Um cinco estrelas acabado de estrear com selo da Vista Alegre

A água que corre na fonte do Carapichel, erguida em finais do século XVII, em Ílhavo, era considerada medicinal, um bálsamo para os olhos. «Bebe pois, bebe à vontade. Acharás que é (muitas vezes) tão útil para a saúde quão para a vista alegre», pode ler-se na placa, datada de 1696. Não se sabe como este e outros mitos a ela ligados terão nascido. Mas para António Machado Matos, diretor-geral do cinco estrelas Montebelo Vista Alegre, recentemente inaugurado – e onde a fonte, agora recuperada, foi integrada –, este poderá dever-se à geografia do lugar.

Pouco antes de a fábrica de cerâmica lá se ter instalado, em 1824, o lugar da Vista Alegre não era povoado. Lá se encontrava apenas uma pequena quinta com um palacete, a fonte e a capela da Nossa Senhora da Penha de França. Tudo sobranceiro ao Boco, pequeno rio que desagua na ria de Aveiro, vindo de Cantanhede. «Quem olha para o rio, principalmente quando a maré está cheia, nota um brilho especial. Ao fim da tarde, parece haver vários sóis a refletirem no rio.» A contemplação da paisagem estará, sugere o diretor, na origem do nome.

«A ideia é transportar o hóspede tanto para a história da Vista Alegre como para a fabricação de cerâmica. É uma espécie de show room vivo da marca», diz António Machado Matos, diretor-geral do hotel.

As especulações acabam por revelar algo essencial para a história do sítio: a importância da água, tanto como meio de transporte como para transformação de matéria-prima. Foram estas caraterísticas que terá tido em conta José Ferreira Pinto Basto, pioneiro da industrialização portuguesa, quando nos anos 20 do século XIX ali decidiu instalar a fábrica de porcelanas e toda uma comunidade «inspirada no modelo da New Lanark, do socialista utópico britânico Robert Owen», explica Filipa Quatorze, coordenadora do Museu Histórico da Vista Alegre que, em 2016, abrirá as suas portas num dos edifícios da unidade fabril.

A par da fábrica, Pinto Basto fundou, assim, uma povoação com habitações – o bairro operário –, escola, teatro e associações culturais e recreativas, de música e desporto. Tudo à volta do terreiro da capela. «Os trabalhadores tinham direito a assistência social numa época em que o “estado-providência” era inexistente», realça. Construído para acompanhar «o espreguiçar do rio» e as linhas retas da fábrica, com grandes janelas para deixar entrar a luz, sublinha António Machado Matos, o hotel faz ligação ao antigo palacete, residência da família Pinto Basto, transformado agora numa das alas da unidade. Misturando classicismo e modernidade, o hotel projetado pelos arquitetos Paula Fonseca Nunes e Tiago Araújo divide-se em três temas, para outros tantos andares. O edifício novo integra estruturas da primeira fase da fábrica.

Restos arqueológicos de um armazém para guardar a matéria-prima que vinha do rio podem ser vistos mesmo à entrada do hotel. Ao lado, integrada num pequeno terraço, a fonte do Carapichel está renovada e é visitável.

«A ideia é transportar o hóspede tanto para a história da Vista Alegre como para a fabricação de cerâmica. É uma espécie de show room vivo da marca», diz o diretor. Os 72 quartos (54 com vista para o Boco e para a Gafanha da Boavista, e 18 com vista para a fábrica) têm todos decoração diferente conforme o andar em que se encontram.

O projeto, dos arquitetos Paula Fonseca Nunes e Tiago Araújo, acompanha o traço do rio e as linhas retas da fábrica, com grandes janelas para deixar entrar a luz.

Tendo como tema a primeira fase da criação de uma peça de porcelana – os moldes –, o primeiro piso está decorado com alusões aos mesmos. Também neste andar está a piscina e o spa, com salas de massagens, sauna, banho turco e banheira de hidromassagem. A fase seguinte é o «branco», cor da porcelana depois de cozida. Tanto os corredores como os quartos do segundo piso são decorados com peças da Vista Alegre produzidas em exclusivo para o hotel.

Talvez o mais vistoso dos andares seja o terceiro, dedicado à decoração. Pintados à mão pelos artistas da fábrica, os quartos (e respetivas portas) estão repletos de delicados pormenores que nunca se tornam cansativos. Do segundo andar é possível aceder ao rés-do-chão do palacete. A recuperação deste manteve tudo o que era possível manter, como a sala de jantar, os quadros e as pinturas das paredes. Os quartos tiveram de ser adaptados para albergarem casa de banho. A antiguidade – o palácio é original do século XVII, tendo sido alterado ao longo do tempo – confere-lhes um charme pouco comum.

A par da construção do hotel, fez-se a reabilitação de todo o lugar, incluindo o teatro e a capela da Nossa Senhora da Penha de França, classificada como monumento nacional. Durante o próximo ano será reabilitado o bairro dos operários e inaugurado o prometido museu, para manter a história viva e prestar homenagem à visão vanguardista de Pinto Basto – e à comunidade que com ele nasceu.


Dormir

Montebelo Vista Alegre Ílhavo Hotel
Largo da Vista Alegre, Ílhavo
Tel.: 234241630
Web: hotelmontebelovistaalegre.pt
Preço: desde 105 euros (quarto duplo com pequeno-almoço)

Comer

Restaurante Montebelo Vista Alegre
Tal como o resto do hotel, o restaurante é iluminado através de grandes janelas por onde entra uma luz clara refletida pelo rio Boco. O lugar inspirou o chef Rui Rodrigues para a elaboração de uma carta de cariz regionalista. As enguias (em caldeirada ou fritas), a sopa de peixe, as cataplanas e os vários pratos de bacalhau não podiam deixar de estar presentes.

Vista Alegre
Tel.: 232420000
Das 12h30 às 15h00 e as 19h30 às 22h30.
Não encerra.
Preço médio: 30 euros