Timor: violência doméstica aceite por 81% das mulheres

Mulher num mercado em Timor
Mulher num mercado em Timor (Rafal Cichawa / Shutterstock.com)

A educação, a formação e a melhoria das condições socioeconómicas das famílias são as melhores armas para lutar contra a violência de género em Timor-Leste.

A convicção é do primeiro-ministro Rui Araújo, que comenta dessa forma os resultados “alarmantes” do estudo da Asia Foundation, conhecido em maio deste ano, que revela que cerca de 60% das mulheres timorenses já foram alvo de violência física ou sexual. A pesquisa indica também que a esmagadora maioria das vítimas a legitima.

Dois terços das mulheres timorenses consideram que devem submeter-se à violência dos maridos para manter a família unida e 81% aceita que o companheiro lhes bata se não lhe obedecerem ou cumprirem bem as tarefas domésticas. Esta percentagem consegue superar a dos homens que responderam da mesma forma à questão e que se situa nos 79%.

O primeiro-ministro vê nas conclusões do estudo a prova de que só “a médio e longo prazo” se conseguirá obter uma alteração real nas mentalidades, o que terá de passar, necessariamente, pela “educação” e pela “criação de condições para que as pessoas vivam realmente longe das circunstâncias em que se possam tornar violentos”.

Para Rui Araújo uma das principais causas do problema são as dificuldades financeiras que as famílias enfrentam e que se assumem como território fértil para a violência se instalar e ser tida como normal. “Até certo ponto, as pessoas pensam que essa violência tem razão de ser, baseando-se nas circunstâncias difíceis que a família enfrenta”, afirmou em declarações à Agência Lusa.

Apesar de manifestar preocupação com os dados revelados e de garantir que o executivo timorense está a trabalhar para resolver a situação, o governante lembra que há outro fator a ter conta na análise dos dados: a influência do historial de conflito do país.

“A campanha contra a violência domestica, contra a violência em geral tem vindo a ser feita nos últimos anos. Temos que ver a forma de intensificar isso outra vez. Mas não é de um dia para o outro que se consegue eliminar isto, esta tendência de violência num país pós-conflito”, reconheceu.

Rui Araújo reconheceu ainda os relatos que dão conta de um número elevado de casos de violência e assédio sexual nas ruas envolvendo mulheres estrangeiras. Também para estes diz que não haverá soluções imediatas.

Homens admitem violência contra as companheiras

Entre os homens inquiridos pelo estudo da Asia Foundation, mais de um terço confessa ter usado violência física ou sexual contra a sua companheira e 41% recorreram à violência emocional ou económica.

No que respeita a casos de violação, a maioria ocorre dentro de relações existentes, com o estudo a referir que os autores são geralmente conhecidos das mulheres. “Pais e membros da família, amigos e vizinhos são os principais autores das violações”, refere-se.

A pesquisa confirma, por outro lado, que 14% das mulheres com idade entre 15 e 49 anos foi violada por alguém que não era o seu companheiro e que uma em cada sete confirma que a sua primeira relação sexual foi forçada, algo particularmente prevalente entre as mais jovens.

Entre os homens, um quinto, com idades entre os 18 e os 49, confirmou ter violado uma mulher pelo menos uma vez na vida e entre 6% e 12% disse ter violado uma mulher ou rapariga com mais de um homem ao mesmo tempo.

Três em cada cinco homens (65%) violaram quando eram adolescentes (com menos de 20 anos) e 15% antes dos 15 anos.

Confiança na polícia está a aumentar, mas ainda não chega

Um relatório de 30 de junho, também da Asia Foundation, mostra um aumento do sentimento de segurança na população em geral, que vê mais policiamento nas ruas, bem como um maior envolvimento e profissionalismo das forças de segurança. Contudo, o relatório revela igualmente que ainda há muito a fazer na resolução de conflitos e na relação com as comunidades – contexto onde ocorre grande parte dos casos de violência de género, como reconhece o próprio governo.

“A violência doméstica e a disputa de terras são os principais desafios que as nossas comunidades enfrentam”, referiu o ministro do Interior Longuinhos Monteiro, num comentário ao relatório, acrescentando que é necessário que tanto a Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) como os membros das comunidades conheçam as leis e “assegurem que todos os crimes públicos sejam oficialmente reportados ao sistema judicial”.

 

Imagem de destaque: Rafal Cichawa / Shutterstock.com