Tudo o que precisa de saber para o seu filho deixar as fraldas sem dramas

Esta é uma das fases do desenvolvimento dos filhos que mais questões suscita aos pais. O desfralde, ou controlo dos esfíncteres, é um processo de aprendizagem que integra o crescimento, tal como falar ou andar. É uma parte da evolução natural de todas as crianças, e não pode ser forçado. No entanto, cabe aos pais ajudar os mais pequenos a ultrapassar com sucesso esta etapa assim que percebem que estes estão preparados, respeitando sempre o seu ritmo.

Olga Reis, psicóloga clínica e autora do livro “Acabar com as Fraldas e com o Chichi na Cama” (Editora Manuscrito), indica os sinais que demonstram que a criança poderá estar preparada para iniciar este processo, entre os quais “conseguir andar com segurança, conseguir ficar sentada, compreender e conseguir seguir instruções (vai buscar o livro, dá-me a boneca, etc.), saber apontar para as diferentes partes do corpo quando as nomeia (onde está o nariz/barriga?), mostrar-se desejosa de participar no ato de despir e vestir a roupa, conseguir baixar e puxar as calças/saias/collants…” Olga refere também que se durante cerca de duas semanas a criança acordar da sesta com a fralda seca, se tiver consciência dos chichis e cocós – ou seja, se aponta para a fralda e diz “chichi” ou “cocó”, ou se mostra muito calada ou concentrada enquanto faz as necessidades, se agacha ou se esconde quando as faz – isso pode também significar que chegou a hora do desfralde.

A especialista considera que, ainda que algumas crianças estejam preparadas para o desfralde mais cedo do que outras, este não deve ser iniciado antes dos 18 meses. “São muito poucas as crianças em que os pais iniciaram o desfralde antes desta idade e foram bem-sucedidos. Isto porque, por norma, os músculos do esfíncter ainda não estão suficientemente desenvolvidos para garantir o controlo necessário a essa aprendizagem. Devemos ter ainda em conta o facto de a maioria das crianças destas idades apresentarem baixa maturidade emocional. Um desfralde precoce sem que a criança esteja preparada pode levar a frustrações, não só das crianças, mas também das famílias, entre outras complicações.”

Ainda assim, “somos todos diferentes! Assim como há crianças que começam a falar mais cedo que outras, a andar primeiro que outras, a quem os dentes nascem mais cedo, o desenvolvimento também varia e não é «chapa cinco». depende das características físicas e psicológicas de cada indivíduo. Por norma, e pela minha experiência, as meninas costumam ser mais «despachadas» que os meninos. O desfralde é mais rápido. Mas pessoalmente confesso que não dou muita importância a isso. Também existe a exceção à regra (como em tudo) e o importante é estar atento e respeitar o tempo de cada criança”, explica Olga Reis.

Brincar para desfraldar

Muitas vezes os pais são “obrigados” a dar início ao processo de desfralde dos filhos pela pressão social. Avós, tios, amigos, vizinhos – todos acham que “o menino já não tem idade para usar fralda” e que quanto mais cedo se livrar dela, melhor. Os pais, cansados de ouvir opiniões não solicitadas, e já inseguros, acabam por ceder. Olga Reis reforça que é preciso ignorar os comentários de terceiros.

“O provérbio «os cães ladram e a caravana passa» parece-me que aqui funciona muito bem, certo? Uma criança não é mais inteligente nem melhor só porque desfraldou mais cedo. O ideal seria toda a família respeitar a opinião dos pais e, principalmente, o ritmo da criança. Não acontecendo isto, o meu conselho é que tentem «desligar-se» desta pressão e não fazerem caso. (Sim, em alguns casos é difícil). Canalizem as vossas energias para o que realmente importa – o vosso filho. É nele e no seu bem-estar que devem estar focados.”

