Thandie Newton. “A interpretação pode ser muito aborrecida para as mulheres”

Thandie Newton
Mike Blake/Reuters

A atriz que dá corpo a Maeve Millay na série futurista “Westworld” considera que este é um dos trabalhos criativos mais extraordinários da televisão, com papéis femininos complexos e multidimensionais. Maeve é uma hospedeira robótica que ganha consciência e se revolta contra os humanos no final da primeira temporada. Na segunda temporada, ela e os outros hospedeiros artificiais vão descobrir que é mais fácil partir tudo que decidir o que fazer a seguir com uma liberdade inédita.

Thandie Newton ficou conhecida por “Missão: Impossível 2” e pelo papel secundário em “Crash”, pelo qual ganhou inúmeros prémios. A atriz inglesa é também uma ativista na vida real e tem décadas de trabalho com a organização V-Day, que anda no terreno a ajudar mulheres vítimas de violência e exploração. Diz que estava mais do que na hora do advento do #MeToo, mas ressalva que esta mini-revolução ainda não chegou à maior parte do mundo.

Muitas cenas da primeira temporada foram filmadas consigo sentada numa cadeira, imóvel, usando apenas a sua expressão. Como foi esse desafio?

Adorei. É a melhor parte. A interpretação pode ser tão aborrecida, em especial para as mulheres. Os papéis são tão enfadonhos, unidimensionais, muitas vezes escritos por homens e por isso não mostram o espetro total do que pensamos e sentimos, temos menos tempo no ecrã. Eu sei que estou a interpretar um robô, mas sou uma mulher. Consegui interpretar situações incríveis.

É interessante, porque tinha de repetir muitas vezes as mesmas palavras e no início pensei, ‘como é que vou conseguir fazer isto?’

À medida que a série progrediu, percebi que a intenção era mostrar os erros subtis de funcionamento destas personagens. Começou a tornar-se muito envolvente e excitante. É que eles não nos dizem muito sobre o que se vai passar a seguir.

A subversão dos arquétipos femininos no ecrã foi um dos motivos pelos quais aceitou fazer isto? Pelo papel da Evan também?

Não, porque o papel da Evan parecia ser o da dama em perigo. Eu não sabia muito sobre a Dolores, não sabia o arco da sua história. A Maeve sim, é alguém que embarca numa viagem muito mais transformadora durante a primeira temporada, o que foi delicioso para mim. E surpreendeu toda a gente o sucesso da forma como as pessoas responderam à série. É incrível, como atriz, receber as nomeações e prémios que recebi logo na primeira temporada. Foi muito excitante fazer parte do que acabaram por ser papéis icónicos, que por acaso são interpretados por mulheres.

Vê algum paralelo entre o que está a acontecer com o #MeToo?

Isso é algo que devem ser as audiências a comentar. É uma coincidência muito interessante. Já estava mais do que na hora. Como ativista, faço parte do movimento V-Day há vinte anos, combatendo a violência contra as mulheres. Para mim começou na indústria cinematográfica, tentando chamar a atenção para a exploração sexual, uma questão séria e endémica. Achei que não estava a fazer progresso. Como tirei Antropologia em Cambridge, sempre me senti fascinada por outras culturas para lá destes 25% do mundo. Quando falamos de isto estar a mudar o mundo, há 75% aonde ainda não chegou. Não sejamos arrogantes.

Que impacto tem essa experiência?

O trabalho que tenho feito foi, em parte, para satisfazer uma necessidade de encontrar pessoas que percebem aquilo por que passei. E dei por mim com mulheres que nem sequer têm telefone, que não sabem quem é a Oprah nem têm acesso a água canalizada. São mulheres exploradas pelo Ocidente. De certa forma, estou agradecida por ter sido rejeitada pela comunidade que não se juntou a mim quando eu quis expor a podridão do que se passa nas indústrias criativas, onde as pessoas jovens são exploradas. Há uma estrutura de poder que impede as pessoas de falarem por medo de perderem os seus empregos. Essa dinâmica é particularmente difícil no cinema, teatro, música, onde muitas vezes nem se é pago. Falei com aquelas mulheres sobre o meu abuso sexual e elas ficaram espantadas que alguém do Ocidente tivesse passado por isso. Tive muito sucesso no trabalho que fiz para ajudar estas mulheres.

No final da temporada, a Maeve parece estar muito segura do que vai fazer. Isso muda na segunda temporada?

Ela é tão ingénua. Só posso dizer isto.

Concordou com a evolução da sua personagem ou ficou chateada?

Não é chateada, é que… os criadores são muito inteligentes e não estão a tentar agradar a ninguém. Estão em busca de uma exploração da condição humana maior, mais verdadeira. O Westworld, de certa forma, era o meu refúgio, em que as pessoas podiam rebelar-se e descobrir a sua verdade, lutar contra o opressor e vencer.

Mas quando se rebelam, não é sempre a subir? Há altos e baixos?

Talvez. É fascinante. É o trabalho mais extraordinário que alguma vez vi um grupo criar. No final, quando tudo estiver terminado, eu sei que é apenas uma série de televisão, mas será difícil.

É um impacto pessoal assim tão profundo?

Sim. Sou uma pessoa muito sensível.

Haverá uma terceira temporada?

Não sei, é possível. Quando todas as temporadas estiverem terminadas, será um arco narrativo incrível. Lembra-me o Krzysztof Kieślowski e as suas séries de filmes, a trilogia das três cores.

Como foi filmar a segunda?

Quando comecei, o meu filho tinha seis meses. E quando estava grávida foi-me difícil assistir a coisas perturbadoras, como é Westworld.

O background como bailarina ajudou-a neste papel robótico?

Sim. Tenho muita consciência do meu corpo por causa disso, sei o que a câmara está a ver e o que faz o mais pequeno movimento. Teria sido muito mais difícil sem esse treino.

Vê esta série como uma forma de se envolver mais com a sua humanidade e a dos outros?

Não quero ser macabra, mas neste momento se tivermos um mundo em que pudermos fazer séries de televisão – qualquer outra coisa que não sobreviver – é bom, porque o que se está a passar é muito assustador. Se vamos fazer seis temporadas? Eu quero é saber se vamos poder andar de avião, continuar a usar os nossos gadgets. Precisamos de deter os danos que estão a ser criados no mundo neste momento. Há caos e loucura por todo o lado. O que se está a passar na Europa? É em todo o lado. É aterrador.

Este papel fez com que olhasse de forma diferente para a tecnologia?

Não, de todo. Isto é no futuro. Tenho medo de a minha filha adolescente ir para a internet. Estou preocupada com esse tipo de coisas. Adoro as redes sociais. A minha família está no Zimbabwe e a inflação é tão elevada que há muito tempo que não conseguiam usar dinheiro local, só dólar americano, mas foi criada uma app incrível para resolver isso. A tenacidade e inovação que surgem por causa da tecnologia são notáveis, há um equilíbrio. Não estou mais assustada. O Westworld é o Westworld: são robôs e cowboys.

Ana Rita Guerra, em Los Angeles

Imagem de destaque: Mike Blake/Reuters