acho que o mecanismo é muito parecido, é como quando te apaixonas.

E é por isso que continua apaixonada pelo que faz? Sim, verdadeiramente.

Voltando ao filme do João Canijo, “Fátima”, que conta a história de um grupo de mulheres que vai em peregrinação a Fátima, acredita em Deus? Este filme mudou a sua maneira de encarar o seu lado mais espiritual? Eu sou uma pessoa cheia de fé, mas nunca tinha ido a Fátima em peregrinação. Sou batizada, cresci no seio de uma família católica e foi assim que fui educada. Isso é importante, a nossa educação é fundamental, é algo que está em nós. Eu lembro-me que quando começámos a trabalhar para o filme, eu fiz questão de rezar e, de facto, sei rezar as orações todas, porque foi assim que cresci. A primeira vez que fui a Fátima a pé foi realmente para o filme e foi uma experiência incrível, tanto para o processo criativo do filme, como pessoalmente. O que foi extraordinário para mim foi o convívio com aquelas pessoas que fazem aquela caminhada por fé, outras porque prometeram, outras por superação. Há muita gente que vai a Fátima a pé pelo desafio. Há todas as motivações possíveis e o que foi interessante para mim foi fazer aquela caminhada com aquelas pessoas que me receberam num grupo de peregrinos.

Essa experiência mudou-a ou reavivou-lhe alguma crença? A fé que eu tinha, e que é profunda, já lá está e continua, foi muito interessante, muito bom e muito rico, mas o mais importante foi aquela partilha com aquelas pessoas. O que foi importante foi estar no dia-a-dia porque isso é o mais interessante na preparação de um filme.

É uma pessoa mais tolerante e compreensiva por estar sempre a encarnar e preparar papéis que a colocam em todo o tipo de situação? Acho que provavelmente sou mais aberta. E esse é um trabalho que se faz, e acho que à medida que os anos foram passando me fui tornando mais aberta. Esta coisa de não julgar… Vai-se trabalhando mesmo essa tolerância e abertura e isso desenvolve-se com o trabalho.

Este trabalho de preparação e de encarnar personagens, também ajuda a manter os pés na terra? Sim. O mais interessante na vida, mas também na representação são os encontros entre as pessoas, as empatias e os conflitos que acontecem. É isso que me mantém ligada e é importante que seja assim. Tudo o resto pode parecer muito encantador mas é uma parte ínfima do trabalho.

Lida bem com a exposição pública? Primeiro, sou muito grata pela abordagem das pessoas, que geralmente são muito simpáticas e reconhecem o meu trabalho. E isso é importante. Em relação à exposição, decidi que não ia deixar de fazer nada por ser conhecida, salvaguardo a minha vida pessoal simplesmente porque quero que o meu trabalho seja motivo suficiente para que falem de mim.

Neste momento está a trabalhar no ” Onde está Elisa” em que faz de inspetora. Antes tinha gravado a série “Dentro”, em que fazia de professora de reclusas. Dois lados opostos de uma realidade idêntica, o mundo da criminalidade. Uma personagem ajudou-te na construção da outra? Engraçada essa pergunta. Curiosamente neste caso específico são duas personagens tão diferentes que segui caminhos de preparação muito distintos.

Hoje em dia há muitas séries na televisão portuguesa, as telenovelas começam a perder terreno para este género televisivo. Porque é que acha que isto está a acontecer? Acho que tem a ver com o facto da televisão por cabo estar a ganhar terreno e de as pessoas terem acesso a muitas coisas através da internet. Cada vez as pessoas veem mais séries, estamos numa época dourada da televisão na América e, por influência, começa-se a trabalhar mais neste género. Também é importante para diversificar as temáticas. As séries permitem ir buscar outras temáticas que as novelas normalmente não tocam e isso é importante para o público e para a classe.

