O preço dos cereais nos mercados mundiais deverá sofrer um forte impacto com as tensões entre a Ucrânia e a Rússia, nomeadamente o trigo e milho, dado o peso das exportações destes países. A perspetiva foi traçada por analistas na quarta-feira, 23 de fevereiro, e já ainda na véspera do anúncio da ofensiva militar no leste da Ucrânia e por parte da Rússia, que teve lugar na madrugada desta quinta-feira, 24 de fevereiro, levando já as bolsas europeias a caírem a pique.
“Se existir um conflito militar [como veio está a acontecer desde a madrugada de quinta-feira, 24 de fevereiro] é provável que a subida se transforme no aumento extraordinário e talvez inédito, que causará muitas dores de cabeça a transformadores, mas principalmente aos consumidores”, antecipa Mário Martins, membro do conselho de administração da corretora ActivTrades CCTVM, em declarações à agência Lusa. Recorde-se que, em fevereiro, o preço daquele cereal passou dos 740 [dólares] para os 850 [dólares].
Subida do preço do trigo terá “impacto sobre os bens alimentares pagos pelos consumidores”
Henrique Tomé, analista da corretora XTB, destaca que “tanto a Rússia como a Ucrânia têm um papel importante no que diz respeito à exportação de cereais à escala mundial”, com “ambos os países a representarem cerca de 30% da exportação”. “No caso de existir efetivamente um conflito armado, os preços de determinadas matérias-primas, além do petróleo e gás natural, poderão subir substancialmente. Como por exemplo, o preço do trigo, que por sua vez terá um impacto sobre os bens alimentares pagos pelos consumidores“, refere. O analista estima que o trigo “é dos cereais que poderá registar a maior subida dos preços”, salientando que “os preços já subiram cerca de 9% este ano”.
Além do trigo, Mário Martins alerta que também o milho deverá registar uma subida de preços, uma vez que a Ucrânia é “o sexto maior” produtor mundial, “sendo responsável por 16% das exportações globais de grãos”. Para o analista a oscilação de preços dos cereais “dependerá do resultado do impasse”, considerando que “no pior cenário” será “substancialmente maior, desde logo porque alia a questão do aumento de custos energéticos, dado que o preço do petróleo irá disparar também”.
Mas os estilhaços da operação militar no leste da Ucrânia e anunciada pelo presidente da federação Russa, Vladimir Putin, será profundamente mais transversal com a escalada de preços da energia, gás e petróleo, para a Europa, afetando o preço de tudo o que é importado por Portugal.
Alemanha toma medidas para mitigar aumento de preços da energia
Aliás, já para fazer face à subida de preços da energia, a Alemanha tinha já tomado medidas extraordinárias de apoio a famílias desfavorecidas na quarta-feira, 23 de fevereiro. A co-presidente dos Verdes – partido que integra o executivo alemão -, Rigarda Lang, assinalou que a subida de preços está a afetar “duramente” muitas pessoas e realçou que a situação em torno da Ucrânia “agudiza ainda mais” o problema. Lang explicou que é preciso reduzir a “dependência” do gás russo e qualificou a situação atual como de “inflação fóssil”, da qual só se pode sair através das energias renováveis.
De entre as medidas anunciadas pelos partidos da coligação que sustentam o governo alemão – sociais-democratas, verdes e liberais -, destaque para a redução de impostos e a concessão de ajudas às famílias mais desfavorecidas, que vão ter um custo orçamental de 13,6 mil milhões de euros.
Ao detalhe e de entre o pacote de medidas anunciado pelos dirigentes dos três partidos, a líder verde destacou uma ajuda extra de 20 euros mensais para cada criança que viva abaixo do limiar da pobreza, enquanto as pessoas que estejam a receber ajudas sociais vão receber um pagamento único de 100 euros.
Recordou também que, tal como o governo já anunciou, as famílias com menos recursos vão receber um cheque para compensar a subida do preço do aquecimento das casas, com uma importância entre 115 e 175 euros, mais um extra por cada filho. Avançou que um imposto sobre o consumo doméstico, destinado a financiar o desenvolvimento das energias renováveis, vai ser retirado em 10 de julho e não em 2023, como a coligação tinha acordado.
A manhã de quinta-feira, 24 de fevereiro, acordou com os ataques por terra e mar de várias cidades ucranianas por parte da Rússia e com a informação de pelo menos oito mortes e mais de uma dezena de feridos nas primeiras horas da invasão russa ao país, segundo o assessor do Ministério do Interior ucraniano, Anton Gueraschenko. “Uma mulher e uma criança ficaram feridas na região de Konopot, onde um carro se incendiou. Na cidade de Podolsk, na região de Odessa, há sete mortos, sete feridos e 19 desaparecidos como resultado do bombardeio. Na cidade de Mariupol, região de Donetsk, há um morto e dois feridos”, relatou o responsável, na plataforma Telegram.
Mas os abalos não são apenas militares. As principais bolsas europeias ‘acordaram’ a negociar em forte baixa, com o petróleo a ultrapassar a barreira dos 100 dólares.
Esta manhã de quinta-feira, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky pediu aos líderes mundiais que deem ajuda à defesa ao país e protejam o espaço aéreo dos ataques russos, sublinhando que a Rússia “desencadeou uma guerra com a Ucrânia e com o mundo democrático”. Grandes explosões foram ouvidas antes do amanhecer em Kiev, Kharkiv e Odessa, enquanto os líderes mundiais denunciavam o início de uma invasão que pode causar muitas vítimas, derrubar o Governo democraticamente eleito da Ucrânia e ameaçar o equilíbrio pós-Guerra Fria no continente.
Os ucranianos começaram a fugir de algumas cidades, e os militares russos alegaram ter incapacitado todas as defesas aéreas e bases aéreas da Ucrânia em poucas horas.
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, declarou que o país está agora sob lei marcial, e afirmou que a Rússia tem como objetivo as infraestruturas militares da Ucrânia.
Os ucranianos, que há muito se preparavam para um possível ataque, sem nunca saber exatamente quando aconteceria, foram instados a ficar em casa e não entrar em pânico, mesmo quando a guarda fronteiriça do país reportou a existência de uma “parede” de artilharia e de tropas russas na vizinha Bielorrússia.
CB com Lusa