Um processo de desfralde bem-sucedido passa sobretudo pelo estímulo do interesse da criança pelo mesmo, e pela desdramatização sempre que houver um descuido. Olga Reis dá-nos as dicas essenciais. “As crianças são observadoras exímias e adoram replicar o comportamento dos pais/cuidadores. Uma excelente estratégia é deixar a criança observar os membros da família a usarem a casa de banho. Aproveite e faça brincadeiras, como, por exemplo, uma visita guiada, explicando como se faz e qual a ordem (despir a roupa, sentar, fazer as necessidades, limpar… Deve falar e explicar de uma forma simples por que fazemos as nossas necessidades na casa de banho. Explicar que todos (a mãe, o pai, o tio, a avó, o padeiro, o polícia…) o fazem. Se utilizar uma «pitadinha de fantasia», torna a coisa mais interessante e divertida. No livro também dou alguns exemplos, como o jogo do «rei do penico» (muito semelhante ao rei manda) ou até utilizar os bonecos preferidos, propositadamente, para lidar com possíveis ansiedades e medos (por exemplo, «oh, o super-homem estava numa super missão e descuidou-se porque não chegou a tempo ao penico, está todo molhado. Não, faz mal! Vamos ajudá-lo a «super limpar-se…»). Ah, e outra dica é deixar o seu pequeno escolher as cuequinhas que mais gosta.”

Férias de verão: o melhor timing?

A especialista Olga Reis considera que para um desfralde tranquilo o ideal é que todos no seio familiar, criança e pais, estejam preparados. A autonomia da criança é outro ponto fundamental – já come sozinho? Já se veste sozinho? Já escova os dentes, lava as mãos? Os quadros de rotinas são também uma ajuda na aquisição de competências, e podem servir como quadro de reforço – por exemplo, sempre que o seu filho fizer chichi ou cocó no penico ou na sanita, pode colar um autocolante que goste (uma estrela, um boneco) no quadro. Olga Reis conta que estes quadros são por norma um sucesso, e que, por muito que demore, deve deixar o seu filho fazer as coisas sozinho. “Apenas apoie e incentive (por exemplo, dizendo «Boa, conseguiste lavar sozinho as tuas mãos! Uauá, estás mesmo crescido, já consegues vestir a camisola!»…) Aliás, atenção ao que diz (para o bem e para o mal): a forma como elogia o seu filho pode condicionar o sucesso/insucesso do desfralde. Evite dizer coisas como «és um bom menino!» ou «estás a ser uma boa menina!» Isto porque o pequeno vai achar que é feio ou está a portar-se mal se não conseguiu fazer chichi/cocó no penico, ou quando tem um descuido.” É de extrema importância não dramatizar nem ralhar sempre que haja um “acidente”. “Se acontecer, não apresente atitudes de nojo, reprovação, não ralhe nem castigue com a criança. O controlo não depende da vontade expressa da criança. Existem muitas componentes envolvidas (psicológicas, neuromusculares, físicas) e mesmo estas podem não estar sempre em sintonia. No geral mantenha sempre uma atitude positiva de encorajamento, ajuda e apoio.”

Apesar de ser o tempo ameno o preferido dos pais para iniciar o desfralde, Olga Reis considera que não há dias mais ou menos apropriados no calendário. O que importa, sim, em primeiro lugar, é prestar atenção aos sinais e perceber se a criança está preparada. “É muito comum quando o tempo começa a aquecer as pessoas acharem que é a altura certa para desfraldar a pequenada. É também nesta altura que a pressão por parte de familiares e amigos é maior. A verdade é que isto não passa de um mito e os miúdos não deixam as fraldas e começam a fazer chichi no penico só porque o verão chegou. Há ainda, infelizmente, muitas famílias que tiram precocemente as fraldas aos filhos com base neste mito. Ora isto é baseado na ideia de que, no tempo quente, a quantidade de roupa é menor e os miúdos podem andar a maior parte do dia sem roupa. Além disso, quando acontecem descuidos a quantidade de roupa a trocar é menor, logo serve também um pouquinho para colmatar a preguiça dos pais [risos]. Isto até pode parecer tudo muito bem, e não há nada de mal, caso as crianças e pais estejam preparados. Na minha opinião, se o pequeno não apresentar os sinais de que está preparado, se por qualquer motivo a família não se sente preparada, até porque prefere estar descontraída nas férias e não quer dedicar tempo a esta fase, então mais vale esperar. Não é preciso ter pressa. Ah, e não ceda a pressões!”

