Trump anti-aborto ganha Casa Branca, mas sete estados ‘blindam’ eventuais ameaças ao direito à IVG

Former President Trump Holds Campaign Rally In Reno, Nevada
[Fotografia: Justin Sullivan/Getty Images/AFP]

Eleitores norte-americanos do Arizona, Missouri, Montana e Nevada deram a maioria dos votos ao candidato presidencial republicano Donald Trump – que tem sido voz contra o aborto – no regresso à Casa Branca, mas também deram o ‘sim’ à vontade de garantir e blindar o direito à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) das mulheres. Já na Florida – onde o republicano se encontra, em Mar-a-Lago -, Dakota do Sul e Nebraska as proteções constitucionais ficaram pelo caminho com chumbos aos diplomas que tinham sido submetidos a 5 de novembro, nas eleições em que a democrata e vice-presidente Kamala Harris não venceu, ficando abaixo do que as sondagens indicavam.

Nos estados em que Kamala Harris, democrata e atual vice-presidente, conquistou maior número de votos, as propostas para proteger o direito ao aborto mereceram luz verde, blindando eventuais retrocessos no Colorado, em Maryland e em Nova Iorque.

Recorde-se que estas iniciativas de resguardo surgem dois anos e meio depois da reversão federal deste direito [a lei Roe v. Wade] e para a qual Trump contribuiu uma vez que, no primeiro mandato, nomeou juízes conservadores ao Supremo Tribunal que, mais tarde, votariam pela restrição à IVG, com consequências sociais, físicas e emocionais graves para gestantes e bebés.

Direito ao aborto blindado, apesar de maioria de Trump

No Arizona, em que as contagens de votos ainda prosseguem, o diploma que alterará o Artigo II da Constituição do Estado, introduzindo o direito reprodutivo, já terá recebido luz verde, com mais de 60% dos votos. A proposta 139, recorde-se, interdita o estado de negar, restringir ou interferir nos direitos ao aborto antes da viabilidade fetal, “a menos que justificado por um interesse estatal convincente que seja alcançado pelos meios menos restritivos”. Impõe ainda a mesma condição após a viabilidade fetal que, “no julgamento de boa-fé de um profissional de saúde, seja necessário para proteger a vida ou a saúde mental da gestante”. O estado fica ainda proibido de multar e punir qualquer indivíduo ou entidade por “ajudar ou auxiliar uma gestante a exercer o direito individual ao aborto”. Recorde-se que, em abril deste ano, o tribunal deste estado decidia que o Arizona poderia impor uma proibição quase total da IVG baseando-se numa lei com 160 anos. De acordo com essa legislação do século XIX, o aborto era punível com dois a cinco anos de prisão, exceto quando a vida da mãe estivesse em risco.

Missouri recebeu também um ‘sim’ à proteção de quem procura e quem auxilia a gestante na IVG e estabelece o direito na constituição estadual de tomar decisões sobre cuidados reprodutivos (incluindo a toma de anticoncecionais) sem interferência do governo, alargando o aborto até a viabilidade fetal, entre as 22 a 24 semanas de gravidez. Recorde-se que o Missouri foi o primeiro estado a por fim ao direito ao aborto até para casos de violação e incesto apenas uma hora depois da reversão da lei federal, em junho de 2022.

Luz verde também no estado de Montana, pelo que a constituição estadual deve, segundo a proposta a votos que quer impedir retrocessos no futuro, manter a proteção do direito de tomar decisões sobre a própria gravidez, entre elas o aborto, seja pela viabilidade fetal, para proteger a vida ou a saúde da grávida, mediante determinação médica.

Segundo a agência noticiosa Reuters, o Nevada aprovou, nesta primeira fase, a inscrição do direito ao aborto – até o ponto de viabilidade fetal, ou para proteger a vida ou a saúde de uma paciente grávida – na constituição estadual. Contudo, o documento terá de ser novamente votado dentro de dois anos, em 2016.

IVG travada nos estados que mais elegeram republicano

Na Dakota do Sul – onde todas as IVGs são proibidas exceto para salvar a vida da mãe -, o Amendment G legalizaria o aborto, mediante regulamentação específica, durante o primeiro e o segundo trimestres da gravidez. As contagens redundaram num chumbo de um diploma que, se aprovado, devolveria esperança a casos de gravidezes fruto de incesto ou violação, que vão continuar desprotegidos.

Em cima da mesa, na Florida, estava um eventual alargamento de direitos à IVG. Apesar de ter conquistado a maioria dos votos, esta proposta exigia 60% das contagens, ficando a 3% de o conseguir. Este clausulado defendia a inclusão de uma medida que impedisse legisladores de passar, no futuro, qualquer lei que penalizasse, proibisse, retratasse ou restringisse o direito ao aborto e levantava a permissão dos seis semanas alargando o direito até ao ponto de viabilidade fetal, cerca de 24 semanas de gravidez. Com esta travagem, fica a vigorar a atual lei de seis semanas após a última menstruação da mulher que entrou em vigor a 1 de maio e que representou um recuo face às 15 semanas que existia desde julho de 2022, uma posição tomada mês depois da reversão da lei federal.

O Nebraska levou dois diplomas a votos: um primeiro que colocava o direito ao aborto até ao ponto de viabilidade fetal e para proteger a grávida na constituição do estado como direito fundamental. Uma outra proposta preservava a atual interdição a partir das 12 semanas, com exceções para violação, incesto e emergências médicas. A primeira medida chumbou, mas a segunda passou favoravelmente, segundo a agência Associated Press.

Estados conquistados por Kamala Harris dão sim à proteção constitucional

No caso do estado de Nova Iorque, documento aprovado com mais de 61% dos votos quer cláusula de proteção igualitária da constituição para invocar que não podem ser negados direitos devido à “gravidez, resultados da gravidez e assistência médica reprodutiva e autonomia”.

Maryland, cujo direito ao aborto está já garantido e que tem sido estado de apoio a grávidas vindas de outros pontos dos EUA onde se debatem com proibições, reforça proteção tornando extremamente difícil a qualquer legislador no futuro fazer passar uma lei que limite o direito. Diploma recebeu 73% dos votos.

No Colorado, com 61,4% dos votos, os eleitores dispõem na constituição do estado o Direito ao Aborto e Cobertura de Seguro Saúde. Num território onde a IVG é já legal, este diploma abre a porta para cobrir potencialmente os custos por via do Medicaid e alguns planos de seguro saúde.

Trata-se de diplomas que não alargam direitos em matéria de aborto, mas prometem segurá-los. E isso mesmo aconteceu nas regiões em que a democrata e vice-presidente Kamala Harris, defensora do direito à IVG, venceu.