À semelhança das séries, o cinema português também está cada vez mais presente em festivais internacionais e começa-se a ver cada vez mais cinema nacional em Portugal. Porquê? Os filmes portugueses já eram vistos lá fora, já tinham bastante projeção. Acho é que se começa a ver cada vez mais cinema português dentro do país. Os portugueses estão cada vez mais a ganhar gosto por si próprios, cada vez mais se fala de Lisboa ser uma cidade tão encantadora e bonita, a questão do aumento do turismo, que é tão importante para a economia, parece que os portugueses estão cada vez a valorizar mais o seu país e a sua língua e isso é muito importante. Talvez tenha contribuído para que se comece a ver mais cinema português.

Acha que o publico português mudou, desde o início da sua carreira até agora? Acho que as coisas estão a mudar rapidamente, desde o aparecimento dos telemóveis as coisas têm evoluído de forma galopante. O mundo está a mudar muito depressa e isso reflete-se em tudo e também nos públicos. Isto levanta-me muitas questões, não só como artista. A rapidez do acesso à coisa também provoca uma maneira diferente de as pessoa se ligarem, toda a gente tem a necessidade do imediato, e eu acho isso assustador. Mas o que é facto é que o mundo está a mudar.

E não necessariamente para melhor… Não sei, eu não tenho nada essa visão de que se está sempre a mudar para pior. Acho muitíssimo grave que o Trump tenha subido ao poder e acho que isso é preocupante, também na Europa há muitas coisas graves a acontecer, mas não vou dizer que, por isso, estamos todos perdidos. Nós temos uma coisa extraordinária que é a capacidade de pensar e a capacidade de agir. O teatro, o cinema e a arte servem também para isso, para pôr as pessoas a pensar.

Como é que a arte pode fazer esse trabalho de consciencialização? Eu vejo isto de uma forma muito simples: as pessoas quando vão ao cinema ou ao teatro, para se verem ao espelho. Vamos ali porque é como se tivéssemos um espelho mais claro e mais acutilante sobre o mundo, é como se a realidade estivesse toda concentrada ali naquela obra. A partir do momento em que nós temos o poder de pôr o dedo na ferida, quando o fazemos vamos levar as pessoas a olhar para a ferida, e é quando se olha para ela que se consegue curá-la. Temos de ter esta coragem de tocar na ferida, de ir fundo nas temáticas, essa coragem de nos pormos na situação sem medo. O que me assusta mais, hoje em dia, é o medo, esse sim é o nosso maior inimigo. O facto de eu sentir que se está a instalar em muitas situações um clima de medo que pode deitar tudo a perder, assusta-me. Porque na verdade não há nada a temer. Há coisas para enfrentar, para aprender, para lutar e o resto é da nossa cabeça. A liberdade é um desafio. A minha religião é a liberdade porque para mim é um sinónimo de amor profundo, é o único caminho para nos vermos livres do medo. Esta coisa de construir muros acontece porque temos todos muito medo de ser livres. Eu acho que o caminho é o contrário.

O politicamente correto irrita-a? Não me irrita, acho é que não é preciso estar tão preocupado com o que é dito. Até porque com o mundo a mudar com esta rapidez, tudo o que é politicamente correto num dia pode mudar no outro. É uma questão de bom senso, perde-se demasiado tempo a ser politicamente correto. A empatia é de facto uma coisa muito importante, agradar já é uma coisa diferente e confundem-se muito.

Qual é a diferença? Agradar é fazer uma coisa porque alguém vai gostar, empatizar exige muito mais respeito pelo outro e a noção de que a minha liberdade acaba onde começa a da outra pessoa. Há uma série de pessoas com quem não empatizamos tanto e isso não as torna nem a elas nem a nós piores pessoas.

Na sua página de Facebook deixa bem claras as suas posições políticas. Acha que estamos num momento em que toda a gente devia ter uma opinião sobre o mundo? Eu acho que, e não tem a ver com a altura que vivemos, as pessoas devem sempre ter uma opinião sobre o mundo porque é o sítio onde vivem. Até nas coisas mais simples. No outro dia estava a ter uma conversa com uma amiga minha sobre ecologia e chegámos a uma conclusão muito simples: na realidade o tema está na moda, mas a questão é bem mais simples. Eu tenho algumas preocupações ecológicas, mas não sou nada fundamentalista, porque é aqui que vivo e onde os meus filhos e netos vão viver, portanto convém que isto esteja porreiro quando eles cá chegarem. Na realidade, opinião todos temos, nem sempre temos é coragem de a expor e quando o fazemos estamos, na realidade, a assumir quem somos.