Cuidado com os pequenos erros

Muitos pais cedem à tentação de colocar uma fralda-cueca à criança nos primeiros dias do desfralde, sempre que vão sair de casa ou fazer uma viagem de carro. A psicóloga aconselha vivamente os pais a não recorrerem a esta solução, sob perigo de prolongar desnecessariamente o desfralde.

“Uma fralda-cueca continua a ser uma fralda e a única diferença está na forma como se coloca/retira. Ao estarmos a colocar uma fralda-cueca durante o desfralde só estamos a baralhar os miúdos, que muitas vezes acabam por não ir ao bacio por estarem precisamente de fralda, condição a que estão habituados. O facto de haver descuidos nas cuecas/roupa também ajuda no processo de desfralde, uma vez que os pequenos sentem o desconforto de estarem molhados.”

Há muitos fatores que contribuem para o sucesso do desfralde e para desfraldes relativamente rápidos, e Olga Reis lista alguns dos mais importantes. “Na maior parte dos casos a demora no processo de desfralde é por culpa dos cuidadores. Ou porque começaram cedo de mais e a criança ainda não apresentava sinais de estar preparada, ou porque sempre que saíram à rua colocavam fraldas, quando família e escola não estavam em sintonia durante o processo, porque ralharam/castigaram a criança por ter descuidos, insistiram para que se sentasse no penico demasiadas vezes, lembravam constantemente o pequeno de que tinha de ir fazer chichi… No entanto, não havendo problemáticas e fisiológicas e motivos de ordem médica não tenho dúvidas que se seguirem as linhas orientadoras do meu livro, o desfralde ocorrerá em menos de 12 dias.”

Por vezes, mesmo depois de um desfralde bem-sucedido, podem haver retrocessos. A especialista explica que, na maior parte dos casos, as regressões devem-se a causas emocionais. “Uma alteração na rotina/vida da criança, como por exemplo uma mudança de casa ou de escola, a mãe estar grávida ou o nascimento de um irmão, a morte de um familiar ou animal de estimação, estar doente ou a recuperar de uma doença, doença prolongada/hospitalização de familiar, tensões familiares, divórcio, ou tensões na escola (colegas ou educadores).”

E o desfralde noturno?

Mesmo crianças que já desfraldaram há muitos meses podem continuar a ter necessidade de recorrer à fralda da noite. Como agir nestes casos? Haverá motivo para preocupação? Olga Reis assegura que não. “Os mecanismos neurológicos do controlo noturno são diferentes do diurno. Para que a criança consiga aguentar a noite sem urinar tem que adquirir um constante e persistente controlo do esfíncter, e este está relacionado com a maturação neurobiológica (maturidade da bexiga e maturidade emocional), bem como com questões fisiológicas e genéticas. O facto de a criança conseguir estar seca durante o dia não significa que esteja pronta para se manter seca durante a noite. É verdade que há crianças que conseguem praticamente desfraldar dia e noite ao mesmo tempo. No entanto, são muito poucas as crianças com menos de três anos que conseguem aguentar uma noite inteira sem urinar. Na minha opinião, só me preocuparia com o desfralde noturno depois do desfralde diurno estar bem adquirido, nunca antes dos três anos e, principalmente, se acorda com a fralda seca todas as manhãs durante cerca de 1 a 2 semanas. Uma criança com 6/7 anos pode nunca apresentar a fralda seca durante a noite (e a isto chama-se enurese primária. A secundária é quando a criança volta a fazer chichi na cama após algum tempo, depois de já ter conseguido manter-se seca durante a noite). E não há motivo para preocupações. Estima-se que em Portugal cerca de 80 mil crianças façam chichi na cama.”


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