Acha que como figura pública, tem mais voz para dizer o que pensa, ou pelo menos para ser mais ouvida? Eu não acho que tenha mais voz, mas obviamente há mais pessoas atentas à minha vida, ao que eu faço, e isso é uma situação que me permite falar sobre as coisas e ser ouvida por muito mais pessoas. Mas acho que temos todos voz e é importante usá-la. E digo-o sem qualquer tipo de fundamentalismo. Sou a favor das pessoas se manifestarem, porque o poder somos nós, quem habita este planeta somos nós. É um direito e uma responsabilidade, de todos, ter uma opinião.

Como é que uma pessoa muito pouco fundamentalista e aberta ao mundo, vê os EUA neste momento? Eu não acreditei mesmo que o Trump ia ganhar, mas é uma evidência: ele realmente ganhou. Vejo isto com preocupação, mas acho que o importante é arranjar maneira para lidar com isso. Acho que juntos conseguimos lidar com isto, porque, de facto, é uma situação que afeta o mundo, não só os EUA. Aqui entra a importância de juntar forças, de trabalhar em equipa e para isso é importante darmos a nossa opinião sobre as coisas.

Acha que esse é o pequeno passo que todos podemos dar? Sim. Na realidade é um trabalho que se faz todos os dias e é de todos nós. Mas também é importante percebermos que manifestar a nossa opinião tem de ir além do Facebook e do Twitter, manifestar a opinião também é ir para a rua. Não nos podemos barricar todos atrás do computador, até porque isso também é perigoso, atrás do computador todos são fortes, mas é preciso ir à rua e ter conversas a olhar uns para os outros.

Entre as lutas de hoje tem-se falado muito do feminismo, acha que ainda há muito para fazer? Acho que as coisas evoluíram muito, mas que é uma caminhada. A questão aqui é uma igualdade de direitos com todo o respeito pelas diferenças. Chegaremos a um sítio em que já não se falará de feminismo mas sim de humanismo, o que interessa é que somos todos seres humanos e conseguimos viver com essas diferenças. Em relação ao feminismo acho que demos passos importantes, mas que é um processo e é, mais uma vez, responsabilidade de todos nós e de todas nós, embora sinta que há cada vez mais consciência dos direitos e que cada vez as diferenças se dissipam mais. É uma luta que está a dar frutos e que espero que não regrida.

Na representação também se sente esse feminismo. Houve uma evolução dos papéis femininos ao longo dos anos? A questão é que historicamente sempre houve melhores e maior quantidade de papéis para os homens. Depois começou a mudar, hoje realmente há mais papéis femininos de força, ou pelo menos damos-lhes mais atenção.

Acha que vai ser uma moda que vai passar ou que é um caminho? Espero que não seja uma moda. Espero mesmo que não seja, porque isto é importante e vai além da questão de ser uma mulher ou um homem. Isto é interessante porque as mulheres também levantam outras temáticas nos papéis.

Criou uma associação de atores chamada Teatro do Vão, porquê? Porque é preciso fazer coisas, nós somos o que dizemos mas somos sobretudo o que fazemos. O Teatro do Vão é um espaço mental de criação, não tem um sitio físico, fazemos alguns espetáculos por ano. O facto de criar uma associação cultural permite ter um espaço de experimentação e exploração novas linguagens e isso é muito importante.

O que é que a idade lhe acrescentou à forma de representar? Fez-me perder medos.

Do que é que tinha muito medo? Tinha muito mais ansiedades…

O palco já não a assusta? Assusta-me muito até ao momento em que meto lá os pés. O que aconteceu foi que ganhei confiança, em mim e nos outros.

Confiar nas outras pessoas é importante? É primordial, é o que eu acho que pode fazer o mundo andar para a frente. Representar é muito isto de confiar e escutar. Só se consegue ir mais longe quando se confia, e muitas vezes a confiança subvalorizada.

O que é que ainda lhe falta fazer? Tudo.

Fotografia Gonçalo Villaverde/ Global Imagens